Uma carta com poesia ao pai
domingo, 10 de agosto de 2025
Atualizado em 8 de agosto de 2025 12:39
O título não é nada original. É de uma carta, posteriormente transformada em livro, que o autor checo Franz Kafka escreveu para seu pai. Carta de desabafo, por considerá-lo tirano, ditador e que, provavelmente, tenha exercido influência direta em suas obras, pelo caráter irônico da existência e do culto extremado do absurdo. O pai, no entanto, jamais recebeu a missiva.
Deixando de lado a revolta kafkiana, desperta a atenção de qualquer filho escrever uma carta ao pai, principalmente nos dias de hoje. Ao pai presente, ao ausente, seja porque se foi ou porque nunca quis ser, ao pai são e ao doente, ao pai jovem e ao experiente, ao pai discípulo e ao docente, ao pai que divide a alegria, ao silente do dia a dia, ao pai, enfim, seja lá qual ele for.
Escrever ao pai que você gostaria de homenageá-lo no seu dia, entregar a ele o mais caloroso dos abraços, proporcionar a melhor festa, com o cardápio do seu gosto, com a caloria da comida e do afeto, contar a história de sua vida, buscar seu assunto predileto, com muita calma, sem traumas. Fazer como os românticos romanos: acordar cedo, colher a mais bela flor do dia -carpe diem- e depositar a de cor branca para aquele que já partiu e a de cor vermelha para aquele com quem compartilha este mundo feito um jardim.
Escrever ao pai, com letras garrafais, que você o tem como amigo, o melhor parceiro, que divide corpo e alma por inteiro, com a total liberdade de vasculhar os segredos do seu coração. Segurar em suas mãos e saltar o fosso, vencer o pantanoso e movediço solo, com total segurança, como se ainda fosse criança. Abrir as comportas da infância e encontrar seu herói, seu paladino, com poderes quase divino, a protegê-lo nesta aventura maravilhosa chamada vida, sem vergonha de ser feliz, como propõe o refrão musical.
Escrever ao pai que você gostaria de dar as mais deliciosas gargalhadas, de suas histórias e piadas, com suas palavras curtas e ricas, de ouvir a repetição constante das novidades já envelhecidas, dos sonhos cantados em trovas e versos, como o conquistador do universo. Tamanho o êxtase que daria asas e afagos para a imaginação, pegaria carona nas nuvens sombrias do horizonte, faria caricaturas no céu e brincaria de ciranda com as estrelas, sem querer ouvi-las como o poeta.
Escrever ao pai que você sofreu reveses sucessivos, que foi tocado pelo desespero, mas encontrou, lá no fundo, tudo junto, no nascedouro, a semente de fé e esperança que ele lançou e emergiu rompendo o círculo vicioso da boa crença. Narrar que na sua vida você já se viu diante de feridos tentando juntar seus cacos pelos caminhos e você os recolheu e os assistiu, pela bandeira de solidariedade que carrega.
Escrever ao pai relatando o quanto você o admira pela maneira simples e prazerosa de encarar a vida quando com ela fala, quando enche seu coração de júbilo e destila generosidade e respeito ao próximo, alma nobre e sem idade que, certamente, ganhará o passaporte para a eternidade. Contar a ele, em letras de forma que, quando fechava os olhos, ouvidos e razão, abria, de todas as formas o coração, pulsando-o com paixão.
Escrever ao pai para que ele saiba que, agora como pai, você vem enfrentando suas cruzadas com as armas balizadas para arrostar os moinhos eleitos e que os ecos de seus feitos ainda reverberam. E também que ele saiba que seu filho vai levar a marca do bom guerreiro, a do pai, fiel amigo e companheiro, além de perpetuar a relação cultivada bem estreita com a felicidade.
Se a sua carta já estiver pronta, entregue-a o mais rápido possível, pessoalmente, de preferência. O escrito lacra o sentimento da sua gratidão. Se, no entanto, ele já se foi, revisite você mesmo e lá irá encontrar alojado em seu coração aquela imagem inesquecível, adornada de sentimentos e emoções que a vida continua a proporcionar.