A extensão do sigilo médico
domingo, 14 de setembro de 2025
Atualizado em 12 de setembro de 2025 12:18
De vital importância no relacionamento médico-paciente o documento chamado prontuário médico, de característica sigilosa e científica, pelo qual o paciente é seguido pari passu pela equipe multiprofissional que o assiste. Assim, na realidade, o paciente passa a ser o proprietário dos dados constantes no prontuário e sua guarda fica sob a responsabilidade do médico ou da instituição de saúde, não podendo repassá-los para terceiros, salvo se por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente ou representante legal. A finalidade é exclusivamente preservar a vida privada e a intimidade do paciente, expressões blindadas pela Constituição Federal e Código Civil para resguardar o foro íntimo como o asilo inviolável do cidadão, nos moldes do peace of mind do direito americano.
A relação médico-paciente, além de criar um vínculo obrigacional, vem acobertada pela confiabilidade que deve orientar as partes envolvidas. Tamanho é o estreitamento da relação que todas as providências, procedimentos e informações relacionadas com o paciente, devem acompanhar o prontuário médico. Na definição ofertada pelo Conselho Federal de Medicina, "o prontuário médico é documento valioso para o paciente, para o médico que o assiste e para as instituições de saúde, bem como para o ensino, a pesquisa e os serviços públicos de saúde, além de instrumento de defesa legal" (resolução CFM 1.638/2002).
Ora, ocorrendo a divulgação do segredo, sem justificativa legal, quebra-se o pacto convencionado entre as partes e a publicidade indevida passa a representar uma invasão à vida privada do paciente ou familiares. Tamanha é a importância do sigilo médico que, mesmo que o fato seja de conhecimento público ou até mesmo que o paciente tenha falecido, permanece vivo para o profissional.
É necessário, no entanto, que o médico tenha conhecimento do fato em razão de sua profissão, quer dizer, que tenha atendido ou prestado qualquer tipo de assistência ou realizado exames no paciente. Se, por ventura, tomou conhecimento quando não se encontrava nesta condição, evidente que fica descaracterizada a infração ética prevista no art. 73 do Código de Ética Médica (resolução CFM 2217/18). Mesmo que se trate de pessoa conhecida publicamente, a divulgação do quadro médico feita por boletins, somente poderá ocorrer se os familiares autorizarem e na medida da autorização.
O núcleo do tipo do Código de Deontologia Médica vem sintetizado no verbo revelar, dando a entender que basta a divulgação, a propagação, por qualquer meio que seja idôneo para levar ao conhecimento de terceiros um fato sigiloso, de conhecimento restrito às pessoas encarregadas da prestação do serviço de saúde.
Já no enfoque do Código Penal, em seu art. 154, erigiu à categoria de crime a revelação, sem justa causa, de segredo de que o agente tenha ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão e cuja revelação possa produzir dano a outrem. É importante observar que a definição de segredo no Código Penal corresponde a todo fato cuja divulgação a terceiro possa produzir um dano para seu titular. A intenção da lei é fazer prevalecer a confiança pública depositada no profissional, justamente para que seu serviço possa ser executado com toda segurança, presteza, sem qualquer atropelo coativo. Assim, com a divulgação do segredo quebra-se o pacto convencionado entre as partes e a publicidade indevida passa a representar uma invasão à vida privada do paciente acarretando não só a inconveniente persecução policial, que somente poderá ser iniciada mediante representação da vítima ou de seu representante legal, por se tratar de ação penal pública condicionada.

