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Difícil de aceitar

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Atualizado às 07:20

Há aspectos da vida atual que me causam insuperável dificuldade de entendimento. Mais grave do que a minha incompreensão é a contrariedade que em mim geram.

Há inovações que embora se choquem com os padrões até então vigentes são facilmente assimiladas e aceitas. Hábitos, costumes, comportamentos sociais que sofreram uma rápida e, por vezes, abrupta mudança foram tranquilamente incorporados ao meu dia a dia.

A aceitação e a ascensão na escala social de grupos postos à margem e, alguns, até demonizados, na minha visão representam um extraordinário avanço civilizatório. Não é sem razão que os segmentos mais retrógados e a direita irracional verberam, atacam, e procuram excluir todos aqueles que historicamente estiveram fora dos núcleos sociais tradicionais e agora a eles se incorporaram de forma irreversível.

Há, no entanto, uma "modernidade" que me causa profunda aversão.

Outra noite fui à Faculdade do Largo de São Francisco, a bicentenária Academia de Direito, palco de memoráveis movimentos cívicos, templo do culto à liberdade, tribuna livre das pregações democráticas, que merece o respeito e a gratidão do povo brasileiro. 

Pois bem, foi nessa mesma casa que assisti a uma deplorável exibição de pouco caso e de menosprezo ao seu glorioso passado, por parte dos seus atuais estudantes.

Desfilavam eles pelos corredores e pelo sagrado pátio das Arcadas trajando acintosas bermudas, como se estivessem debochando de uma história de dois séculos.

Dir-se-á que o traje não altera a essência e a importância das coisas e não possui por si só força para valorizar ou desvalorizar qualquer bem de vida.

Engano crasso. A história nos mostra que sempre houve uma identificação da indumentária com profissões, momentos solenes, atos específicos, rituais religiosos ou mesmo pagãos, práticas esportivas e tantas e tantas outras atividades às quais se dedica o ser humano. Imagina-se um militar sem a farda, um padre sem alguma identificação no vestir, o médico sem o jaleco, o advogado e o juiz sem a beca e a toga em certas ocasiões? Mudando o raciocínio, admite-se o médico operando de bermudas, o advogado de calção proferindo uma defesa oral, o militar desfilando de trajes de banho e assim por diante?

Não, claro que não. E por que ao estudante de Direito, não apenas da São Francisco como de outras faculdades, que não é mais uma criança mimada e precisa se preparar para enfrentar os rigores da profissão e as agruras da própria vida, não se exige disciplina no trajar? Atribuo essa omissão aos docentes que foram complacentes e intimidados e fizeram vista grossa. 

Acredito que em país nenhum se concede essa liberalidade aos universitários, pois eles são também preparados para fortalecer o seu caráter na medida em que são obrigados a seguir regras e normas de conduta, uma vez que no curso de suas vidas estas lhe serão impostas.

Concessões com a indumentária ou outras de qualquer natureza, com certeza contribuem para o enfraquecimento de sua personalidade. Se hoje podem usar bermudas porque querem, nem sempre o seu querer irá prevalecer. Bom para eles seria desde agora habituar-se à renúncia e à adaptação do que lhe será imposto.