Quando a vida e a morte se confundem
domingo, 6 de julho de 2025
Atualizado em 4 de julho de 2025 14:06
Do Estado americano da Geórgia veio a notícia de que uma mulher com 30 anos, somando nove semanas de gravidez, teve a morte encefálica declarada e, a partir desse evento, passou a ser mantida em suporte de vida com a intenção de proteger o embrião para que pudesse se desenvolver dentro de um padrão de viabilidade.
No Brasil ocorreu fato semelhante. Uma mulher, com 21 anos, grávida de gêmeos, sofreu uma grave hemorragia cerebral. Levada ao hospital, apesar dos esforços médicos, o quadro evoluiu para pior e três dias após a internação foi declarada sua morte encefálica. A gestação iniciava o segundo mês e a equipe médica decidiu mantê-la biologicamente viva para que os embriões pudessem se desenvolver. Um verdadeiro aparato médico envolvendo também enfermeiros, fisioterapeutas e nutricionistas monitoraram 24h a gestação artificial. Até música infantil fez parte do ambiente da UTI. Os bebês nasceram pouco antes de completar sete meses, com saúde compatível com os prematuros da idade.
Elogiável a conduta da equipe responsável pela manutenção da gestação que não mediu esforços para conseguir levar a bom termo o nascimento das crianças, contando, também, com o apoio e autorização da família, assim como o parecer favorável da Comissão de Bioética do hospital.
A morte encefálica, diferentemente da cardiopulmonar, introduzida há pouco tempo na área médica, justamente para facilitar a doação de órgãos, tem lugar quando todas as medidas de suporte vital resultaram fracassadas, fazendo ver que o paciente se encontra em situação de irreversibilidade absoluta. Não se confunde com a prática eutanásica, que é a conduta em que, por ação ou omissão, alguém antecipa a morte de um doente que, apesar da gravidade da doença, ainda tem vida encefálica.
No Brasil, a decretação da morte encefálica foi permitida pela lei 9.434/1997, estabelecendo que será registrada por dois médicos que não sejam participantes da equipe transplantadora e que obedecerão, os critérios clínicos e tecnológicos definidos pela resolução do Conselho Federal de Medicina. O primeiro deles consiste na realização do exame clínico, que deve ser repetido pelo prazo mínimo de seis horas de observação. O segundo deve ser realizado obrigatoriamente por um médico neurologista. Após, faz-se os exames complementares utilizando-se a angiografia cerebral, o eletroencefalograma, a cintilografia de perfusão cerebral ou ultrassom cerebral com Doppler e outros, se necessários.
Vencido tais procedimentos o paciente é juridicamente declarado morto. Tem-se que, apesar dos sinais vitais permanecerem, a vida já se escoou e o corpo humano nada mais é do que um cadáver. Assim, no caso da mãe que teve a morte encefálica declarada, toda conduta daí por diante foi realizada no cadáver, seguindo as normas éticas e jurídicas para tanto. Todo o tratamento dispensado foi no sentido de manter a mãe como se viva fosse para que pudesse exercer com sucesso a função de incubadora viva.
Desta forma, como por ironia, habitam o mesmo corpo a vida e a morte e, fora dele, eventuais receptores aguardam a doação de órgãos. A morte, já consumada, independentemente de qualquer utilização que se queira dar aos órgãos, tecidos e partes do cadáver, observando sempre a necessidade do consentimento do cônjuge ou parente na linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive. A vida, por representar o bem maior e supremo do homem, patrocinada com todo privilégio pela Constituição Federal, é detentora da prioridade absoluta. E sem necessitar do consentimento de qualquer parente legitimado. No embate entre os dois opostos, a vida tem toda a preferência, mesmo ocorrendo no útero de mãe já morta. Tanto é que a hipótese de aborto foi descartada pela própria legislação penal, deixando a entender que, com a morte da mãe, os embriões que se encontravam em condições de continuar sua peregrinação uterina, seriam também declarados mortos.
Diante de tal quadro, os gêmeos que habitavam a silenciosa clausura, tiveram todo o aparato médico para que pudessem nascer com condições de saúde condizentes com a desconfortável situação em que se encontravam. Tais nascimentos são abrigados pelo pensamento bioético e contam com a aprovação do Direito. A vida humana, de inestimável valor, deve prevalecer em qualquer hipótese de perigo e cabe ao homem praticar as condutas necessárias para fazer prevalecer a spes vitae.