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Meio de campo

Textos sobre Direito Esportivo e mercado.

Rodrigo R. Monteiro de Castro
quarta-feira, 25 de setembro de 2024

CVM, o IBESAF e o futebol

Em evento que ocorrerá amanhã, quinta-feira, 26, na sede da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, no Rio de Janeiro, será lançado o IBESAF - Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol. O local do evento e o momento do lançamento são significativos. Antes da apresentação dos motivos, resgate-se, de modo resumido, a cronologia da SAF. O ponto de partida foi o PL 5.082/2016, de autoria do deputado Otavio Leite. Naquele momento, a própria ideia de um subtipo societário, no centro de um subsistema voltado à criação do mercado do futebol, parecia uma proposta imaterializável. Ninguém, ou quase ninguém, acreditava que progrediria. Pior: no meio dos debates de convencimento a respeito da pertinência da proposta surgiu a Lava Jato, que parou o País - e o processo legislativo. O tema voltou à pauta legislativa em 2019, com o aparecimento de modelo alternativo à SAF, apoiado na figura do clube-empresa, previsto desde a Lei Zico. Foi nesse mesmo ano que o Senador da República Rodrigo Pacheco, atual Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, apresentou novo projeto de SAF, o PL 5.516/2019, que se converteria, anos depois, na Lei da SAF. Antes, porém, novo e dramático evento dominou a pauta legislativa (e governamental): a pandemia. Durante o período pandêmico não havia espaço e clima para tratamento da crise futebolística. Ao cabo do período, o Senador Rodrigo Pacheco se revelou uma liderança nacional e um quadro indispensável da política brasileira, e foi alçado, em 2021, à presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional. E, já como Presidente, anunciou ao País que trataria da via de criação do novo sistema do mercado do futebol brasileiro. Logo após assumir a presidência, ele nomeou o Senador Carlos Portinho para relatar o PL 5.516/2019 e, ao final do mesmo semestre, o projeto foi aprovado pelo Senado Federal sem nenhum voto contrário. O resto, todos que acompanham esta coluna já sabem: aprovação por maioria esmagadora na Câmara dos Deputados; sanção, com vetos, pelo Presidente da República; e, finalmente, derrubada parcial de tais vetos. Após o advento da Lei 14.193, de 6 de agosto de 2021, a Lei da SAF, alguns movimentos institucionais reafirmaram a importância do tema para o desenvolvimento, em sentido amplo, do País. Um deles, proveniente da CVM, consubstanciado no Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023, que pretende "orientar os investidores e participantes do mercado sobre a utilização de instrumentos viabilizadores do acesso ao mercado de capitais pelas SAF, assim como transmitir a visão da CVM a respeito de como a Lei da SAF, a Lei das Sociedades por Ações e a regulamentação já editada pela Autarquia podem ser integradas harmonicamente". Aliás, a autarquia, sob a presidência do Prof. João Pedro Nascimento, abriu suas portas, desde o advento da Lei da SAF, ao debate. Foi em sua sede que ocorreram a 1ª e a 2ª edições do Seminário Brasileiro sobre Futebol, a Lei da SAF e o Mercado de Capitais, nos anos de 2022 e 2023, que contaram com presenças marcantes de legisladores, reguladores, professores, banqueiros, gestores, professores, advogados, dirigentes de clubes e administradores de sociedades anônimas do futebol, dentre outras. Mais: esses eventos nortearam parte das necessárias discussões a respeito do acesso das sociedades anônimas do futebol ao mercado de capitais, bem como sobre as precauções relacionadas a uma atividade que, além de carente de recursos para emprego na produção de riquezas, sujeita-se, como nenhuma outra, a um elemento imponderável, que consiste na relação afetiva do eventual investidor com o objeto de investimento. Aliás, ao longo do caminho, iniciado em 2015/2016, com a apresentação do anteprojeto da SAF, no livro "Futebol, Mercado e Estado1", até a realização da 3ª edição do mencionado Seminário, ideias surgiram, muitas se fixaram, outras se perderam e algumas continuam no centro das preocupações dos agentes envolvidos com o processo. Esse caldo justifica a criação do IBESAF, que se propõe a ser um think tank, de natureza não governamental, voltado ao estudo e ao desenvolvimento da SAF e do mercado do futebol no Brasil. Em sua missão, destacam-se as preocupações com a segurança sistêmica e com o respeito às normas e aos princípios contidos na própria Lei da SAF, como em outros diplomas que, a partir desta lei, passaram a integrar o sistema da SAF. Daí a iniciativa de criação imediata, no âmbito do IBESAF, de dois comitês especiais, que serão anunciados no 3º Seminário, tendo um deles o propósito de arquitetar e divulgar um guia de orientação e de melhores práticas para realização de investimento em SAF. O evento e o lançamento, na sede da CVM, simbolizam, pois, o esforço, realizado por instituição públicas e privadas, para formação e simultânea regulação de um novo mercado, que poderá contribuir, de modo expressivo, para o desenvolvimento social e econômico da Nação. __________ 1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. Futebol, Mercado e Estado - Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento Sustentável do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento. São Paulo: Quartier Latin, 2016.
O Brasil e o mundo em geral enfrentam um fenômeno de complexa dimensão: a indústria das apostas. Não se trata de algo novo, ao contrário, mas a capilaridade, decorrente das novas tecnologias, fez surgir, ou intensificou, situações novas, que não se acomodarão (e resolverão) apenas no plano privado. Em outras palavras, os reflexos do impulsionamento da atividade de jogo, que se movimentou livremente no território nacional até que se iniciasse, no atual Governo, um processo de regulamentação, transbordaram para setores sensíveis, como o da saúde (sobretudo mental pública) e o da economia. Em primeiro lugar, as barreiras históricas para desenvolvimento da atividade e, em segundo, após a derrubada delas, a inovação legislativa, não regulamentada - e pior, ignorada pelos governos - propiciaram a criação de um cenário complexo e preocupante. Não apenas isso: uma relação de dependência que poderia ser ao menos antecipada e tratada.   Os números do setor, para começar, são impressionantes. Conforme informações da EBC1, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda recebeu, até determinada data, 113 pedidos de autorização, formulados por 108 entidades (ou empresas), para operar e explorar apostas de quotas fixa.   O número, em si, já seria expressivo, pois representa mais de 100 empresas em atuação e concorrendo em determinado setor, não fossem as exigências para formulação do pedido que envolvem, dentre outras, o pagamento de taxa de R$ 30 milhões, que vale para um período de 5 anos. Ou seja, exigência que gerará, especificamente, uma imediata e bilionária arrecadação e uma receita recorrente periódica, sem contar os tributos que serão arrecadados com o exercício da própria atividade. Outro número merece atenção: o mercado local já é estimado em mais de R$ 100 bilhões em 2023, conforme dados da XP2. Já há, aliás, segmentos que, de algum modo, dependem ou são intensamente impactados pela atuação direta das empresas de apostas, como o futebolístico. Apenas na série A do brasileirão, 15 clubes mantêm, como patrocinador principal, uma dessas empresas3. Além disso, também há debates e desconfortos nos planos social e econômico, externados na imprensa, pela alta adesão da população a jogos, como meio de solucionamento de crises financeiras ou de esperança de enriquecimento, e de desvio de recursos do comércio e outras finalidades, justamente para o setor de apostas. Trata-se, portanto, de um cenário que exigirá do atual Governo uma atuação enérgica, no sentido da adequada regulação, para evitar um problema sistêmico de grandes proporções - e, no pior dos cenários, uma crise inédita de confiabilidade. Ademais, no plano empresarial, ou melhor dizendo, societário, o que se deverá ver, como já se iniciou, é um movimento, mais ou menos intenso, de aquisições e concentração empresarial, local, regional ou nacional, do mercado. Veja-se, em tal sentido, que, conforme noticiado pelo Pipeline4, o Flutter, que seria o maior grupo de apostas do planeta, associou-se no Brasil ao NSX, assumindo o controle do negócio integrado, que ultrapassa, em valor de mercado, a casa do bilhão de dólares. Sabe-se, ainda, que outras operações estariam em curso e que poderiam, consequentemente, gerar novas concentrações, entre empresas locais, apenas, ou entre empresas nacionais e internacionais, a exemplo do caso mencionado acima. Um aspecto que poderia (ou deveria) ser considerado, como fator estimulante ou não, de tais negócios, consiste no risco oriundo do eventual custo regulatório futuro, a ser promovido para ajustar o mercado e evitar as distorções próprias da novidade. Esse risco tende a ser minimizado quando um determinado negócio se opera entre agentes do mesmo mercado, que já o conhecem - ou deveriam conhecer - e o integram em seu cálculo empresarial; mas haverá de ser considerado quando um dos agentes pretende se inserir no mercado, como investidor, assumindo ou não o controle empresarial. Enfim, o mercado de apostas reguladas ainda é incipiente, mas já movimenta cifra expressiva, em torno de 1% do PIB5, com tendência de alta; já provocou, no plano social, um abalo comportamental perigoso; e deverá estimular, no âmbito empresarial, uma série de atos de concentração, com reflexos no mercado consumidor. Movimentos populistas e oportunistas bravejam soluções drásticas, como proibição de atividade, que seriam inócuas e inviabilizariam ações direcionadas ao tratamento do problema; mas o Governo, e as próprias entidades participantes do setor, com base em política pública inequívoca, deveriam rever e propor ações regulatórias e autorregulatórias voltadas à construção de um ambiente efetivamente respeitoso e preocupado com o consumidor e a população. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024. 2 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024. 3 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024. 4 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024. 5 Disponível aqui. Acesso em 16 de setembro de 2024.
quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A Lei da SAF e o ensaio contra a cegueira

A Lei da SAF (lei 14.193, de 6 de agosto de 2021), de autoria do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, trouxe mais do que uma nova perspectiva ao país; ela revelou o caminho para que o futebol cumpra funções que irão além do drama esportivo - e da alegria, evidentemente. Deixarei de lado, apenas neste texto, as outras funções, para concentrar a atenção na mais evidente (e, para muitos, não sem razão, também a principal): a passional. Pois, sim, a paixão explica (ou deveria explicar) a atração sobre quase 5 bilhões de pessoas. Quando se projeta esse sentimento para o microambiente brasileiro da SAF, ele revela a cegueira, ainda dominante, em parte relevante da sociedade, instruída ou não. Tem sido comum, neste sentido, o debate sobre o papel da SAF e, a partir daí, o esforço, em suas distintas variações, de desqualificação do movimento de resgate e reconstrução que se opera em diversos times. Ao final do ano passado, por exemplo, após a inexplicável recaída do Botafogo, que lhe tirou o título de campeão brasileiro, mesmo tendo ele garantido uma vaga na Libertadores da América - algo que não alcançava desde 2017 -, era comum se ouvir ou ler que a SAF fracassara. Isto, lembre-se, menos de 3 anos após o time voltar da segunda divisão e, tão ou mais relevante, de a entrada de seu investidor ter ocorrido apenas em 2022. Agora, novamente no topo do campeonato brasileiro, além da torcida velada para que o Botafogo caia novamente - e não seja a primeira SAF campeã da história -, os tiros se projetam sobre os recursos aplicados pelo investidor para montagem do elenco. Aliás, aí está uma característica que diferencia a SAF de um clube, ao menos da maioria deles: a possibilidade de financiamento de suas atividades, por distintos meios. Isso sempre foi dito, desde os primórdios do debate sobre a Lei da SAF, que o novo subtipo societário ofereceria caminhos que, quando bem trilhados, colocariam as sociedades anônimas do futebol em um outro patamar. A beleza do sistema consiste no fato de que todo e qualquer clube, em tese, pode escolher o seu destino. Inclusive mantendo-se onde está e da forma que está, em detrimento da SAF. Mas não custa lembrar: ano passado também houve quem afirmasse que a SAF do Bahia teria fracassado. Aqui se afirmou, em contraposição, que se tratava apenas do ano de reconhecimento; logo se veria o resultado de um projeto, com financiamentos talvez ilimitados, a contribuir para reformulação dos centros de força do futebol local. Mesmo que não ganhe o campeonato este ano - e não ganhará - ou no próximo, o Bahia dificilmente deixará de ser um time de elite e se afastará da luta pela ponta. Outra incompreensão envolve o Cruzeiro. A saída do Ronaldo precipitou mais uma leva de críticas, como se simbolizasse a vitória do capitalista sobre a paixão torcedora. Nada mais incorreto. Em uma empresa em crise, e isso vale para um time em crise quase terminal, os estágios de recuperação costumam atrair pessoas ou investidores com diferentes tipos de perfil e apetite a risco. Ronaldo fez o trabalho mais complexo, ao entrar em uma estrutura corroída e iniciar o processo de revitalização. Seu sucesso reconduziu o time a um patamar ainda baixo para a história do Cruzeiro, mas elevadíssimo para o que era no momento de sua entrada. E, aí, para o próximo passo, precisaria de mais dinheiro. E preferiu passar o bastão para um bilionário, com fluxo para sustentar as demandas de ressignificação e reposicionamento. Ganham todos no processo, inclusive o próprio Ronaldo, única pessoa que aceitou correr o risco que, até então, ninguém cogitara - e, sem ele, o time talvez ainda estivesse na segunda divisão. Ou na terceira.   Mesmo o Vasco, que vem sendo apresentado como caso de insucesso, não apenas subiu para primeira divisão como, no meio de uma batalha jurídica pelo controle da SAF, ainda se mantém na parte de cima da tabela. E ainda haveria outros casos para falar, como o Galo, que fez a sua SAF e, com a nova arena e uma possível abertura de capital no futuro (apenas intuição), deverá se afirmar como uma das grandes potências do continente. Além de outros que vêm sendo efetivamente preparados para grandes passos, como Athletico Paranaense e Fortaleza, e os que são especulados na imprensa, como o Fluminense. Tantos e bons exemplos, em apenas 3 anos de vigência da Lei da SAF, que ainda está em processo de amadurecimento - e será cada vez mais útil, no tempo, para os times que a adotaram -, deveriam abrir os olhos dos críticos e dos torcedores que ainda acham que são donos de seus times, pelo fato de serem comandados por clubes associativos que ostentam alguns poucos milhares de associados patrimoniais e um presidente eleito pelos mesmos associados, e não pelos próprios torcedores. E deveriam abrir os olhos de tais associados e de seus presidentes, pois, se não o fizerem, poderão perder o bonde da história.
Desde o advento da Lei da SAF (lei 14.193, de 6 de agosto de 2021), de autoria do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, mais de 70 sociedades anônimas do futebol foram constituídas e outras logo serão anunciadas. O movimento não parará na próxima leva ou na outra (ou ainda na seguinte). A SAF, forma societária concebida para organizar a atividade futebolística, foi inserida e absorvida pelo sistema, e, nele, contribuirá para a ressignificação da importância do futebol, em seus diversos planos (esportivo, educacional, social e econômico). Trata-se, pois, de um fato da realidade, que já faz parte da vida do atleta, do torcedor, do jornalista e dos demais agentes que, por qualquer motivo, gravitam ao redor do futebol. Daí a importância de se promover uma constante avaliação do microssistema em que o mercado do futebol se insere e, se e quando houver necessidade, nele inserir mecanismos que, a um só tempo, incentivem seu desenvolvimento e reforcem a segurança jurídica sistêmica. O ambiente inglês pode servir como uma das referências. Origem do pensamento liberal clássico e das políticas expansionistas que propagaram ideais de liberdade e prosperidade, pelo livre comércio e eliminação de barreiras à circulação de pessoas e mercadorias, a Inglaterra, talvez coerente com a sua tradição, não criou, ao contrário de outros países (como Portugal, Espanha, Itália e Alemanha), leis específicas ou tipos societários para atração de investimentos no ambiente do futebol. Basicamente, a entrada no país, para realização de investimentos no setor do futebol, segue, no plano legislativo ou regulatório, a normatização aplicável a quaisquer atividades. O interesse global no mercado inglês se expressa pelo número de investidores estrangeiros que compõem o bloco de controle de times integrantes da Premier League: 16, dentre 20 competidores. Este número se revela ainda mais impressionante quando comparado à quantidade, por exemplo, de times alemães controlados por investidores estrangeiros: apenas 1[1]. O sucesso da Premier League talvez indicasse o conformismo com o modelo e a aposta no libertarismo. Não é assim, porém, que as coisas acontecem; e não é por aí que os debates atuais se intensificam. Na ausência de leis ou regulamentos específicos, a Premier League adota, por via de autorregulação, dentre outros mecanismos, o Owner's and Director's Test (OADT), que tem como propósito assegurar que a pessoa que detenha participação em um time (ou o administre), acima de determinado percentual, ateste o preenchimento de padrões, sem os quais não estará habilitada à consumação de uma aquisição (ou à posição de administradora). Tais padrões envolvem, dentre outros aspectos: (i) requerimento de confirmação de enquadramento, que se renova periodicamente; (ii) critérios de elegibilidade; e (iii) transparência. Com eles se pretende afirmar e reforçar a integridade e a reputação da liga e dos times que a integram. Um tal movimento autorregulatório não seria viável no Brasil, ao menos por enquanto, pela inexistência de uma liga de clubes, semelhante à Premier League, constituída pelos próprios clubes (e sociedades anônimas do futebol) para organizar, autorregular, desenvolver, exportar e transformar a principal competição nacional em um dos mais valiosos produtos de consumo interno e de exportação do país. Isso não significa que movimentos de proteção do ambiente e do mercado do futebol somente possam ocorrer a partir da tão aguardada criação da liga (que se viabilizaria com a unificação, sob alguma forma, da LFU e da Libra). Ao contrário. Mesmo na Inglaterra e com as normas internas da Premier League, debate-se, atualmente, a extensão de um movimento legislativo protetivo da história e da cultura do futebol - e, consequentemente, de seu mercado -, conforme se extrai, aliás, das palavras de seu maior representante, o Rei: "In his address to Parliament in early November 2023, King Charles III made a brief acknowledgment that 'legislation will be brought forward to safeguard the future of football clubs for the benefit of communities and fans'. The UK Government later confirmed that such safeguarding would be the responsibility of an Independent Football Regulator (IFR)".[2] O Brasil deu um passo extraordinário com o advento da Lei da SAF e outras iniciativas que se seguiram, como a publicação do Parecer de Orientação n. 41, de 21 de agosto de 2023, pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Em alguns aspectos, portanto, o incipiente modelo brasileiro está adiante dos demais e pode ser considerado o mais sofisticado do planeta. Mas ainda lhe falta realizar certos movimentos que o elevarão a um padrão sem precedente e comparação, e o afirmarão como instrumento de criação do maior mercado do planeta. Nesse sentido, e especialmente porque ainda não há 16 investidores (locais ou estrangeiros) controlando os times da primeira divisão, já é hora de se promover debate semelhante ao inglês, a respeito de critérios ou padrões de operações envolvendo SAF ou seus investidores, e, eventualmente, sobre a concepção de uma agência ou entidade de outra natureza, que contribua para higidez do sistema e consequente segurança social (e jurídica). É o que se fará, com frequência, neste espaço. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 03 de setembro de 2024. 2 Disponível aqui. Acesso em 03 de setembro de 2024.
quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A Câmara dos Deputados poderá fazer um golaço

Apesar da ausência de uma política de Estado a respeito do futebol, atividade que poderia (ou deveria) ser o maior soft power do país, o Congresso Nacional, por iniciativa própria, vem assumindo, nos últimos anos, o protagonismo e, como consequência, entregando à Nação uma perspectiva transformadora, nos planos esportivo, econômico e social. Os resultados, que por enquanto se revelam sob a forma de um cume no horizonte, breve, muito brevemente, se abrirão como uma sólida e majestosa formação rochosa. A mencionada perspectiva partiu da iniciativa e do esforço do Senador da República e Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), consubstanciada no Projeto de Lei nº 5.516/2019 ("PL 5.516"), que soube, mesmo durante períodos tumultuados da história do país e do planeta (que envolveram, dentre outros, o poente da tensão lava-jatista e todo o drama pandêmico), dialogar e construir a Lei da SAF (ou Lei Rodrigo Pacheco), ponto de partida da transformação que se observa no ambiente futebolístico brasileiro. Num ambiente democrático, resultados como o operado pela Lei da SAF se devem, mesmo quando se identifica a autoria originária de algum parlamentar, à convergência de ideias, e, daí, à atuação de outros agentes. No plano do Senado Federal, quem acompanhou o trâmite do PL 5.516 deve lembrar da essencial e enérgica atuação do Senador Carlos Portinho (PL/RJ), indicado pelo Presidente Rodrigo Pacheco para relatoria do PL 5.516, durante o processo de debates públicos e de apreciação do projeto no âmbito da Casa. A iniciativa legislativa do tema teve origem, como se sabe, no próprio Senado Federal e, sobre ele, as luzes se projetaram com maior intensidade. Mas a tramitação na Câmara dos Deputados também deve ser enaltecida pois, lá, o processamento foi dinâmico e viabilizou a rapidíssima aprovação e posterior encaminhamento para sanção presidencial. Não por acaso. Coube ao Deputado Federal Fred Costa (PRD/MG) a relatoria e a articulação, em 2021, do então PL 5.516, que foi seguido por nada mais nada menos do que 429 Deputados Federais, e apenas 7 votos contrários.   Talvez não se saiba - inclusive no ambiente do futebol -, que a atuação do parlamentar Fred Costa, em benefício do esporte, não parou por aí. Ele teve uma participação fundamental, anos depois, em 2024, na defesa do sistema do futebol, por ocasião da reforma tributária. O tema, que surgiu mais uma vez no Senado Federal, sob a presidência do Senador Rodrigo Pacheco, elegia a atividade futebolística exercida por SAF como uma das que poderiam gozar de regime tributário especial e, assim, viabilizava a manutenção, com ajustes, do regime de tributação específica do futebol ("TEF"), previsto na Lei da SAF. O TEF, é sempre bom enfatizar, além de não impor qualquer espécie de renúncia fiscal (pois as receitas que o englobarão não integravam orçamentos públicos), viabiliza a existência do novo sistema (e do novo mercado) do futebol, que está em formação. Além disso, estimulará a expansão de relações jurídicas e econômicas que não apenas atrairão à incidência da norma tributária, como contribuirão para o desenvolvimento social e econômico (e, portanto, de modo sadio, para o aumento de riquezas e sua consequente distribuição). Além do reconhecimento da importância do tema na Câmara dos Deputados, sob a liderança do Presidente Arthur Lira (PP/AL), a atuação do Deputado Fred Costa, enaltecida em artigo publicado nesta coluna1, foi essencial para o adequado (e necessário) desfecho. Eis que, agora, a bola está novamente rolando na Câmara dos Deputados. Explica-se.  O Senado Federal aprovou, em 24.05.2024, uma proposta de reforma da Lei da SAF, de autoria do próprio Presidente Rodrigo Pacheco. A reforma tem como propósito aparar algumas arestas provenientes do processo legislativo original (que deu origem à Lei da SAF) e, com base na experiência acumulada desde o surgimento da lei, promover cirúrgicos ajustes que reforçarão a segurança jurídica do modelo. Após nova aprovação por unanimidade no Senado Federal, o projeto 2.978/2023 foi remetido para a Câmara dos Deputados onde, mais uma vez, a Casa poderá deixar sua marca histórica. O avanço da iniciativa e a sua consumação, com a necessária aprovação, implicarão, no plano figurativo, um golaço, para que o Brasil possa se manter no trilho do protagonismo mundial da maior atividade planetária, e que pode estimular a inserção das gentes desfavorecidas e o desenvolvimento social e econômico da Nação (além, evidentemente, do futebolístico). Afinal, desde o advento da Lei da SAF, já se constituíram mais de 70 destas sociedades e muitas outras estão por vir; inclusive, dentre as já constituídas, o Galo e o Cruzeiro, e, a caminho, como se noticia, o América (os três em atuação no Estado de origem do Senador Rodrigo Pacheco e do Deputado Federal Fred Costa). __________ 1 Disponível aqui.
quarta-feira, 21 de agosto de 2024

O Estado brasileiro insiste em ignorar o futebol

O diplomata (e outras coisas mais) norte-americano Henry Kissinger escreveu, em livro essencial para compreender a geopolítica contemporânea, que "[o] sistema político determina diretivas mas a execução é deixada, em grau ainda maior, para burocracias separadas tanto do processo político como do público, cujo único controle são as eleições periódicas, se tanto. Mesmo nos Estados Unidos, decisões legislativas importantes muitas vezes compreendem milhares de páginas que, para pôr em termos brandos, apenas pouquíssimos legisladores leram detalhadamente"1. Escancara-se, nessa passagem, o problema da representatividade nas democracias contemporâneas e, de maneira explícita, a dificuldade de implementação de políticas, a partir de uma decisão emanada de poder constituído (decisão que não necessariamente estará associada a um interesse coletivo, apesar de sua legalidade formal). Quisera, em relação à (inexistente) política pública voltada à formação do mercado do futebol, no Brasil, que o problema fosse de tal natureza. Não houve ainda um governo que compreendesse a magnitude que o tal mercado poderia - e pode - alcançar e, daí, os reflexos sociais e econômicos benfazejos que seriam gerados à Nação e sua população. Não houve - e não há - política de estado, tampouco uma política de governo; mesmo que, neste último caso, tal plano governamental se sobrepusesse ou ignorasse uma hipotética política estatal. Ao contrário, o cenário evidencia histórico desprezo, alternado por movimentações oportunistas ou populistas, em anos eleitorais ou de grandes eventos esportivos; desprezo que não se atribui a um ou outro Chefe, mas a todos, com maior ou menor intensidade (e responsabilidade). Não à toa a imagem do futebol ter decaído da posição de orgulho e identidade nacionais (cujo ápice posicional se deu no regime militar, que a manipulou em favor da manutenção do sistema que representava) para uma espécie de terra arrasada, malvista internacional e, em parte, também nacionalmente. Mais do que imagem: a relevância objetiva, em dois de seus pilares de sustentação, quais sejam, esportivo e econômico, também se esvai. Restaria a social, proclamada pelo povo, que ainda aposta no esporte como única forma de inserção e desenvolvimento - e, mesmo assim, sem eco nas esferas governamentais. Aliás, a história do país farta-se em apresentar eventos entreguistas, muitos pela sua própria origem e incapacidade de reação econômica à invasão colonialista, mas, outros, muitos outros, pela apropriação patrimonialista que marcou (e marca) o processo político local, inclusive - e especialmente - pós independência e instauração da República. É essa apropriação, e não mais a posição de colônia, que justifica o atual estado de coisas no ambiente futebolístico. Importa lembrar que, apesar do descaso de governantes anteriores, talvez não houvesse, até o crepúsculo deste século XXI, ambiente institucional, local e internacional, para um movimento estrutural, afinal: (i) o Brasil ainda se afirmava como Estado Democrático, após décadas de militarismo; (ii) seus mercados financeiro e de capitais se organizavam em compasso com a abertura da economia; (iii) não havia liquidez nos mercados globais (comparativamente ao que se revela nos tempos atuais); e (iv) o próprio futebol ainda não se posicionara como um negócio, local e globalmente. Todos esses elementos foram sendo espontaneamente (ou não) reorganizados para formar uma certa convergência e, assim, viabilizar o que poderia - e ainda pode - ser, como se vem afirmando nesta coluna, o maior mercado de futebol do planeta e operar, sem ufanismo, como o principal soft power do país. E se soma a esse cenário (quase ideal) a iniciativa do Senador da República e atual Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, consubstanciada na Lei 14.193, de 6 de agosto de 2021, conhecida como Lei da SAF que, em apenas três anos, iniciou uma profunda transformação na forma de organização, manejo e financiamento do futebol; a qual provocou ações extraordinárias (mas igualmente isoladas), como o Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023, sob a presidência do Prof. João Pedro Nascimento. A luz que surgiu, a partir da Lei da SAF - e que poderá se intensificar com (i) a absolutamente necessária formação de uma liga de clubes (e sociedades anônimas do futebol), dirigida no interesse dos times, dos torcedores e demais agentes que formarão seu sistema e (ii) o debate e encaminhamento da abertura de capital da CBF -, deveria permitir que o Governo enxergasse a oportunidade que lhe é apresentada, e, a partir do que já se vem construindo, pensar o futebol não apenas como um tema importante dentre os menos importantes, ou como tema de conversa de bar, mas com a importância que tem ou deveria ter (assim como os principais países desenvolvidos mantêm com os seus esportes mais relevantes e, se tivessem a perspectiva do futebol, o utilizariam como instrumento de inserção, desenvolvimento e dominação). Nenhum outro governo, como o atual, foi agraciado com um estado de coisas que lhe permitisse, com uns passes para cá, outros para lá, fazer um gol histórico, mediante a organização do sistema que pensará e estruturará, de modo perene e sustentável, a mais global das atividades humanas.   Basta aproveitar o momento e colocar a bola para dentro. __________ 1 Kissinger, Henry. Sobre a China; tradução Cássio de Arantes Leite. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 200.
Nenhum governo, de esquerda à direita, passando pelo centro, tratou o futebol como um tema realmente transformador, nos planos social e econômico. Tampouco sob a perspectiva da evolução esportiva, que, em conjunto com os aspectos anteriores, resultariam na construção de necessário programa afirmativo de softpower nacional. A indiferença governamental (ou as indiferenças governamentais), identificada na ausência de políticas de Estado centradas no ou voltadas ao tema (assim como existe em países desenvolvidos), justifica, não exclusivamente, a crise dos clubes de futebol e da seleção brasileira de futebol. Em outras palavras, a indiferença, que marcou todos os governos em todos os tempos (exceto como forma de afirmação de regimes ditatoriais ou populistas), autoriza e incentiva, sob o manto da autonomia organizativa de natureza constitucional, a apropriação do futebol pelo cartolariado. E, daí, a ocorrência de crises inaceitáveis, pois não decorrentes de diminuição de demanda ou do surgimento de novos concorrentes (porque o torcedor será sempre um consumidor potencial e não suscetível à propaganda alheia). Não se pretende, muito ao contrário, que o Estado interfira na organização futebolística. Mas, por outro lado, também não se compreende - e nem mesmo parece aceitável - que, dada a relação sui generis da população (e do torcedor) com times e seleção, se aceite, como parte da cultura, a histórica apropriação patrimonialista de algo, tangível e intangível, que não pertence ao apropriador. Essa proposição se amplifica no plano da seleção brasileira, que integra, de fato e de direito, o patrimônio de uma associação sem fins econômicos, a CBF, cujo poder interno deriva da orquestração de interesses de 27 federações estaduais (apesar de clubes de séries A e B também disporem de votos, seus interesses, mesmo unificados, não bastam para se sobrepor à vontade federativa). Ao cabo, a dominação se concentra, conforme a pragmática revela, em uma pessoa (ou em mais algumas que gravitam ao seu redor), e essa única pessoa (seja ela quem for) define, sem qualquer participação ou preocupação com a sociedade, os caminhos e os destinos da paixão popular (aliás, como se a associação representasse a própria vontade popular), sem conseguir criar empatia ou simpatia. Lembre-se, ademais: no âmbito da atuação confederativa, ou como fundamento de sua existência, a CBF: utiliza o nome e a as cores do país; seu principal produto, a seleção, se apresenta em representação do país e do povo; e ela ainda adota o hino nacional, como seu. Tudo para que o próprio povo - sem falar em potenciais torcedores internacionais - se vincule a ela e ao seu produto. Talvez se diga que essa apropriação integra a lógica esportiva mundial, e não envolve, pois, uma situação excepcional, da qual a estrutura brasileira, e somente ela, se beneficiasse. Talvez.  Mas isso não significa que, diante de uma nova perspectiva organizacional, o modelo não possa evoluir, para melhor, e em benefício coletivo (aí incluídos os grupos de interesses listados nos textos anteriores, como a própria CBF, federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, mercado e o país). E, tão ou mais importante: para interromper e reverter o desnecessário processo de corrosão da relação torcida/seleção e impedir que um bem (ou ativo), que deveria contribuir para o desenvolvimento coletivo, se acomode como símbolo de incompetência e obsoletismo. A evolução, como se demonstra na presente série, se apresenta sob a forma de abertura de capital da CBF, movimento que beneficiará o país, em vários sentidos. A começar pelo ingresso de recursos na CBF S.A., em federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol), que os aplicarão em suas atividades e, assim, gerarão negócios, empregos e renda. Ainda, como resultado do surgimento de uma companhia listada em bolsa, sujeita a sofisticados padrões de governação e divulgação de informações, novos negócios ou produtos se desenvolverão, inclusive no âmbito do mercado de capitais, fazendo a roda econômica e social girar com maior intensidade. Essa estrutura, reforçadora (e investidora) das qualidades esportivas, funcionará como embaixadora do país (no exterior), oferecendo e vendendo os atributos e os sonhos locais. Há mais, ainda: em função da passagem ao modelo empresarial, que, como em outras empresas, fará incidir a norma tributária sobre negócios da CBF S.A., será inaugurada a sua participação e contribuição para aumento da arrecadação pública - com a possibilidade de destinação de recursos para fomento dos setores educacionais e esportivos - como já se sujeitam, no Brasil, as sociedades anônimas do futebol (SAF's), que, desde o advento da Lei da SAF, recolhem tributos com base em suas receitas mensais.   E não é só: também viabilizará o debate e a instituição de royalties, pela utilização dos símbolos nacionais, e a aplicação da arrecadação igualmente em projetos educacionais e esportivos. Enfim, por qualquer ângulo que se olhe o projeto de abertura de capital, inclusive e em especial o do Estado - e sem que isso pressuponha ou justifique intervenção estatal -, os benefícios, de todas as naturezas (sobretudo sociais, econômicos e esportivos), se evidenciam e deveriam, portanto, ao menos atrair a curiosidade dos governantes (sobretudo os atuais) e unir o país (federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, torcedores, imprensa, investidores, financiadores e governo) em torno de um programa ou de uma agenda comum.
O projeto de reorganização e ressignificação da CBF, que vem tomando conta desta coluna, envolve mais um aspecto fundamental, raramente lembrado (ou tratado) de modo efetivo e fora do plano da demagogia no futebol: O interesse social.  Preocupações com a sociedade alimentam narrativas em outros campos, como o político, e justificam a existência de correntes ou de pessoas que simbolizam esperança, inserção e desenvolvimento (e, também, continuidade de movimentos acertados, sobretudo inclusivos).  Talvez toda atividade humana, exercida profissionalmente, carregue, ao menos implicitamente ou ainda de maneira não latente, aquela característica (auto) questionadora, necessária para o seu próprio desenvolvimento; com algumas exceções.  A excepcionalidade, residente no futebol, decorre, de um lado, de sua estrutura monopolística paraestatal (de amplitude global), e, de outro, da relação de transcendência estabelecida entre o torcedor e seu time ou sua seleção.  Sim, pois, no plano da torcida, as diferenças de qualquer natureza se dissipam (ao menos ou apenas durante o ato de torcer) e, enquanto se torce, opera-se uma espécie de bloqueio físico e metafísico, de modo que, naquele momento, nada, além do evento futebolístico, importa (aí incluídas as mais intensas atividades e relações humanas, como familiares, de amizade e políticas).  Tal característica viabilizou a apropriação da relação clubística (e, consequentemente, do patrimônio clubístico) por pequenos e nada representativos grupos de interesse, que agem, na maioria das vezes, conforme interesses próprios e dos próprios grupos de sustentação, a partir da manipulação do time e respectivos torcedores.  Em outras palavras: A paixão foi sequestrada e utilizada como um (quase) intransponível muro que impede questionamentos sobre a dominação e os propósitos do clube e do futebol. Daí, no caso brasileiro, a profunda crise esportiva, evidenciada na pequena relevância que os times locais passaram a ter no plano mundial.  O mesmo cenário, e com maior intensidade, se reproduz na entidade de administração do futebol, a CBF, que consiste, sob o prisma de mercado, num monopólio, não natural, derivado de autorregulação, transnacional e paraestatal. A confortável posição monopolística, manejada, historicamente, por sobreviventes (e manipuladores) do processo político associativo, contribuiu para a construção de uma relação insensível com o torcedor, motivo único, aliás, da existência do monopólio.  O caminho de salvação do rendimento esportivo passa, assim e necessariamente, pela reaproximação do povo; não sob a forma de narrativas fantasiosas e marqueteiras, dentro de um modelo esgotado, mas pela construção jurídica de via participativa, que seja, ao mesmo tempo, viável economicamente.  É aí que o projeto de reorganização e ressignificação da CBF pode atender, além das legítimas demandas de federações, clubes, sociedades anônimas do futebol, investidores, financiadores e estado, também do torcedor (logo, da sociedade em geral).  Pois, conforme modelo proposto, a abertura de capital pressuporá a oferta de parte das ações ao torcedor, que poderá, ao se tornar proprietário de ações, participar (por via do voto em assembleia geral, se assim desejar), pela primeira vez na história, das deliberações da entidade proprietária da seleção brasileira, a CBF S.A., e, dela, sentir-se dono - sem contar os recursos que serão vertidos aos clubes e sociedades anônimas do futebol, paixões primárias dos torcedores em geral.  E não é só.  A planificação do esporte no país e o planejamento do emprego de recursos que jorrarão na companhia proprietária de um dos maiores "ativos" do planeta, a seleção brasileira, viabilizarão o resgate de uma outrora justificada paixão, que deveria contribuir para a formação: De pujante indústria futebolística; Da identidade nacional; e Do mais importante softpower do país - que interessam à sociedade.  Isso tudo, por fim, ainda contribuirá para geração e distribuição de riquezas, aumento de arrecadação, destinação de recursos para projetos esportivos e educacionais e criação de empregos; e, muito importante: Sem aumento de despesas públicas ou de tributos. 
quarta-feira, 3 de julho de 2024

A trilha da governança nos clubes de futebol

No último "par de anos", o futebol brasileiro se beneficiou da profusão de inovações legislativas que tem contribuído com sua ressignificação, como a Lei da SAF, a alteração do modelo das transmissões, e mais recentemente a lei de regulamentação das apostas esportivas, essa última com grande incidência sobre os clubes de futebol através dos contratos de patrocínio. A indústria vai assim se aperfeiçoando com o fortalecimento dos clubes e a aplicação de novas formas de gestão profissional, saltando aos olhos do mercado a impressão de uma dinâmica exitosa quanto à estruturação interna e desenvolvimento, situação para alguns clubes comprovada mas que para tantos outros é uma realidade ainda muito distante. Passa muitas vezes despercebido o fato de que o propalado profissionalismo do futebol brasileiro na quase totalidade dos casos se restringe à excelência dos departamentos de futebol dos clubes, especificamente as suas áreas técnicas, de saúde, de logística, de comunicações, entre outras correlatas, além da adoção de sistemas mais avançados para o controle dos seus departamentos de contas a pagar e receber. Mas e a jornada da governança propriamente dita, a quantas anda? A resposta é: ainda incipiente, é verdade, em boa parte dos clubes, mormente os associativos... Mesmo diante de toda essa recente evolução da indústria futebolística, a maior parte dos clubes ainda enfrenta grandes desafios para implementar uma governança eficaz. Na forma de associações civis ou sociedades anônimas, cada vez mais os clubes buscam se conduzir empresarialmente, seja por vontade ou só pelo dever legal: objetivamente, em se tratando de organizações esportivas com faturamento de dezenas ou centenas de milhões, é certo que suas chances de sucesso cada vez mais dependerão do modo como gerenciam os seus riscos e governam suas operações, algo que no panorama geral dos clubes aparenta ainda uma baixa maturidade. O enfrentamento desse cenário, em face da irreversível transformação da cadeia do "negócio futebol", é imperioso, e não existe projeto eficaz para o desenho e implantação de uma governança robusta sem que haja o comprometimento irrestrito da alta cúpula, circunstância que evidencia em grande parte a dificuldade para que possa ser trilhado pelas associações e também pelas SAF, quanto às últimas, além do quanto as regras da legislação de regência já lhes impõe diretamente.   Essa dificuldade enorme da alta administração clubística em assimilar os conceitos e reconhecer a necessidade de uma boa, efetiva e organizada governação, muito além tão somente de questões sociais, culturais e políticas dos próprios clubes, é caracterizada pelo velho reducionismo de costume e a forma como se desenvolve o futebol brasileiro em geral, invariavelmente calcado no improviso e na crença quanto à acomodação natural das coisas, somado à avidez pelos ganhos financeiros e esportivos que apenas acentuam as individualidades, relegando assim quaisquer planejadores apenas à teoria! Há muito o que fazer, seja no âmbito interno de cada agente (associação ou SAF), como também dentro do ecossistema e de suas relações; claro que se tem notícia de alguns atores dentro do segmento, em maior ou menor intensidade, já trilhando a jornada da governança, para a qual é exigida bastante tenacidade, a qual demanda o envolvimento de toda organização e o comprometimento efetivo da sua direção, além de estratégia e disponibilização de tempo, não só para o desenho de seu arcabouço mas especialmente para sua correta implantação, a ser continuadamente revista e aperfeiçoada a fim de alcançar os diversos estágios de maturação e efetividade. Os clubes e as disputas, que juntos compõem a razão existencial do mercado, conduzem suas atividades em franca exposição a riscos diversos de natureza esportiva, financeira, reputacional, entre outros. Torna-se premente assim que sejam mapeados, debatidos e classificados, com a adoção de estratégias para sua mitigação; para as entidades que contam e/ou se valem  de provedores ou "mecenatos", a assunção de políticas claras de transação com partes relacionadas visando minimizar os conflitos de interesses. De igual importância para uma jornada exitosa, a instituição e monitoramento de canais de denúncia, para muito além de tímidas e ineficazes ouvidorias ou balcões de reclamação. Por outro lado, a aderência às legislações próprias e o contínuo aprimoramento da instituição em face das normas, regulamentos e resoluções, requer o monitoramento dos controles internos e o cumprimento de boas práticas para elevação permanente do grau de conformidade e satisfatória governança com os órgãos e profissionais inerentes. Enfim, a busca pelo alinhamento às novas realidades e o enfrentamento dos constantes desafios do mercado, notadamente a evolução das tecnologias aplicadas e as constantes mudanças no ambiente futebolístico, nos revela a importância da implantação de um modelo de governança, riscos e compliance a um só tempo vigoroso e dinâmico, o que certamente trará mais valia e uma melhor percepção para os parceiros, criando também mecanismos mais eficazes para o gerenciamento de crises.   Cumpre finalmente deixar anotado dentro do atual radar da governança nos clubes, os coletivos de apoio que aos poucos se formam e consolidam, como por exemplo a Frente para Modernização do Futebol Brasileiro capitaneada pelo ex-Presidente do Flamengo e atual Deputado Federal Eduardo Bandeira de Melo, onde em conjunto com outros temas relevantes a questão da governança é um dos pilares, além especialmente do Movimento pela Integridade no Futebol, materializado a partir da reunião há cerca de um ano e meio de alguns clubes (associações e sociedades anônimas) brasileiros para a divulgação das boas práticas, em processo de incremento do número de participantes e perenização institucional, entes embrionários e inspiradores nessa (inicial) jornada da governança nos clubes de futebol.
No âmbito da apresentação e explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, que vem tomando conta desta coluna, tratou-se, nos dois últimos textos, da posição dos agentes financiadores e provedores de capitais, lá chamados, coletivamente, de mercado. A inserção, não de uma entidade abstrata e irreconhecível (o mercado), mas de agentes interessados em participar de uma companhia com vocação para ser protagonista mundial, é condição necessária para que o protagonismo se realize. A realização, como se vem demonstrando, beneficiará clubes, sociedades anônimas do futebol, CBF Associação e a sociedade civil em geral. Mas o tal mercado - ou os agentes dispostos a financiar o desenvolvimento da seleção brasileira - não viabilizará a promoção de benefícios sem contrapartidas. Não se trata de mesquinharia, ganância ou insensibilidade; apenas de motivação para alocação de recursos próprios ou de terceiros. Esse debate, aliás, já se travou por ocasião do advento do anteprojeto de lei que propôs a criação da SAF: como se justificava - e ainda se justifica - que a maior atividade de entretenimento do planeta (o futebol), no país que já foi justamente o do futebol (o Brasil), não atraísse interesse de financiadores e investidores? Pois havia uma espécie de muro entre dois mundos, o mundo do futebol e o de capitais, inviabilizador da benfazeja (e necessária) comunhão. A Lei da SAF, que completa o seu terceiro ano, viabilizou, em sentido inverso, a criação de um ambiente, minimante regulado, cuja própria regulação forma uma espécie de novo mundo (ou moldura), composto por aqueles agentes outrora estranhos uns aos outros, como se ilustra abaixo: Aquele estranhamento, com algumas diferenças, se estende ao secular e ainda atual modelo organizacional da CBF, que a apequena interna e externamente, apesar dos excedentes gerados a cada ano e do caixa sobre o qual está montada - justificados, sobretudo, pela sua posição monopolística. O Brasil dispõe, porém, de um dos mais relevantes ativos planetários e a perspectiva de transformá-lo em softpower, para o bem geral - inclusive da CBF. Os caminhos já foram apresentados nos textos anteriores e estão à disposição dos dirigentes da CBF Associação e de Federações, para que a roda comece a girar. A disponibilidade, para que se revele eficiente e efetiva, deverá atrair, como dito, interesse de agentes financiadores e investidores. E aí está, portanto, a pedra de toque: um modelo de abertura de capital arquitetado para construção de uma relação segura, transparente e previsível, em favor de todos os partícipes do sistema. O trinômio (segurança, transparência e previsibilidade) se traduz em vias e técnicas jurídicas aptas a preservar as regras que forem instituídas, em todos os planos construtivos: governação, informação, compliance, fiscalização e proteção. Soma-se a esse conjunto relacional interno a necessidade de manutenção, no plano legislativo, das regras instituídas, de modo a preservar o ato jurídico perfeito e o cálculo de risco na alocação de recursos em atividade empresarial. E se completa a receita com a sempre esperançosa atuação judicial, mediante provocação e sem ativismo, (apenas) para conter ilegalidades e abusos ou para afirmar direitos, derivados de lei ou de contratos.  Parece complexo, mas definitivamente não é. A experiência internacional, que vai além do futebol, afirma o interesse global pelo esporte, em especial - e por diversos fundamentos - pelo próprio futebol. O Brasil também confirma a proposição. Desde a Lei da SAF, aproximadamente 70 sociedades anônimas do futebol foram constituídas, e agentes de diversas procedências e com as mais variadas características embarcaram na tese. E a história está apenas se iniciando. No embalo de tal movimento, a abertura de capital da CBF, que se trata de ativo único, não apenas colocaria o país na vanguarda do esporte - e do entretenimento -, como, no âmbito de um projeto devidamente estruturado, poderia atrair investidores institucionais, locais e internacionais, convergentes na criação do maior projeto esportivo da história.
No âmbito da apresentação e explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, que vem tomando conta desta coluna, tratou-se, no último texto, da posição dos agentes financiadores e provedores de capitais, lá chamados, coletivamente, de mercado. O (relevante) posicionamento, que não se resume a uma mera atribuição de lugar, é ilustrado, uma vez mais, no seguinte gráfico: O papel (ou a função) do mercado é transformacional. Como já se afirmou, a CBF S.A. seria um ativo especial e único, sem comparação no planeta, pela história e as perspectivas da seleção de futebol (que seria, como explicado anteriormente, de propriedade da CBF S.A.). Mais: pelas riquezas que poderiam ser geradas em favor da própria CBF S.A., de seus acionistas (incluindo a CBF Associação, clubes, sociedades anônimas do futebol e federações) e do país. Sim, pois além de uma reunião dos melhores jogadores brasileiros, a seleção deveria servir, mesmo (ou especialmente) sob propriedade privada, como o mais poderoso soft power da Nação. Não há ilusão, utopia ou ufanismo nessa proposição; muito menos incompatibilidade entre a atuação privada, dirigida pelo mercado (em compasso com os demais acionistas da CBF S.A., que seriam, originalmente, a CBF Associação, as federações, os clubes e as sociedades anônimas do futebol), e o interesse público ou nacional, na disseminação cultural de um país. Repise-se o que Hollywood fez - e ainda faz - pelos Estados Unidos da América, mediante a inoculação cotidiana dos valores e interesses internos, que se projetam ao exterior e se fundem em praticamente todas as culturas, homogeneizando (para o bem e para o mal) manifestações outrora inconciliáveis. Essas conquistas, que no passado somente se viabilizariam por intermédio de mobilizações expansionistas, com uso da força ou de guerras, evidenciam a necessidade de aproveitamento de ativos únicos, espontâneos ou deliberadamente construídos, marcantes em certas culturas contemporâneas. É o caso, no plano da construção, do recente fenômeno do movimento pop sul-coreano (o K-pop), consumido planetariamente a despeito da dificuldade de compreensão linguística. Eis um bom exemplo, aliás, de como agentes privados podem, direta ou indiretamente, tornar-se embaixadores de seus países e lhes propiciarem influência, poder e renda. O futebol, muito além da música ou do cinema, é a mais global das atividades rotuladas como entretenimento, praticado em um número de países maior do que a quantidade de filiados à ONU, por exemplo. Esse fato, somado à incapacidade da CBF Associação de assumir funções de exportadora de produtos desejados em qualquer rincão do planeta - inclusive nos mais prósperos e propensos a consumi-los em larga escala - e de disseminadora de soft power, expressam o tamanho da oportunidade que se desperdiça. Não se pretende, aqui, atribuir a pessoas, passadas ou atuais, a responsabilidade por isto. Trata-se, apenas, de uma constatação: a CBF Associação jamais executará aquelas funções, pela sua natureza jurídica (e política) - motivadora de suas pequenas (e ao mesmo tempo grandes) querelas internas, regionais e político-administrativas. E é justamente aí que se reforça a pertinência do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, no qual a CBF Associação se posicionaria não só como acionista da CBF S.A., mas também guardiã de tradições e história. Foi no mercado, ou mediante apelo aos capitais disponíveis, que, desde tempos longínquos, Nações se expandiram via comércio marítimo (Inglaterra, como melhor exemplo) ou, na contemporaneidade, por intermédio de suas ideias e produtos (Hollywood e K-pop, dentre outros). A abertura de capital da CBF S.A., oriunda de um ato de vontade da CBF Associação, com a participação das federações, dos clubes e das sociedades anônimas do futebol, e realizada no âmbito de um plano qualificado de legítima expansão e dominação, forneceria recursos financeiros, jurídicos, governativos, relacionais e humanos para reprodução e adaptação, ao futebol, de empreendimentos expansionistas bem-sucedidos. Em outras palavras: o mercado, com as suas imperfeições e tendências históricas à apropriação da maior quantidade de lucros em favor de interesses próprios, poderia, no entanto, no âmbito de uma proposta convergente de pretensões coletivas e individuais, previamente arquitetada, viabilizar a adequada distribuição de ganhos, inclusive (e necessariamente) ao próprio mercado, e, assim, impulsionar a criação do maior sistema de futebol do planeta: o brasileiro.
Após apresentação e explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, bem como da indicação das posições que federações, clubes (e sociedades anônimas do futebol) e CBF teriam no sistema, situam-se, desta vez, os agentes financiadores e provedores de capitais, aqui chamados, coletivamente, de mercado. No texto anterior da série, foram indicados dois caminhos. O primeiro deles parte da premissa de que a CBF Associação seria mutualizada, mediante a criação de títulos patrimoniais, para distribuição entre federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol); na sequência, a CBF Associação seria desmutualizada, com a sua transformação em companhia (e aqueles títulos patrimoniais convertidos em ações); e, por fim, esta companhia, a CBF S.A., abriria capital, resultando na seguinte estrutura: O elemento de interesse deste texto, qual seja, o mercado, foi apresentado, portanto, como os outros acionistas que subscrevem ações, por ocasião da abertura de capital. No segundo caminho proposto, o organograma apresenta algumas diferenças, sendo a principal o fato de a CBF Associação não desaparecer. Isto porque ela constituiria uma companhia e subscreveria a totalidade das ações de sua emissão; depois, federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol) subscreveriam novas ações da CBF S.A.; de modo que, ao fim e ao cabo, a CBF associação preservaria sua existência e manteria sua posição de acionista da CBF S.A., conforme indicado a seguir:   Na sequência, os acionistas aprovariam a abertura de capital para atração do mercado, conforme se apresenta abaixo: Esse movimento atrativo do mercado é o foco deste e do próximo texto. Sob a perspectiva do próprio mercado, a CBF S.A. seria um ativo único, sem comparação no planeta, pois proprietária da mais vencedora e, ao menos no plano popular, também a mais admirada seleção de futebol do planeta. Verdade que isso não seria motivo suficiente para que agentes supostamente racionais empregassem seus recursos na nova CBF S.A. Porém, os números também brilham; e atraem. Mesmo sendo administrada sob premissas político-associativistas, que dificultam a captura de oportunidades e de valores, e o desenvolvimento de tecnologias e produtos em escala global (fora de uma perspectiva de preservação grupal), a CBF Associação registrou, em 2023, receita da ordem de R$ 1,3 bilhão e superávit de R$ 238 milhões. O brilho se intensifica, pelas perspectivas futuras, ao se constatar que: - a seleção brasileira ainda é um produto local (apesar do seu potencial de internacionalização), consumido, essencialmente, por brasileiros, de maneira que resta um mundo de torcedores e consumidores a conquistar; - as receitas da CBF ainda são semelhantes às obtidas pelo Flamengo, por exemplo; ou seja, de apenas um time brasileiro; - os valores auferidos em 2023 com direitos de transmissão e propriedades comerciais, da ordem de R$ 538 milhões, são inferiores aos obtidos por times ingleses inexpressivos, como o Bournemouth e o Brentford, que auferiram, em 2023, £122 milhões (aproximadamente R$831 milhões) e £135 milhões (aproximadamente R$920 milhões), respectivamente1; - o volume de receitas da CBF com contratos de patrocínio, em torno de R$ 527 milhões, não engloba os grandes patrocinadores internacionais, ainda desinteressados na associação de suas marcas à seleção brasileira; e (além dentre outros fatores) - a natureza associativa da CBF problematiza (ou dificulta) o acesso a instrumentos e recursos disponíveis no mercado de capitais, que tendem a ser mais eficientes do que os acessados no mercado financeiro. Esse conjunto de coisas evidencia que, menos do que as cifras atuais, as perspectivas futuras devem atrair o mercado em um eventual chamamento promovido pela CBF, considerando que: - o modelo de negócio confirme a possibilidade de crescimento; - o modelo de governança confirme a passagem para uma estrutura de mercado; - a administração seja composta por profissionais ilibados, conhecedores da indústria futebolística e/ou oriundos de mercado, com independência para atuação no interesse exclusivo da CBF S.A.; - a CBF S.A. adote instrumentos de controle de condutas e de cumprimento de leis; e - a abertura de capital se realize em nível especial de listagem, como o novo mercado da B3, e com a assessoria de assessores de primeira linha, que seguirão as diretrizes do Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto 2023.  Esses são alguns argumentos que sustentam a viabilidade do ingresso do mercado no novo ambiente do futebol. O tema será retomado na próxima semana. __________ 1 Acessível aqui. Integram os números, além de direitos e propriedades, receitas oriundas do "match day". 
Os dois últimos textos desta série, que tem como propósito a apresentação e a explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, identificaram as posições finais das federações e dos clubes (e sociedades anônimas do futebol). Chegou a vez de situar a (relevante) posição da CBF Associação. No início da série, foi reapresentado o modelo que partia da premissa de que a CBF Associação seria mutualizada, mediante a criação de títulos patrimoniais, para distribuição entre federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol); na sequência, ela seria desmutualizada, com a sua transformação em companhia (e aqueles títulos patrimoniais, convertidos em ações); e, por fim, submetida a processo de abertura de capital, resultando na seguinte estrutura:  Por tal caminho, como se nota, a CBF Associação deixaria de existir e toda a sua estrutura administrativa se conservaria dentro da CBF S.A.  Outro caminho, igualmente explorado na série, oferece uma solução, ao mesmo tempo, diferente e mais simples do ponto de vista jurídico: A manutenção da CBF Associação como acionista da CBF S.A., que receberia, daquela, o patrimônio relacionado à seleção brasileira e o desenvolveria, com exclusividade, esportiva e comercialmente.   O desenho seria o seguinte (após a superação dos passos precedentes, explicados nos textos anteriores, consistentes: na constituição, pela CBF Associação, da CBF S.A.; na transferência patrimonial, pela CBF Associação, em troca de ações da CBF S.A.; e na subscrição de ações emitidas pela CBF S.A., pelos clubes, sociedades anônimas do futebol e federações):  O quadro seria incrementado, após a abertura de capital da CBF S.A., com o ingresso de novos acionistas que subscrevessem ações em oferta primária ou que adquirissem ações em secundária (seja na própria oferta ou, posteriormente, em bolsa). A imagem a seguir ilustra o resultado deste movimento:  Como acionista da CBF S.A., a CBF Associação resguardaria certas atribuições relacionadas à preservação da história e da tradição, que seriam, aliás, inalienáveis. Apenas ela, portanto, poderia exercer, a qualquer tempo, tais funções, independentemente do tamanho de sua participação no capital social.  Aliás, esse é um ponto relevante: A CBF Associação, ao constituir a CBF S.A., subscreveria, em contrapartida à versão de patrimônio associativo relacionado à seleção brasileira, a totalidade das ações de emissão da nova companhia (a CBF S.A.). Na largada, portanto, a CBF Associação seria a única acionista.  Posteriormente, com a subscrição de ações pelos clubes (e sociedades anônimas do futebol) e federações, e, na sequência, pelos novos acionistas no âmbito da abertura de capital, a participação da CBF Associação seria reduzida, em função das rodadas de subscrição, chegando-se ao percentual de participação que houver sido definido pela CBF Associação, previamente. A redução nessas fases seria, assim, controlada pela própria CBF Associação, ao ditar a estrutura do projeto como um todo.  Apenas para ilustrar, imagine-se que, ao término das rodadas de subscrição e de abertura da capital, a CBF mantivesse, por exemplo, 20% do capital total. Deste percentual, uma ou algumas ações seriam especiais e atreladas à sua posição histórica e futura no ambiente futebolístico (assim como o Estado, eventualmente, mantém posição especial em companhias privatizadas). As demais ações poderiam ser livremente negociadas, ou não, a critério da diretoria da CBF Associação.  Partindo-se, ademais, do modelo atual de governação da CBF Associação - que poderia ser reformulado, ou não, conforme decisão de seus afiliados -, a eleição da diretoria continuaria a derivar da votação de federações e clubes (e sociedades anônimas do futebol), com observância da pluralidade de votos atribuída no estatuto da CBF Associação.  O estatuto haveria de ser reformado, porém, para adaptação à nova estrutura, demandante de previsões específicas, a respeito de, exemplificando: forma de indicação, pela CBF Associação, de membros do conselho de administração ou do conselho fiscal, da CBF S.A.; e forma de definição da construção da posição da entidade em matérias que, no plano da CBF S.A., exigissem a concordância necessária ou a possibilidade de veto, por parte da CBF Associação.  Em relação aos seus propósitos sociais, que continuariam a ser exercidos no âmbito associativo, a CBF Associação resguardaria, dentre outras, as seguintes atividades: A gestão do próprio investimento na CBF S.A. e aplicação de dividendos; O desenvolvimento regional do futebol, em parceria com as federações; A realização de pesquisas para melhoria do ambiente e o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas voltadas ao futebol; A gestão de copas e torneios que não fossem transferidos para ligas organizadas pelos clubes e sociedades anônimas do futebol;  Enquanto não fosse criada a liga de clubes e de sociedades anônimas para organizar o campeonato brasileiro, a organização deste evento.    Conclui-se, então, que a CBF Associação não apenas impulsionaria a formação do maior mercado do futebol do planeta (que gerará ganhos ao país, às federações, aos clubes e sociedades anônimas do futebol, aos torcedores, ao erário e ao povo em geral), como faria parte dele, com papéis significativos e essenciais. 
Após breve intervalo na série que tem como propósito a apresentação e a explicação do projeto de reorganização e ressignificação da CBF, retoma-se o tema e se passa a tratar da situação dos clubes e das sociedades anônimas do futebol no novo sistema. Importante relembrar, inicialmente, que, na estrutura atual de poder da entidade, as 27 federações estaduais ostentam, de modo permanente, 3 votos cada; os clubes ou sociedades anônimas do futebol que disputarem a série A, 2 votos cada; e os clubes ou sociedades anônimas do futebol que participarem da série B, 1 voto cada. O colégio é composto, portanto, de 141 votos (81+40+20). Conforme processo evolutivo descrito nesta série (que se iniciou com a proposição de movimento de mutualização, seguido de desmutualização para, em certo momento, tomar outra direção), o modelo que se vem abordando parte da constituição de uma companhia (a CBF S.A.) pela CBF Associação, conforme se indica abaixo: Ato contínuo, clubes e sociedades anônimas do futebol de séries A e B (portanto, com filiação esportiva ativa) e demais clubes de outras divisões (sem filiação esportiva ativa), subscrevem, em conjunto com as federações estaduais, novas ações de emissão da CBF S.A., mantendo-se, em relação ao primeiro grupo, ao mesmo tempo, filiação à CBF Associação e participação acionária na CBF S.A. Os integrantes do segundo grupo participam, enquanto permanecerem fora da série B, apenas da CBF S.A. O quadro abaixo ilustra o modelo: Ou seja, além das federações, que resguardam seus vínculos com a CBF Associação (conforme modelo apresentado na Parte IX da série), os clubes e as sociedades anônimas do futebol de séries A e B também podem (e devem) manter suas relações associativas e, assim, participar, no plano da acionista especial (a CBF Associação), das deliberações internas e das orientações de votos a serem proferidas nas assembleias (ou reuniões) da CBF S.A. Também participariam, mesmo que com quantidade menor de votos em relação às federações, da escolha da governação da CBF Associação. Além da participação no quórum deliberativo na CBF Associação, cada clube ou sociedade anônima do futebol de séries A e B disporia de votos em assembleias gerais da CBF S.A. equivalentes às ações que detivessem, observando-se a relação de um voto para cada ação titularizada. A distribuição de ações entre clubes, por exemplo, das séries A a D, observaria critérios que envolveriam fatores como torcida, títulos nacionais e audiência, respeitado certo coeficiente limitador da diferença entre o maior e o menor dos subscritores.  Após a subscrição de ações, a CBF S.A. abriria seu capital, oferecendo liquidez aos clubes e às sociedades anônimas do futebol que pretendessem vender, parcial ou totalmente, suas ações. A venda, se e quando o caso, viabilizaria a entrada de recursos (milionários e, em determinadas situações, multimilionários) para emprego no desenvolvimento da atividade futebolística, no investimento em formação e em estrutura, na contratação de atletas e no pagamento e renegociação de dívidas, dentre outras finalidades.  Por outro lado, as ações mantidas pelos clubes ou pelas sociedades anônimas do futebol incrementariam seus respectivos patrimônios, em função do (esperado) aumento do patrimônio líquido da CBF S.A. O ajuste se realizaria por equivalência. Exemplificando: se o patrimônio líquido dobrasse de um ano para outro, o valor da participação do clube, em seu balanço, também dobraria. E não é só. O clube ou a sociedade anônima do futebol também se beneficiaria do fluxo oriundo da distribuição de dividendos e, em momento futuro, de eventual venda parcial ou total de ações que não tivessem sido vendidas logo após a abertura de capital. Em outras palavras, o organograma seria o seguinte, em caso de venda total de ações: E o seguinte, quando a venda fosse parcial: E, na hipótese de venda total por alguns e parcial por outros, o resultado se apresentaria da seguinte maneira: Em nenhum dos modelos, o clube ou a sociedade anônima do futebol ostenta uma posição pior do que a que ostenta, atualmente, como (simples) associado (ou associada) à CBF Associação; muito pelo contrário, pois os ganhos são indisputáveis. Clubes, sociedades anônimas do futebol e, como visto na parte IX da série, também as federações ganham, e muito, com o processo, sem efeitos colaterais. Como ganham, também, o torcedor, os atletas, o país e o erário. Resta compreender a posição da CBF Associação, no sistema. É o que se fará no próximo texto.
quarta-feira, 22 de maio de 2024

Que país (do futebol) é este?

Semana passada foi, na falta de outro termo mais apropriado, animada para quem acompanha o desenvolvimento da SAF, subtipo societário criado pela Lei 14.193, de 6 de agosto de 2021, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). No mesmo dia que, em Brasília, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 2.978, de 2023 ("PL 2.978"), de autoria do próprio Presidente Rodrigo Pacheco, uma liminar foi concedida, no Rio de Janeiro, para afastar, como se verá adiante, o acionista controlador de uma SAF. O PL 2.987 tramitava em caráter terminativo e, com a sua aprovação, seguirá para Câmara dos Deputados. Seu propósito é inequívoco: aparar algumas arestas que naturalmente surgem em processos legislativos, evidenciadas, no caso, em disputas ocorridas nos quase três anos de vigência da lei, e, assim, oferecer ao país um ambiente ainda mais seguro para o desenvolvimento da atividade futebolística. Tal é, aliás, o sentido do parágrafo conclusivo da justificação apresentada pelo Presidente Rodrigo Pacheco: "Demos passos importantes para o crescimento do esporte, e o aprendizado é permanente. Estou seguro de que as alterações propostas irão fortalecer ainda mais a competitividade do setor futebolístico nacional em relação a outros mercados, trazendo mais investimentos, gerando mais empregos e renda, equilibrando os interesses dos envolvidos e, por fim, contribuindo para ampliar a qualidade do espetáculo aos torcedores". A pertinência e a precisão do PL 2.978, relatado pelo Senador da República Marcos Rogério (PL/RO), são reforçadas pela ínfima quantidade de propostas de emendas, ao contrário do que se costuma verificar em projetos de quase qualquer natureza. A única que foi corretamente incorporada ao texto, apresentada pelo Senador da República Carlos Portinho (PL/RJ) - que já havia relatado, no âmbito do Senado Federal, o projeto de lei que resultou, em 2021, na Lei da SAF -, autoriza a adoção do tipo organizativo de SAF também por liga de futebol, constituída ou organizada por entidades de prática desportiva. A elogiável inciativa reforça a perspectiva que a todos parece inexorável, consistente na unificação de pretensões, para formação de uma liga (unificada), composta por todos os times de séries A e B, semelhantemente às que dominam o ambiente global, como a inglesa. Enfim, naquele dia que deveria ser marcado (e comemorado) pelo novo passo que se dava no caminho para formação do mercado brasileiro, uma decisão liminar tomou o ainda incipiente mercado - e, seguramente, todas as pessoas que acompanham a Lei da SAF - de surpresa, transformando tal dia, como todos os seguintes, em puro suspense (outra vez, na falta de expressão mais apropriada).  Não se adentrará, aqui, em temas puramente jurídicos, visto que a própria decisão optou por abandonar esta premissa, que deveria informar o ato de julgar. Pinçam-se, dela, apenas alguns trechos reveladores (mantendo-se, neste texto, o emprego de termos imprecisos, pela falta de outros mais adequados).   Neste sentido, a matéria submetida à apreciação judicial esbordaria o direito puro, atingindo paixões e sentimentos que não poderiam ser desconsiderados. De modo que o alcance social da medida pretendida pelo clube seria mais amplo que o interesse contratual privado. Ela (a decisão) vai além, ao consignar que não apenas a gestão econômico-financeira importa no caso, sendo crucial o estabelecimento de um mutualismo benéfico, com entrega dos resultados esperados, tanto pelo clube que conferiu seu destino à SAF, como aos inúmeros torcedores, merecedores de respeito, carinho e amor pela instituição objeto de suas paixões. De modo que a SAF não se revelaria uma companhia (ou sociedade anônima) com objeto social limitado aos valores econômicos, mas incorporadora da necessidade de afeição entre os personagens que dela participam. Curioso que tais argumentos não serviram - e não servem - para promoção de intervenções salvadoras em clubes que, na mesma linha, não seriam meras associações civis com objeto limitado de organizar o futebol, e que, historicamente, foram geridos por políticos clubísticos que se apropriaram de instituições supostamente pertencentes aos torcedores (uma mentira secular, pois juridicamente, clubes pertencem aos associados, apenas, e não à coletividade da torcida), e as levaram, em conjunto com seus times, como no caso do próprio Vasco, à profunda decadência (e, também no caso, a 4 rebaixamentos num período de menos de 15 anos). Pois, no caso da recém-constituída SAF Vasco da Gama, encontrou-se fundamento para: suspensão dos efeitos do contrato e do acordo de acionistas celebrados entre clube e investidor; suspensão dos direitos societários (políticos e patrimoniais) do investidor; e afastamento dos conselheiros indicados pelo investidor. Espera-se, por fim (e apenas), que instâncias revisoras, assim como o sistema judicial, em qualquer localidade do país, julguem os temas que envolvam SAF em favor da parte que ostentar o bom direito, de acordo com a lei (e a constituição, para preservação do futuro da Nação), e não em conformidade com preferências ou, se a moda se inverter, com rancores clubísticos.
quarta-feira, 15 de maio de 2024

A Lei da SAF e a reação do clubismo

Mantenho a pequena pausa na longa série que vem tratando, nas últimas semanas, do projeto de reestruturação e ressignificação da CBF, para abordar certas situações que ocorrem no ambiente criado pela Lei da SAF. Desde o advento da Lei da SAF, mais de 60 projetos de SAF se estruturaram, em todas as regiões do país. Muitos, talvez a maioria, bem-sucedidos. Galo, Cruzeiro, Bahia e Botafogo são alguns exemplos. Sim, Botafogo. Não me cabe, aqui, falar sobre o controlador da SAF Botafogo, John Textor, e suas técnicas de tentativa de persuasão coletiva. Interessa-me, ao menos neste momento, a SAF da qual é controlador. Parece-me, então, que seja mesmo, sim (com o perdão da redundância), um sucesso. Há pouquíssimo tempo, o Clube Botafogo, antes da constituição da SAF Botafogo, brigava, ano após ano, para manter-se na primeira divisão e, com frequência, não atingia seu objetivo (caiu 3 vezes para 2ª divisão). Desde a entrada do empreendedor, a situação mudou. Para melhor. Ano passado, terminou em sexto lugar no campeonato brasileiro, posição que não foi comemorada - mas devia -, com acesso à copa libertadores, por conta da expectativa que se criou com a magnífica campanha durante grande parte da competição. Neste momento, aliás, a SAF Botafogo ocupa a 4ª colocação na atual edição do campeonato brasileiro, em melhor posição do que os demais clubes cariocas, exceto o poderoso Flamengo, que, na 3ª posição, contabiliza 1 ponto a mais. Além de Botafogo, mas por motivos diversos, a SAF Vasco, atualmente na 13ª posição do campeonato brasileiro - ou seja, a uma posição da vaga para copa sul-americana -, vem sendo exposta e tratada como um caso de insucesso. O resultado esportivo, por enquanto, não se pode negar, está aquém daquele esperado por torcedores, imprensa e, pode-se apostar, pela própria acionista controladora. Por conta do aparente (ou ainda prematuro) insucesso - lembre-se que, antes da constituição da SAF Vasco, o time frequentava a 2ª divisão (foram 4 rebaixamentos), não pagava jogadores e direitos em dia, perdera credibilidade para atrair talentos e realizar negócios, tinha dificuldade para liquidar obrigações cotidianas, dentre outras mazelas -, parece que ganha força um movimento para reafirmar e "canonizar" o clubismo, como se ele próprio, o clubismo, não fora, em passado recente e remoto, o responsável pela deterioração da história e da grandeza de seu futebol. Portanto, nada melhor do que a cautela e, em especial, a atenção, coletiva, em relação à reação do clubismo, dissimulado sob a imagem messiânica de mais um ex-jogador. Merece atenção, em tal sentido, o texto do jornalista Rodrigo Capelo, publicado na edição de 13 de maio, do jornal O Globo. Após expressar sua preocupação com a situação econômica e patrimonial da mencionada entidade, com um exemplo envolvendo a formação de uma frota de veículos de propriedade de jornalistas famosos, Rodrigo Capelo faz um alerta: se a 777 vacilar, será devorada por um agrupamento de "aliados [do clubismo] entre advogados e juristas", que, com apoio de torcida e comunicadores, estaria pronto para dar o bote. Ele parece antecipar, implicitamente, no último parágrafo do texto, outra preocupação, com as gravíssimas consequências para o futebol e para o país, de eventual movimento político desestabilizador de negócio jurídico realizado em conformidade com as regras vigentes. Em outras palavras, a preocupação com a quebra de confiança institucional. É isso, pois, que, aparentemente, está em jogo, e que se revela, em minha opinião, no texto do jornalista Rodrigo Capelo: a confiabilidade sistêmica. Sobre o sistema, vale lembrar - e a lembrança se estende e se aplica a qualquer situação de SAF -, que a Lei da SAF integra o microssistema das companhias, que se sujeitam à Lei 6.404/76. Ambas configuram, em conjunto, as normas primárias de regência da SAF. A Lei 6.404/76, que logo completará 50 anos, vem sendo testada e adaptada, em função de avanços tecnológicos, e representa um dos pilares de sustentação do ambiente empresarial brasileiro. Nela se encontram os instrumentos de contenção de atos abusivos, do acionista controlador ou da minoria acionária (pois sim, a minoritária também pode praticar atos configuradores de abuso), e nela também se indicam atos que, mesmo que aprováveis pela maioria, não podem ser praticados sem um prévio escrutínio assemblear. Ademais, em negócios societários como os que envolvem a SAF Vasco, a SAF Botafogo, a SAF Cruzeiro e muitos outros, as partes costumam contratar uma série de direitos e obrigações que, se eventualmente inobservados, por uma ou outra parte, ensejarão sanções, previstas no próprio instrumento contratual (ou na legislação civil, conforme a situação). Aí se forma, em princípio, o contorno dentro do qual desinteligências, resultantes de operação de SAF, devem ser resolvidas, pelas autoridades competentes, conforme, igualmente, as partes tenham estabelecido. Portanto, a perspectiva de afirmação de um pujante e possível maior mercado futebolístico do planeta está associada à percepção de que negócios jurídicos não serão abalados por motivações que não tenham amparo legal ou contratual.
Faço uma pequena pausa na longa série que vem tratando, nas últimas semanas, do projeto de reestruturação e ressignificação da CBF (ao qual retornarei em uma ou duas semanas), para abordar certo evento que causou alvoroço ao ser anunciado: a venda do controle da SAF Cruzeiro pelo empreendedor e investidor, Ronaldo Nazário ("Ronaldo"). Ronaldo, sobre quem eu já escrevi em outras oportunidades, foi o salvador da Associação Cruzeiro, que estava afundada em dívidas e a caminho da terceira divisão. Técnica e empresarialmente, também estava, por ocasião de sua entrada, falida. Aliás, sabia-se que seu passivo era bilionário, mas não se conseguia quantificá-lo com precisão, pelo descontrole gerencial e outros motivos mais graves. Importante lembrar, ainda, que, após o conselho deliberativo da Associação Cruzeiro aprovar uma operação em que ela mantivesse o controle da SAF a ser constituída, o sonho se desintegrou diante da falta de interesse de possíveis investidores nesse modelo. Os problemas e o riscos envolvidos não justificavam qualquer projeção de retorno. Daí a aceitação, ao final do processo, de uma posição acionária minoritária para a Associação Cruzeiro, negociada com Ronaldo; posição, aliás, que não foi objeto de cobiça de outros investidores (incluindo torcedores bilionários). Em suma, naquele momento, dizia-se que o novo controlador possivelmente se enrolaria num mar de lama e, dele, talvez não saísse. Nesse cenário, Ronaldo era - e realmente foi - o salvador da história do Cruzeiro. Algumas poucas vozes, é verdade, sustentavam que o negócio fora barato. Sim, talvez, se considerados os compromissos de investimento assumidos e o potencial de retorno de um time da dimensão do Cruzeiro. Mas ninguém, além do próprio Ronaldo, aceitou correr os riscos políticos e patrimoniais que ele encarou, em especial por conta do passivo, que já se sabia que era gigante, mas que poderia ser ainda maior do que se imaginava, naquele momento. Para ele, talvez, considerando o tamanho de seu patrimônio e de sua exposição, o negócio fosse caríssimo (à beira da insanidade). Com Ronaldo - e sua elogiável equipe, dentre ela, Gabriel Lima e Paulo André -, iniciou-se um inegável movimento de resgate, o qual ainda está em curso, importante ressaltar. E tomará algum tempo para atingir "nível de Cruzeiro". Tempo que se tomaria - e se toma - na reestruturação de empresa em crise, ainda mais falida, do ponto de vista técnico, como estava a Associação Cruzeiro. Em menos de três anos, o time deixou as páginas policiais e passou para as páginas econômico-empresariais, com a anunciação de um negócio expressivo, elogiado sob o prisma financeiro, mas questionado, no plano esportivo. Grande parte dos questionamentos - uns, compreensíveis; outros, maliciosos - decorre da falta de intimidade com um ambiente ainda em formação, e, por isso mesmo, sujeito a movimentos por ora inesperados. Ou aparentemente inesperados, pois Ronaldo jamais afirmou que não venderia sua participação na SAF; além de ser algo absolutamente comum, em outros mercados. Mas a sua saída é um problema? Ao contrário de alguns respeitadíssimos jornalistas, entendo que não. Justificarei a proposição pela ótica da Lei da SAF (e, portanto, do ambiente do futebol) e da SAF Cruzeiro (consequentemente, de sua torcida). Não abordarei a perspectiva do novo controlador, pois se trata de um problema (ou não) dele. A Lei da SAF foi recebida, no (e pelo) mercado, com incredulidade. Poucas pessoas ou instituições se mostraram, no início, interessadas. Curiosas, talvez; mas nada muito além disto. Os motivos envolviam o histórico de desmandos e de corrupção no setor, o apego cartolarial à apropriação clubística, a falta de percepção da segurança jurídica pretendida pela Lei da SAF, a dificuldade de precificação do ativo futebolístico e, dentre outros, a dificuldade de visualização de uma saída para o investidor, imediatista ou de longo prazo. A liquidez, derivada da probabilidade de saída de um investimento qualquer, justifica a existência, ou não, de um ambiente de trocas de posições; e quanto maior a probabilidade de saída, maior será a procura e, muito importante, maior será a atratividade para investidores institucionais ou mais conservadores. A venda do controle da SAF Cruzeiro sinaliza justamente a perspectiva, antes negada, de que investidores teriam (e terão) como liquidar suas participações e embolsar, se e quando quisessem, o produto da liquidação dos seus investimentos, lucrativos ou não (sim, pois, eventualmente, a venda ocorra com prejuízo). Mas não apenas isso. A venda sinaliza também que o acesso a financiamentos e capitais pode perfeitamente passar por estágios diversos de interesse, no decorrer de seu amadurecimento, com entradas e saídas de investidores com diferentes perfis e perspectivas de riscos, até que se consolide a participação em um investidor "final" (que pode ser o perfil do novo controlador da SAF Cruzeiro). Este investidor final, ou acionista referencial, terá maior propensão a manter sua posição por longos anos (eventualmente gerações), como ocorre com algumas famílias proprietárias de times de esportes norte-americanos. Paralelamente, sob a perspectiva da SAF e da torcida, a entrada, agora, de novo acionista, com sólida atuação no ambiente empresarial, sugere uma nova onda de energia (e de recursos), pois, sobre o entrante, não pesam os desgastes naturais de todo o esforço pretérito, que envolveu o processo político de constituição da SAF, a negociação com o investidor Ronaldo, a iniciação do processo de recuperação e os percalços enfrentados, não apenas no âmbito da própria reorganização, como também dos solavancos que foram causados pela ambientação da (ainda novíssima) Lei da SAF. Soma-se a isso o fato de que o novo acionista, pelo que se consta, tem patrimônio robusto e, tão ou mais importante, fluxo de caixa compatível com as necessidades de novos aportes e investimentos que serão demandados pela atividade futebolística. E há, ainda, outro (e intangível) fator: a rivalidade local, que poderá fazer com que esse novo acionista de origem empresarial olhe para o rival e pretenda, com bases sólidas, medir-se ou superar o que vem sendo feito, de maneira bem-sucedida, por outros acionistas empresários daquele lado. O que importa ao torcedor, no final das contas, é o sucesso de seu time. A imagem de Ronaldo foi útil, muitíssimo útil, na originação da SAF Cruzeiro, e na construção do seu processo de recuperação; mas o time do Cruzeiro construiu sua grandeza histórica por ser o Cruzeiro, e não pela dependência de uma ou outra pessoa. E aí está o ponto crucial, talvez único, que mereça atenção geral (da torcida, das instituições, do poder público e do país, pela relevância social e econômica do futebol): a certificação de que o novo negócio foi construído em bases sólidas, que reforçarão e eventualmente acelerarão o reposicionamento do Cruzeiro dentre as maiores potências do continente.  
As 27 Federações Estaduais mantêm papel crucial na estrutura de poder da CBF. Cada uma ostenta, no colégio eleitoral, de modo permanente, 3 votos, contra 2 votos dos times que disputarem, no momento de qualquer votação, a série A do campeonato brasileiro, e 1 voto dos que estiverem na série B. Portanto, o projeto proposto para reorganização da CBF não pode ignorar essa realidade e deve oferecer cenários para as federações estaduais, que continuarão, aliás, a exercer funções relevantes em âmbito regional, após a abertura de capital. Como indicado no texto anterior desta série, um dos caminhos que se pode seguir, no projeto de reorganização, e que aqui será adotado, envolve a constituição de uma companhia (a CBF S.A.) pela CBF Associação, seguida da subscrição de novas ações pelos clubes e federação estaduais - em substituição à mutualização e desmutualização da CBF. O caminho levaria ao seguinte quadro:  As federações não teriam vinculação direta com a CBF Associação e se ligariam, como acionistas, apenas à CBF S.A. Desta receberiam dividendos (direitos econômicos) e em suas assembleias gerais votariam (direitos políticos), enquanto mantivessem ao menos uma ação de emissão da CBF S.A. em seu patrimônio. Mas o vínculo com a CBF Associação não precisa terminar, de modo que cada federação estadual poderia sustentar duplo papel: um como acionista da CBF S.A., outro, como associada da CBF Associação. Nesta hipótese, o organograma seria o seguinte:  No plano associativo, as federações manteriam seus votos nas assembleias gerais da CBF Associação e poderiam ditar-lhe, como atualmente ditam, certas escolhas, dentre as quais a nomeação da diretoria e a forma como a CBF Associação se posicionaria em relação a determinados temas da CBF S.A. De fato, a CBF Associação seria acionista da CBF S.A. e acompanharia, nesta posição (portanto, de acionista), o andamento das atividades futebolísticas e empresariais. Teria o direito, como qualquer acionista, de participar de assembleias gerais e votar, além de dispor de direitos especiais, se implementados, sugeridos em texto anterior. Tais direitos especiais consistiriam em, por exemplo, vetos sobre matérias que afetassem a história e a tradição da seleção brasileira, dentre as quais alteração de cores, adoção de novo hino, mudança de sede para outro país, renúncia à participação em eventos internacionais e participação em campanhas políticas; e assento permanente em conselho de administração da CBF S.A., para exercício de veto sobre as matérias indicadas acima. As federações se tornariam duplamente beneficiadas com a reorganização da CBF porque: (i) em decorrência da subscrição de ações, as quais poderiam ser parcial ou totalmente vendidas, posteriormente, por ocasião da abertura de capital da CBF S.A., levantariam recursos robustos, advindos da própria venda, para emprego em suas atividades regionais e reforço dos campeonatos locais, e ainda receberiam dividendos das ações mantidas em sua propriedade; e (ii) guardariam a posição política, dentro da CBF Associação, que, além de acionista da CBF S.A., ostentaria direitos especiais pela sua atuação como guardiã da história e da tradição. O processo político de escolha de diretores da CBF Associação pelos seus associados (i.e., pelas federações) poderia ser adaptado do atual modelo ou reformulado, para trazer-lhe técnicas contemporâneas, concatenadas, inclusive, com a nova realidade da entidade, e assim oferecer-lhe um modelo de governação certificado. A escolha da governação deixaria, porém, de ser um problema dos times, da própria CBF S.A. ou do torcedor em geral, e passaria a ser um tema puramente privado, das federações. Parece, pelo exposto, que inexistem externalidades negativas para federações, no âmbito do projeto de reorganização da CBF; dele, ao contrário, somente se revelam positividades: econômicas, políticas e sociais.
O tema central da série não é novo. Ele foi apresentado no livro Futebol, Mercado e Estado (Quartier Latin), publicado no início de 2016. O livro continha, porém, um objetivo antecedente: a criação do mercado do futebol a partir da SAF. Retomou-se, posteriormente, a ideia de mutualizar e desmutualizar a CBF em algumas oportunidades, inclusive (e especialmente) nesta coluna, com o intuito, apenas, de manter a chama acesa, enquanto o debate acerca do PL da SAF se intensificava e, em alguns momentos, pegava fogo. O projeto foi convertido em lei e, desde então, vem promovendo uma benfazeja transformação no ambiente do futebol no Brasil. A SAF e a lei da SAF merecem e terão acompanhamento permanente, para promoção da defesa e do desenvolvimento do instituto. Passados quase três anos da promulgação da lei da SAF, já há espaço para a propositura de outros movimentos, complementares, que viabilizarão a inserção social das gentes, o desenvolvimento social e econômico da Nação e, claro, a eficiência esportiva, nos planos nacional e internacional. Dentre tais movimentos, destaca-se, pela grandiosidade, a reorganização (e consequente ressignificação) da CBF. A tese teve como fundamentos a mutualização e a desmutualização. Foi com base neles que se introduziu o debate pioneiramente no mencionado livro Futebol, Mercado e Estado, em 2016, e que ela reapareceu, semanas atrás, com a primeira parte da presente série.   Mas, no decorrer da construção da série, uma nova perspectiva se abriu. Pela obviedade e simplicidade teórica, passou a ser tratada, aqui, como o "Ovo de Colombo". Em suma, ela abre dois caminhos para que a CBF se transforme em companhia, sem a necessidade de prévia mutualização e posterior desmutualização. Um dos caminhos, que se desdobra em dois movimentos, foi apresentado no texto anterior.  De maneira sucinta, no primeiro movimento, a CBF Associação constitui uma sociedade anônima (CBF S.A.), da qual será proprietária da totalidade das ações: No movimento seguinte, a própria CBF Associação delibera o aumento de capital da CBF S.A. e faculta a subscrição das novas ações, por preço simbólico, pelas federações e pelos clubes: O segundo caminho, que agora se apresenta neste espaço de maneira inédita, consiste na transformação da atual CBF Associação em sociedade anônima (a CBF S.A.) e, no mesmo ato, na subscrição de ações, por preço também simbólico, pelos clubes e federações, de modo que, ao cabo, o organograma será o seguinte: Esse caminho afasta a necessidade de constituição de uma sociedade anônima pela CBF Associação, como ocorre no primeiro, e, pelas características da transformação da própria CBF Associação em companhia (CBF S.A.), elimina, da estrutura final, a figura de uma entidade associativa da composição acionária.  A permissibilidade, contida na lei das sociedades por ações, especialmente em companhias fechadas, de fixação do preço de emissão de ações com ágio ou deságio (e, assim, oferecendo o suporte para fixação do preço simbólico a ser pago no âmbito do aumento de capital da CBF S.A.), revelou-se, ao longo da série, uma técnica simplificadora do projeto de reorganização e uma alternativa à proposta original de mutualizar e desmutualizar a própria CBF ou uma associação por ela criada. Assim, chega-se ao seguinte desfecho, por ora: inexiste, do ponto de vista legislativo, obstáculo à implementação de reorganização da CBF, exceto a vontade política, ou a falta dela, de promover um amplo debate a respeito das vantagens e desvantagens da mudança do modelo associativo ao societário. A desinformação, possivelmente, talvez venha a ser a principal ferramenta de eventual reacionarismo, pois, considerando que (i) a própria CBF Associação pode permanecer acionista da CBF S.A., exercendo direitos políticos análogos aos que, por exemplo, o Estado exerce em uma companhia privatizada, inclusive mediante a titularidade de "golden share", (ii) as federações deterão ações da CBF S.A., que poderão ser vendidas parcial ou totalmente, e os recursos obtidos, seguramente milionários, destinados ao desenvolvimento regional do futebol, e (iii) os times de futebol, constituídos sob a forma associativa ou de sociedade anônima do futebol, também serão agraciados com ações, vendáveis no mercado; não há motivação plausível para o evitamento do debate e, ousa-se afirmar, a implementação do modelo, que repercutiria, nacional e internacionalmente, em função da distribuição, sem precedentes, de riquezas entre os integrantes do sistema.
Desde o início desta série de textos que pretende apresentar um grandioso projeto transformacional para a CBF - e, consequentemente, para o Brasil -, os temas tratados se sucedem, uns em função dos outros, em ordem lógica, no âmbito do modelo apresentado. Pela primeira vez, e pelos motivos que serão a seguir expostos, apresenta-se uma ideia lateral, que consiste, pois, em uma alternativa a uma ideia já apresentada anteriormente nesta série, e que se enquadra, com maior fidelidade, como uma variação de mesmo tema. Daí o subtítulo: Parte 7.2. A classificação faz todo sentido. No texto anterior, identificado como Parte 7.1, apontou-se determinado caminho no processo de mutualização, desmutualização e abertura de capital da CBF, que passava pela manutenção da atual associação civil existente, aqui denominada CBF Associação, a qual, porém, constituiria outra associação, que seria, posteriormente, mutualizada para, na sequência, ser desmutualizada (transformando-se em companhia: a CBF S.A.). Os gráficos abaixo ilustraram, naquele texto, as proposições: Gráfico 1:  Gráfico 2: Afirmou-se, ademais, que a manutenção da entidade original serviria para que fossem preservadas, na CBF Associação, (i) a organização de atividades não profissionais e (ii) as funções de interesse nacional e social, além das funções de guarda e de controle da história e da tradição da seleção e do futebol brasileiro. A CBF Associação seria, ainda, acionista da CBF S.A. A variação que se apresenta, aqui, revela-se como um outro caminho para chegar ao mesmo destino. Assim, no lugar da criação de uma nova associação, que seria, posteriormente, mutualizada e desmutualizada, a CBF Associação constituiria, diretamente, uma sociedade anônima, da qual seria, na largada, a única acionista, conforme se indica a seguir: Logo após, os times e federações que, no modelo anterior, receberiam, gratuitamente, títulos patrimoniais, subscreveriam novas ações e as integralizariam (ou seja, pagariam o preço de emissão), mediante a transferência de recursos para formação do capital social da CBF S.A. As quantidades de ações a serem subscritas pelos times e federações seriam idênticas aos títulos patrimoniais que receberiam no modelo anterior.   O preço de emissão das ações (e, consequentemente, o montante a pagar e transferir para CBF S.A.) seria fixado em parâmetro simbólico, de modo a evitar saída expressiva de caixa dos subscritores (e novos acionistas da CBF S.A.). A proposição é ilustrada a seguir: Como derradeiro passo, seria promovida a abertura de capital da CBF S.A, e, assim, chegar-se-ia, de maneira mais simples, ao modelo final, apresentado no texto anterior: Isso porque, no modelo anterior - que não estava e não está equivocado, e ainda pode, por diversos motivos, ser implementado, se assim os decisores do processo definirem -, a viabilidade dependeria de uma atuação estatal; atuação essa que, neste novo modelo proposto, torna-se prescindível. Explica-se. Primeiro, porque seriam dispensados os movimentos de mutualização - atribuição de títulos patrimoniais - e consequente desmutualização - conversão dos títulos em ações de uma sociedade anônima. Segundo porque, no âmbito da mutualização, isto é, da atribuição de títulos patrimoniais a times e federações, os beneficiados apurariam um acréscimo patrimonial, e, daí, sentiriam (a depender da natureza jurídica de cada um), em razão deste acréscimo, o peso da norma tributária, incidente sobre o evento. Por isso a proposta, contida na Parte II da série, de edição de nova lei que deslocasse (ou diferisse) o pagamento do tributo para o momento da venda dessas ações (oriundas da conversão dos títulos patrimoniais).    Paralelamente, optando-se pelo caminho de constituição de uma companhia pela CBF Associação, proposto neste texto, o mesmo objetivo seria atingido, mas sem que fossem enfrentados certos obstáculos ou demandadas participações estatais. Mesmo assim, e para que o jurisdicionado tenha opções, porém, com reflexos tributários semelhantes, a ideia de uma lei que incentivasse, aliás, não apenas a mutualização e desmutualização da CBF, mas de outras federações, permanece posta, válida e de pé. Seriam caminhos, ou variações temáticas, para se promover o fortalecimento da CBF e a valorização do futebol no (e do) Brasil.
Nas Partes 2 e 3 desta série de textos, em que se ousa propor um grandioso projeto para CBF, tratou-se da mutualização e da desmutualização da CBF, consistentes, respectivamente, na atribuição de títulos patrimoniais da própria CBF a times (clubes e SAFs) e federações, e na transformação da CBF, hoje ainda uma associação sem fins econômicos, em sociedade empresária (no caso, uma sociedade anônima), de modo que aqueles títulos patrimoniais seriam, consequentemente, convertidos em ações de emissão da nova CBF S.A. Ao cabo desses passos, a estrutura societária da recém-constituída companhia seria a seguinte, já indicada na Parte 4 da série:  Além dessa estrutura, já abordada previamente, vislumbra-se outra, que também poderia ser utilizada no âmbito do projeto. Ao contrário da anterior, em que a CBF tem sua natureza modificada - de associação sem fins econômicos para sociedade empresária, ou seja, uma entidade com finalidade econômica -, na estrutura que será indicada a seguir a natureza associativa é mantida. A manutenção da entidade original serve para que se preserve, na CBF Associação, a organização de atividades não profissionais, além da configuração daquela como acionista da CBF S.A. Em resumo, previamente à mutualização, a CBF Associação (portanto, a entidade que existe atualmente) constituiria outra associação sem fins lucrativos e lhe transferiria ativos ligados ao futebol profissional. Em decorrência da transferência, a nova entidade se tornaria responsável por todas as atribuições conferidas pela FIFA e pela Conmebol, além de organizadora de copas e campeonatos, enquanto a Liga Brasileira (introduzida no texto anterior) não estiver formada. Por outro lado, na antiga associação, ou seja, na CBF Associação, ficariam mantidas as funções de interesse nacional e social, além das funções de guarda e de controle da história e da tradição da seleção e do futebol brasileiro, pelos fundamentos que serão expostos ao final deste texto. O gráfico abaixo ilustra a proposição: Na sequência, títulos patrimoniais da nova associação seriam atribuídos à própria CBF Associação, às federações e aos times (processo de mutualização); ato contínuo, a nova associação seria transformada em sociedade anônima (CBF S.A.) e aquelas entidades receberiam, como já se sabe, ações de emissão da CBF S.A. (desmutualização). O resultado é ilustrado pelo seguinte gráfico: Nesse processo, seriam atribuídos direitos especiais de acionista à CBF Associação, que passaria a ser acionista da CBF S.A., conferindo veto sobre determinados temas, a exemplos de (i) reformas de estatuto para modificar número máximo de ações que poderão ser detidas por um acionista e número máximo de votos por acionista, (ii) alteração de denominação, (iii) modificação de signos, cores e outros elementos de identificação da seleção, (iv) cessão ou alienação de propriedade industrial e (v) transferência da sede para o exterior. Também poderia ser assegurado à CBF Associação assento permanente no conselho de administração da CBF S.A. para, em nível administrativo, exercer, quando o caso, os direitos previstos no parágrafo anterior; ou para exercício de voz e voto, mesmo sem veto, em outras matérias sujeitas à deliberação colegiada. A CBF Associação, ademais, na posição de acionista da CBF S.A., receberia dividendos, que podem ser fixados, no estatuto, em montante correspondente a, no mínimo, 25% do lucro apurado. Com tais fluxos de recursos, além de outros oriundos de ativos próprios ou licenciados, a CBF Associação reunirá condições para manter relevância social e econômica, no plano do desenvolvimento do esporte - além, conforme indicado acima, de preservar condições para executar sua função de guardiã de certos elementos culturais e históricos, petrificados estatutariamente. Por fim, com a abertura de capital, a CBF Associação passa a ter opção de (i) vender parcialmente suas ações de emissão da CBF S.A. e verter os recursos para suas finalidades próprias, sem perda dos vetos, ou (ii) mantê-las e perceber, por conta da manutenção, os resultados econômicos correspondentes. O gráfico abaixo ilustra a estrutura alternativa apresentada neste texto:
Como se vem apresentando nesta série de textos um projeto de (e para a) CBF, não se poderia deixar de avaliar suas próprias funções históricas (e atuais) e, conforme as premissas que venham a ser estabelecidas, propor novos caminhos. De modo resumido, a CBF se dedica, no plano do futebol profissional, (i) à gestão da seleção brasileira e (ii) à organização de campeonatos e copas. Dentre ambas as atividades, a principal, mais rentável e glamourosa, é a primeira. Dela se extrai parcela majoritária da receita, do lucro e do poder de influência local e internacional. A segunda, do ponto de vista pragmático, tornou-se, há tempos, um fardo; um fardo porque envolve a gestão de clubes de diversas regiões e divisões, com preocupações e necessidades distintas, em sua maioria sujeitos a crises permanentes, demandadores de recursos e favores. Pior: que deixaram de fornecer, de modo direto, os jogadores, que são as matérias essenciais ao desenvolvimento do principal produto da CBF: a seleção. Afinal, os selecionados costumam vir do exterior, onde terminam a sua formação e abrocham para o profissionalismo. Aliás, a incapacidade de gerir as necessidades locais do futebol - algo que, é sempre bom lembrar, não tem a ver com o atual Presidente, Ednaldo Rodrigues, mas com o arcaísmo secular, do qual ele e qualquer outro será refém - se reflete na performance dos times brasileiros, que deixaram de ter força econômica, tecnologia e tática para competir no plano global. O resultado, apesar do apego do torcedor, que lota estádios para acompanhar jogos independentemente da qualidade e da posição de seu time, não raro em ambientes pouco confortáveis (algo que não se confunde com a problemática elitização do espetáculo), consiste, de um lado, na crise sistêmica, evidenciada pela dívida coletiva da ordem dos bilhões, e, de outro, na oligopolização, produtora de três ou quatros agentes hegemônicos. Ou seja, o futebol no Brasil virou as costas às suas características continentais, que produziram forças locais e regionais e alta competitividade esportiva, e adotou um processo autofágico, indutor de uma outra espécie de competição, de natureza existencial, que estimula condutas individualistas e patrimonialistas, em detrimento de todos os demais pares. Parece evidente, assim, que já não faz mais sentido, no atual estágio do esporte, que se globalizou e se inseriu na indústria do entretenimento, que uma entidade associativa, sem fins econômicos, submetida a um processo político exacerbado, continue a gerir e definir o futuro dos times de futebol, os quais, na prática, são empresas futebolísticas.   Os times, em especial sob essa perspectiva mercantilista, podem (ou devem) se auto-organizar e, mediante a criação de estruturas próprias, específicas e profissionais, promover um profundo processo de reestruturação e reposicionamento de seus produtos. Tal movimento ainda traria um efeito positivo à CBF, que se dedicaria, de modo prioritário, também sob novo estatuto jurídico (resultante do processo de mutualização, desmutualização e abertura de capital), à motivação contemporânea de sua existência, que consiste, como indicado acima, na gestão, com primor, da seleção brasileira. Trocando em miúdos, a CBF "perde valor" com a administração, por exemplo, do campeonato brasileiro e, ao mesmo tempo, os clubes e sociedades anônimas do futebol não conseguem gerar valor, ao menos o verdadeiro valor que têm, e remanescem enjaulados num modelo que, conforme informações veiculadas pela imprensa, não vale praticamente nada no exterior (neste sentido, os direitos de transmissão internacional da série A, em 2023, teriam sido negociados por ridículos US$ 8 milhões). O caminho pressupõe, então, o desmembramento da CBF e a retenção e alocação de especialidades. Consequentemente, a CBF focaria e desenvolveria a seleção brasileira, que deveria ser um dos principais exemplos de softpower do país; enquanto os times, de outro lado, impulsionariam ligas fortes e pujantes, em especial a que chamarei aqui de Liga Brasileira, fruto da reunião e união dos times de primeira e segunda divisões. A Liga Brasileira também deveria se transformar num produto de exportação, influência e posicionamento do Brasil; e não há exagero nessa proposição. A Premier League serve como exemplo. Ela se tornou uma espécie de Hollywood inglesa, que se insere nos lares de cidadãos de aproximadamente 90 países e expressa - melhor do que a Família Real, envolta em crises mundanas -, a cultura e a ambição do país.   De modo suscinto, o gráfico abaixo ilustra como ficaria o modelo acima proposto: Nota-se, no modelo, a relação de cooperação entre CBF e Liga Brasileira, para fortalecimento do sistema como um todo, que geraria, ao final, impactos esportivos, sociais e econômicos, de modo generalizado. Para tanto, as estruturas de controle e societária da CBF, seu papel de guardiã da tradição e da cultura, assim como a função atribuída pela FIFA a uma entidade de administração do esporte, devem ser ressignificadas e compreendidas. E sobre isso se tratará no próximo texto.
O grande dilema da teoria da governação de companhias (ou da governança, conforme termo mal traduzido do inglês), consiste na aderência de proposições de gabinete às realidades de entidades heterogêneas. Aliás, mais do que isso: também envolve a necessidade de adaptação de formulações estrangeiras, construídas para problemas locais, à realidade dos ambientes em que serão introduzidas, como o brasileiro. A falta de sensibilidade, ou melhor, a utilização dogmática da matéria, inclusive por quem a conhece, mas que pretende encobrir uma série de imperfeições por detrás de um conceito mercadológico abstrato, vem contribuindo para falsear realidades complexas ou insustentáveis. Daí a falibilidade, ou melhor, o fracasso, ainda não admitido no âmbito do mercado, dessa tentativa de construção de um padrão (ou conjunto) de práticas uniformes que sejam extensíveis, de modo geral, aos agentes que dele (mercado) participam. Isso não existe e jamais existirá. Por outro lado, não se pretende, com tais alertas, negar a relevância - ou mesmo a indispensabilidade - da autogovernação das sociedades (bem como de associações sem fins econômicos), que pode ser construída a partir da boa doutrina, local ou internacional, isenta e não capturada por interesses específicos. Nesse sentido, um botequim de esquina - sem qualquer demérito, ao contrário, dos pequenos estabelecimentos que hospedam a alegria de trabalhadores (ou notívagos) - pode, eventualmente, implementar, dentro de sua realidade, uma governação que lhe propicie uma perspectiva de perenidade; enquanto uma enorme companhia que fornece os produtos ao mesmo botequim, eventualmente, estará sujeita a um modelo interno superficial, que a levará, no tempo, ao desaparecimento. Partindo dessas premissas e, novamente, levando-se em conta os reais avanços propiciados por uma teoria independente, a governação da CBF (de modo amplo e com abrangência sobre todos os órgãos ou estruturas de poder), no âmbito da proposta que vem sendo apresentada nesta série de artigos (envolvendo, pois, sua mutualização, desmutualização e abertura de capital), teria um papel relevante em sua transformação, estabilização e projeção planetária. Em primeiro lugar, com relação à estrutura de capital e às consequentes restrições à apropriação societária por uma ou outra pessoa, mediante, como já se aventou, a oferta de ações a pessoas integrantes de programas de sócios torcedores ou assinantes, apenas como exemplo, de planos de transmissão de jogos de campeonatos disputados no Brasil. Além disso, por meio da imposição de limite de votos por acionista, independentemente do número de ações de que seja titular. E, ainda, a eventual fixação de número máximo de ações por acionista. Em segundo lugar, mas não menos importante, com relação à estrutura interna, mediante a arquitetura de órgãos de administração, consubstanciados em conselho de administração (com ou sem membros independentes), comitês executivos (ou de aconselhamento) do conselho de administração, diretoria (e gerências, inclusive regionais), área de relações com investidores, canais de transparência, comitês temáticos, auditores independentes e conselho fiscal, que reflitam, basicamente, os seguintes aspectos (ou interesses) fundamentais: (i) o desenvolvimento do futebol no Brasil; (ii) o desenvolvimento da seleção brasileira - que, conforme se depreende da realidade atual, está descasado do futebol no Brasil, pois a grande maioria dos atletas selecionados sai cedo do país, é formada fora e "importada" apenas para satisfazer os desejos da CBF (de modo que, em tese, para ela, a própria existência atual de campeonatos profissionais seria desnecessária, desde que brasileiros em fase de formação continuassem a ser exportados para alimentar times europeus); (iii) o desenvolvimento regional por via das federações, que passariam a ter um papel desenvolvimentista inequívoco e atrelado a um projeto nacional; (iv) o desenvolvimento do futebol brasileiro no exterior; (v) a utilização do futebol como instrumento de incentivo à educação formal e à inserção social das pessoas integrantes do sistema; (vi) a afirmação do futebol brasileiro como instrumento de divulgação e de softpower; (vii) a afirmação da atividade como setor prioritário, empregador e distribuidor de renda; e   (viii) o interesse nacional (assim como Hollywood, NBA, K-Pop ou Bollywood exercem em relação aos seus países). No âmbito conceptivo da arquitetura do projeto, para posterior edificação da estrutura, e adequada distribuição de atividades e prioridades, a própria função da CBF e de suas atuações seriam revisadas e ressignificadas, considerando-se dois eixos principais: separação de atividades profissionais e essenciais de outras, auxiliares ou complementares; e atribuições e separações envolvendo interesses da seleção brasileira e interesses dos times de futebol. O tratamento desses dois eixos será objeto do texto da próxima semana.
Os três textos publicados nas semanas anteriores apresentaram, de maneira resumida, os passos sugeridos para implementação de um grandioso projeto de CBF, consistentes, cronologicamente, na sua mutualização, desmutualização e abertura de capital. Os gráficos abaixo indicam a situação atual e os efeitos de cada passo: Além de tais passos, há uma série de aspectos, apresentados no último parágrafo do texto da semana anterior, que devem ser apreciados antes e durante o processo, em especial para que o resultado beneficie a própria CBF, os times, os jogadores, os torcedores, as federações e a sociedade em geral - de modo a evitar a apropriação, por poucos e pequenos grupos de interesse, da riqueza que se produzirá. A mutualização, como explicado em texto anterior, implica a atribuição de títulos patrimoniais, hoje inexistentes, aos clubes ou sociedades anônimas do futebol (e federações). Promove-se, com ela, uma (quase) alquimia jurídico-econômica (expressão inexistente e atécnica), pois se cria, do nada, um patrimônio distribuível e protegido juridicamente, com valor estimável e realizável, em favor dos times e federações. Além - e isso é muito importante - do ingresso de recursos na própria CBF, que poderá utilizá-los para: (i) reforçar o investimento na seleção e na sua expansão como softpower; e (ii) passar a ser uma legítima distribuidora de novos recursos à sociedade, provenientes da geração de lucros da sua atividade. Daí a importância, em primeiro lugar, de fixação de critérios democráticos de atribuição de títulos patrimoniais aos clubes, para que não se promova uma concentração ou um reforço da elitização do futebol no Brasil. Não se propõe, de modo inverso, que clubes sem tradição histórica e com pouca perspectiva de contribuição social e econômica sejam contemplados de modo desarrazoado; apenas se sugere o encontro de fórmulas sensatas e contributivas para a higidez do sistema. Critérios como tamanho de torcida, títulos internacionais, títulos nacionais e outros podem ser levados em conta, dentre, por exemplo, os times que participem ou tenham participado das séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro ou da Copa do Brasil, no ano da própria atribuição dos títulos patrimoniais e nos últimos 5 anos. Ademais, levando-se em conta que a implementação do projeto depende de atuação estatal, em sua função legisladora (algo que não se revela uma novidade ou exotismo brasileiro pois, em todos os países que avançaram em seus modelos de organização do futebol, como Alemanha, França e Espanha, o Estado cumpriu inevitável e legítimo papel de fixador da moldura jurídica essencial à segurança dos agentes e do sistema), certas contrapartidas podem (ou devem) ser arquitetadas. Uma delas envolve a utilização de parte dos recursos futuros, oriundos da venda de ações da CBF, para eliminação parcial, e com desconto, de obrigações tributárias, e alocação de outra parte na melhoria das estruturas de formação de jovens jogadores. Na outra ponta, relativa à estrutura societária da CBF, após sua abertura de capital, alguns aspectos também devem ser considerados. Primeiro, eventual incentivo para retenção e liberação parcial de venda de ações, para evitar movimentos imediatistas e prejudiciais aos times, sem que, com isso, se impeça a obtenção de liquidez imediata. Segundo, no âmbito da subscrição primária, ou seja, na aquisição, por terceiros, de ações da CBF, a escolha de critérios de preferência aquisitiva das ações, que seria atribuída, por exemplo, aos próprios times que pretendam comprar mais ações, a torcedores inscritos em planos de sócio torcedor dos times beneficiários e a cidadãos brasileiros. Terceiro, determinação de limite máximo de ações por acionista, incluindo os times e demais ofertados preferenciais, para evitar concentração de poder ou exercício de controle indesejado. Quarto, obrigatoriedade de revelação do nome do beneficiário final da titularidade de ações de emissão da CBF que superem determinado percentual do capital social da entidade, quando o proprietário for pessoa jurídica, local ou internacional (e, neste caso, obrigatoriedade de indicação de procurador local, com amplos poderes, inclusive de representação). E, quinto, instituição de critérios de vetos quanto à aprovação de matérias que impliquem interesse nacional, cultural ou de outras naturezas, que podem ser exercidos por entidades ou grupos de acionistas (inclusive uma CBF associativa, acionista da CBF S.A., sobre a qual, aliás, se discorrerá em texto específico). Essa estrutura haveria de ser estabilizada por meio da arquitetura de um modelo próprio de governação, que será objeto do próximo texto desta série.
quarta-feira, 6 de março de 2024

Um projeto grandioso para CBF - Parte III

Na parte final do texto publicado semana passada neste espaço, afirmou-se, de modo resumido, que uma das belezas da mutualização consistiria na atribuição de títulos patrimoniais da CBF aos clubes e federações. Em decorrência dela, os beneficiários incorporariam aos seus patrimônios ativos valiosíssimos que, atualmente, não existem. Os efeitos parecem, a esta altura, evidentes. Dentre eles, a criação, do "nada", de um conjunto patrimonial bilionário - sem exagero -, representativo do valor extrínseco da CBF, distribuível entre (i) os clubes, que o utilizariam para reduzir passivos, inclusive com o fisco, e para desenvolver a atividade futebolística no país, e (ii) as federações, que deveriam, no plano regional, promover tal desenvolvimento.   Paralelamente, a CBF também se capitalizaria ainda mais, com o ingresso de recursos primários, e se beneficiaria de uma estrutura de governança poderosa, de modo a liderar um movimento pioneiro no plano global. Antes de tudo isso, um derradeiro passo haveria de ser dado: a desmutualização da própria CBF. Explica-se. A criação de títulos patrimoniais e a sua consequente atribuição aos clubes e federações, apesar de aumentar o patrimônio de cada entidade, não viabilizariam a circulação, dos títulos recebidos, dentro ou fora do sistema do futebol. Eles permaneceriam enclausurados nos balanços contábeis, sem consequências econômicas. Dentre outros motivos, porque associações civis, sem fins econômicos, como a CBF, não podem distribuir excedentes (lucros) aos seus associados; e seus títulos não são negociáveis (sob regras atrativas aos proprietários e, ao mesmo tempo, aos possíveis adquirentes). Deve-se, pois, inicialmente, conferir a esses títulos uma nova feição (ou natureza) jurídica. Mas não basta que os títulos da associação sejam submetidos a um processo transformacional; antes, a própria entidade deve se transformar também para, a partir daí, viabilizar a conversão daqueles títulos em ações (que seriam, as ações, pois, a nova expressão jurídica dos títulos associativos). A ideia não é nova e encontra precedentes bem-sucedidos na história recente: as desmutualizações da Bolsa de Valores de São Paulo e da Bolsa de Mercadorias & Futuros. Ali se viabilizou, em ambos os casos, a passagem do modelo associativo ao societário, com o surgimento de novas companhias, cujos capitais passaram a ser divididos em ações, distribuídas entre seus antigos mutualistas, que se converteram, portanto, em (felizes e milionários) acionistas. Na sequência, as novas companhias promoveram seus próprios registros de emissoras de valores mobiliários e, por fim, os registros de ofertas públicas de distribuição de ações, para viabilização da abertura de seus capitais. Com isso, aquele patrimônio, antes ilíquido e pouco valorizado, carregado ao longo de anos ou décadas pelas corretoras associadas à bolsa, encontrou, no mercado, uma liquidez sem precedentes, e facultou a cada um de seus proprietários a oportunidade de realizar vendas parciais ou totais de ações - e, em muitos casos, de embolsar dezenas ou centenas de milhões de reais. De volta ao mundo do futebol, a proposta que se reapresenta, nesta série de textos, tem o mesmo objetivo: a desmutualização da CBF implicaria a atribuição aos clubes e federações, como indicado acima, de determinadas quantidades de ações de emissão de uma companhia (a CBF) que, na origem, seria fechada. A companhia CBF, ato contínuo, promoveria sua abertura de capital e, neste momento, além de atrair novos recursos para si, mediante oferta primária, para aplicação no reforço e na afirmação da seleção brasileira, também viabilizaria a venda parcial ou total, pelos mencionados clubes e federações, de suas ações. A venda não seria - e jamais será - mandatória; a decisão de manter ou não para si o ativo obtido com o processo inicial de mutualização da CBF caberia a cada clube ou federação, em função de sua saúde financeira, de sua necessidade de obtenção de caixa para pagar dívidas ou de investir na atividade futebolística, bem como de sua percepção de valorização das ações no tempo, atrelada ao resultado futuro da seleção brasileira. Está-se, assim, diante de uma oportunidade histórica. Desde o advento da Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), o Brasil vem atraindo a atenção de investidores locais e internacionais, dos mais distintos perfis. Não à toa a integração ao sistema, em pouco mais de dois anos e meio, de aproximadamente 60 sociedades anônimas do futebol. Ademais, o futebol brasileiro, a despeito do permanente esforço realizado por certa casta cartolarial para destruí-lo - como atividade relevante, como orgulho nacional e como softpower internacional -, ainda é o maior vencedor de copas e o único, no planeta, que reúne atributos que o viabilizariam como sistema autossuficiente. A autossuficiência - no sentido de que, em tese, não depende de elementos exógenos para sobreviver e competir em alto nível, ao contrário dos pares europeus, que se afirmam, apenas, com a importação obsessiva de jogadores trans e multinacionais - se afirmaria e intensificaria com as cachoeiras de recursos que jorrariam, para os clubes, federações e à própria CBF, do processo de mutualização, desmutualização e abertura de capital da CBF.   Um processo inovador e único, sem precedente, com potencial de atrair agentes de todo o planeta. Com uma precificação também única, pois se trata de uma entidade, mais uma vez, única, pois responsável pela seleção brasileira. E que movimentaria uma quantidade também única de recursos, para formação, nada mais, nada menos, do que o maior ambiente futebolístico jamais visto ou concebido na história mundial. Pontos de atenção, porém, devem ser seriamente considerados, durante e após o processo, como (i) a distribuição de riquezas de modo equilibrado (não entre cartolas, evidentemente, e sim entre a própria CBF, clubes e federações, as quais podem, aliás, replicar o modelo, mediante, por exemplo, a mutualização, a desmutualização e a abertura de capital da Federação Paulista de Futebol), (ii) a estrutura de poder resultante e seus instrumentos de pesos e contrapesos e, naturalmente, (iii) a governação da CBF. Sobre esses temas se tratará no próximo texto da série.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Um projeto grandioso para CBF - Parte II

Na parte final do texto publicado semana passada neste espaço, afirmou-se que a Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), pavimentou o caminho para um (monumental) projeto de CBF, que envolve sua mutualização e consequente desmutualização.  Essa ideia já fora apresentada no livro Futebol, Mercado e Estado1 e, posteriormente, em uma série de textos igualmente veiculados nesta coluna. Apesar se não se tratar, portanto, de uma novidade, a ideia ficou adormecida, desde o início dos debates relacionados à SAF e ao novo mercado do futebol. O resgate se justifica, agora, por dois motivos principais. Primeiro, porque seria - ou, melhor, é - o melhor caminho para solucionar, em grandíssimo estilo (e no interesse coletivo), a crise estrutural que abalou o futebol brasileiro (a qual, importante repisar, não foi causada pelo atual Presidente Ednaldo Rodrigues e da qual a entidade não sairá, sem sequelas indeléveis, enquanto mantido o secular modelo distributivo de poder). Segundo, porque viabilizaria o surgimento, quase como num toque de mágica, de patrimônio bilionário, a ser distribuído entre federações e times (clubes ou sociedades anônimas do futebol). Parte-se, para explicação do modelo, da seguinte premissa: os times não são associados, conforme conceito jurídico, da CBF. Em outras palavras, não são proprietários de títulos patrimoniais da entidade. A premissa foi extraída da análise de balanços e demonstrações financeiras disponibilizados na imprensa oficial por mais de uma dezena de associações ou sociedades anônimas do futebol. Por tal motivo (ou seja, a ausência de relação associativa ou de propriedade), a vinculação com a CBF se estabelece por força do estatuto da entidade, que atribui votos múltiplos aos times, conforme qualificação para participar da primeira ou da segunda divisão. Olhando-se pelo outro lado da mesma moeda, o time que não estiver qualificado não vota, de modo que o voto (precário) serve como uma espécie de prêmio político para os times que participarem das duas principais divisões do campeonato brasileiro de futebol. Inexiste, pois, um sistema de transferências patrimoniais entre os que sobem e os que descem de divisão, ou de suspensão de direito político e manutenção da propriedade, nas mesmas circunstâncias. Extrai-se, de tudo isso, que os times não são donos da CBF; são, talvez, usuários. Daí surge a inevitável pergunta: quem, sob o prisma jurídico, é o seu dono (ou quem são os seus donos)? A resposta intuitiva parece óbvia: as federações. Mas o estatuto da própria CBF e a falta de informação pública acerca do tema - ao menos que se tenha conseguido localizar em pesquisas independentes - não autorizam a defesa contundente da afirmação. Primeiro, porque o art. 15 prevê que são "filiadas da CBF as (...) entidades regionais de administração do futebol (...)"; logo, o emprego do verbo "filiar" afasta a noção de propriedade (ou associativa) que remeteria ao conceito de dono (ou dona), mesmo que em coletividade. Segundo, pela falta de evidência pública de que as federações são proprietárias de títulos da associação, assim como uma pessoa física é, por exemplo, do Paulistano, do Esperia ou do Pinheiros (também associações civis). A partir do cenário apresentado, o (grandioso) projeto consiste na atribuição e distribuição de títulos patrimoniais da CBF aos times, conforme critérios homogêneos e heterogêneos (dentre os primeiros, por exemplo, a distribuição de um número de títulos igual a todos; com relação aos outros, variações em função de aspectos como títulos nacionais, torcida, audiência etc.). O mesmo caminho se trilharia em relação às federações, que, proprietárias ou não, também seriam contempladas com a distribuição de títulos da entidade. Ao cabo das operações, terá se operado uma espécie de alquimia, pois entidades vinculadas, antes, apenas pelo êxito esportivo, ou desvinculadas pelo fracasso, mesmo que momentâneo, passarão a sustentar uma relação estável, ao menos no plano patrimonial, e terão a possibilidade de, em algum momento futuro, converter a propriedade adquirida em recursos financeiros para pagamento de dívidas ou para financiar a própria atividade futebolística. E, no caso das federações, de direcionar os recursos para desenvolvimento do futebol em âmbito regional. Essas são, de modo muito sucinto, as belezas da mutualização - que consiste, pois, na atribuição de títulos patrimoniais de uma associação (a CBF) aos clubes e federações. Como nem tudo são flores, a atribuição de títulos implicará um acréscimo de patrimônio que poderá, conforme natureza do time, atrair a incidência da norma tributária. Porém, dado que o time somente observará os efeitos econômicos do acréscimo após a desmutualização da CBF - tema, aliás, do próximo texto -, mas o peso tributário seria sentido logo na origem desse acréscimo patrimonial, a solução consistiria na promulgação de uma lei, de interesse nacional, voltada à regulação do tema, para permitir a geração, como demonstrado acima, de uma riqueza atualmente inexistente. O objetivo da lei consistiria no diferimento da obrigação tributária, isto é, do dever de recolher ao erário o tributo advindo do acréscimo patrimonial, deslocando esta obrigação para o momento da liquidação do título patrimonial recebido no âmbito da mutualização. A lei, aliás, não se dirigiria apenas à CBF - e nem poderia -, mas também às associações de administração em geral, que poderiam aproveitar a oportunidade e replicar o modelo regionalmente. Assim se operaria uma rara união público-privada para o desenvolvimento de ambiente gerador de riquezas e indutor de negócios que produzirão empregos, serviços, tributos e distribuição em larga escala. Na próxima semana serão abordadas a desmutualização e suas consequências. __________ 1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. - São Paulo, Quartier Latin, 2016.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Um projeto grandioso para CBF - Parte I

Futebol é coisa séria. Uma atividade global. Aliás, a maior atividade de entretenimento do planeta. Em países como o Brasil, a única (ou uma das únicas) com potencial de induzir a refundação das bases da sociedade e de viabilizar a ascensão e a inserção das camadas populacionais menos favorecidas. Paradoxalmente, governos não ligam para o futebol. Ou melhor, se preocupam apenas com movimentações populistas, em favor de governantes que se aproveitam do esporte para projetos políticos ou pessoais, ou de cartolas alinhados a interesses eleitorais. Daí o surgimento da nociva proposição, repetida por gerações, de que o futebol é a coisa mais importante das menos importantes. Proposição essa que serve apenas como espécie de opioide, turvador da percepção coletiva a respeito da grandeza, da utilidade e da relevância do futebol. A turvação se expande para temas que envolvem a CBF e atinge níveis de cegueira sempre que a ideologia e o oportunismo se manifestam. É o que vem ocorrendo, com recorrente frequência, desde a emersão da crise política que se evidenciou com o afastamento e o retorno do atual Presidente, Ednaldo Rodrigues, e, simultaneamente, com os péssimos resultados em campo das seleções principais e de base. Ali, o problema não é de conjuntura ou tem nome e sobrenome. A origem é estrutural. Para curá-la não adianta a prescrição de remédios paliativos, redutores de efeitos. A solução envolve, pois, a compreensão das causas e a reformulação dos propósitos existenciais da entidade e de seu papel na sociedade brasileira. São esses os enigmas que governos e entes privados não quiseram, por diversos motivos, desvendar. A CBF é uma associação civil, sem fins econômicos - isto é, seus excedentes não podem ser distribuídos na forma de dividendos aos seus associados -, que organiza, de modo resumido, a seleção brasileira e as disputas nacionais entre times. Seu colégio eleitoral atual abrange as federações estaduais, com votos múltiplos, e os clubes de primeira e de segunda divisões, com votos múltiplos reduzidos e singulares. Os votos de cada federação são inabaláveis e têm peso 3, enquanto os dos clubes se atrelam aos resultados esportivos: voto de clube da primeira divisão tem peso 2 e, de segunda divisão, peso 1. Compõem o quadro associativo da CBF 27 federações, que somam 81 votos. Paralelamente, os 40 times, de ambas as divisões, computam 60 votos. Nessa construção estatutária, a Federação Tocantinense (ou de qualquer outro Estado) pesa, vale ou manda mais do que o time do Flamengo (ou qualquer outro clube ou SAF da primeira divisão). Por se tratar de entidade privada, ela escapa ao controle de órgãos estatais ou privados externos. Todo o controle de fato se opera no âmbito estatutário, e se realiza por órgãos internos, controlados ou embrenhados na estrutura de poder e de interesses federativos e confederativos. O poder emana, formalmente, e se estabiliza no âmbito das federações - mesmo que, do ponto de vista material, possa ser manipulado por um ou outro agente integrante de órgão diretivo, ou não (um presidente, um ex-presidente ou um consultor, por exemplo).  Essa estrutura provou seu esgotamento. E os resultados, em qualquer plano (político, esportivo etc.), atestam a afirmação. As seleções brasileiras deixaram de impor reverência aos seus adversários e colecionam, há mais de uma década, vexames; e os principais times locais, apesar da paixão de seus torcedores, não rivalizam com os pares europeus (que deixaram de ser pares e assumiram posições superiores). Sob outro prisma, a CBF chama mais atenção por conta de mazelas internas, envolvendo corrupção, conflitos de interesse, golpes e contragolpes, do que pelo papel desenvolvimentista do esporte, que deveria desempenhar. O modelo associativo, com raízes federativas, não será capaz de recobrar a confiabilidade local e internacional, e recolocar o futebol no trilho do desenvolvimento e do protagonismo. Há, porém, caminhos grandiosos (para evitar a outra adjetivação que se preferiria utilizar, qual seja, "épicos"), que não apenas viabilizariam o redirecionamento histórico como, tão ou mais importante, contribuiriam para formação do maior ambiente (ou mercado) futebolístico do planeta. Curioso, novamente, que essa perspectiva não atraia o interesse do Estado. Não - e jamais - no papel de interventor, mas de regulador e fomentador de políticas públicas indutoras e viabilizadoras da transformação estrutural. Sem a sua contribuição (e atuação), o modelo patrimonialista continuará a se sobrepor aos interesses coletivos e da Nação, em favor, como sempre se operou, de um pequeno grupo de privilegiados. A Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) - a quem se deve atribuir os méritos da iniciativa transformadora, apesar das resistências que ainda hoje se articulam - anunciou um possível novo período de prosperidade no âmbito clubístico e, implicitamente, começou a pavimentar o caminho para um (monumental) projeto de CBF, que envolve sua mutualização e consequente desmutualização.  Algo que, se (e quando) realizado, não apenas gerará, quase como num toque de mágica, riquezas aos clubes e, para a própria CBF, uma estrutura de capital, de governança e de controle que a colocarão (pode-se apostar), de modo positivo e exemplar, no centro da atenção planetária. Sobre as belezas da mutualização e as consequências da desmutualização, e de como o público e o privado podem se unir para promover um magnífico projeto de interesse nacional, a próxima edição desta coluna tratará a respeito.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Qual é a melhor SAF?

Parte-se, na formulação deste texto, das premissas adotadas no artigo publicado semana passada nesta coluna a respeito do suposto melhor modelo de constituição de SAF. As premissas, se fossem verdadeiras, poderiam levar, num exercício de raciocínio lógico, ao ranqueamento das melhores sociedades anônimas do futebol. Surgiriam, assim como logo surgirão, ranques, positivos ou negativos, a apontar as melhores e as piores, sem levar em conta as raízes dos resultados esportivos, e que tendenciariam (como também tendenciarão) a construir artificialidades - algo que não impede o reconhecimento de projetos bem-sucedidos e, no limite, premiá-los. Em outras palavras, eventuais comparações entre, apenas como exemplos e sem promover qualquer juízo de valor, Galo e Vasco, Bahia e Coritiba, ou entre clubes mais próximos, como Cruzeiro e Galo, não se sustentam sem que os elementos objetivos de cada um sejam neutralizados ou equiparados, hipóteses que, em si, artificializariam o próprio resultado. Ainda mais imprudente se revelam - ou se revelaram - as tentativas de imputação de fracassos às sociedades anônimas do futebol, durante o ano de 2023, com a criação de um certo ranking invertido e negativado. Além do pouquíssimo tempo de existência, que afeta a capacidade de reorganização e estruturação, não se pode desconsiderar a situação pretérita de cada clube e as evoluções promovidas a partir da introdução do modelo de SAF. Alguns exemplos ilustram a proposição. Determinado e respeitadíssimo jornalista afirmou, na véspera da primeira aparição do Botafogo no campeonato brasileiro de 2023, contra o São Paulo, que ali se faria um jogo de 6 pontos - ou algo assim -, pois ambos lutariam na tabela de baixo, eventualmente contra o fantasma do rebaixamento. Ali, no início de 2023, se iniciava o primeiro ano completo e minimante estruturado da SAF constituída por investidor internacional do Botafogo. A descrença ainda se sobrepunha à (boa) esperança. Se o time tivesse feito uma campanha com vitórias e derrotas, com altos e baixos, e chegado, ao final, na sexta posição, com uma vaga de acesso à Copa Libertadores, teria sido aplaudido e os resultados do novo modelo, justamente enaltecidos. Como, porém, o time foi de uma campanha triunfal, no primeiro turno, às trevas, no segundo, o reconhecimento do trabalho em curso se perdeu na estupefação coletiva. Mesmo raciocínio vale para o Cruzeiro, pioneiro no mercado da SAF e, daí, desbravador, com acertos e erros, dos caminhos trilhados, depois, por outros clubes. Seu CEO, Gabriel Lima, afirmou, em 2022, logo após a ascensão à série A, que o objetivo, em 2023, seria manter-se nela - logo, neste ano, ainda não haveria pretensão a título. Com o objetivo alcançado, o time poderia, a partir de 2024, acessar mais recursos e, num futuro próximo, conforme planejamentos qualificados, almejar novas conquistas. Ele conhecia o ambiente de putrefação assumido por Ronaldo Nazário, o salvador, e a complexidade dos desafios que enfrentariam. O Cruzeiro lutou, parte do ano, contra o rebaixamento, mas, ao final, não apenas se manteve na elite como se classificou para a Sul-Americana. A SAF foi bem em sua primeira temporada na série A? Comparando-a com os anos de glória e de conquistas nacionais e internacionais (que, paradoxalmente, foram responsáveis pela decadência futura), não; por outro lado, levando-se em conta a realidade por ocasião de constituição da SAF e de início do projeto de reconstrução, em que o clube não apenas não encontrava forças para subir para a série A como namorava a série C, sim, foi maravilhosamente bem - ainda mais pela implementação dos alicerces da nova estrutura. O Bahia também foi objeto de incompreensão durante o ano de 2023, no tocante aos propósitos de seu investidor, o poderoso e vitorioso Grupo City, e, assim, suas qualidades colocadas em dúvida. Devia estar evidente, porém, que a pressa não era o combustível do investimento. Primeiro, se viveria um período de compreensão da realidade local, das pessoas, do futebol no Brasil e das perspectivas que se abririam com ações mais estruturadas, após a obtenção de alguma experiência e conhecimento do ambiente; depois, se passaria à construção de uma nova fase na história do time. É verdade que os planos quase se retardaram por conta do rebaixamento evitado na última rodada, mas isso não impediria, com talvez um ano de atraso, que movimentos ambiciosos se iniciassem, adiante. Também é verdade que, aparentemente, o Bahia não receberá investimentos para que se insira, de modo estável e permanente, entre os quatro do Brasil - ou será que, com o tempo, a ambição mudará e o objetivo passará a ser, sim, como o Manchester City, o protagonismo nacional e internacional, ao menos latino-americano? Ao que tudo indica, terá recursos e estrutura para, no médio prazo, se fixar entre as principais forças nacionais, com protagonismo regional. Seria (ou será) isso pouca coisa para um time que, historicamente, com poucos anos de exceção, luta para, prioritariamente, manter-se na série A?   Ou ainda o caso do Galo, que não ganhava um campeonato brasileiro desde 1971 e, ainda sob a forma de associação, porém, com recursos externos que se introduziram e permaneceram com a constituição da SAF, voltou ao topo, e, com ela e apenas com ela, deverá estabilizar uma situação que poderia ter desandado e se aproximado do pesadelo cruzeirense. Aliás, mais: que passou, a SAF do Galo, a oferecer aos seus torcedores a perspectiva anual e real de títulos relevantes, nacionais ou internacionais. Qual delas seria, pois, a melhor SAF? A pergunta, que se repete aos quatro cantos, não tem utilidade prática, exceto para preencher rankings ou criar artificialidades, como afirmado acima. Será melhor ou serão melhores as sociedades anônimas do futebol que, no curto e longo prazos, alcançarem os objetivos esportivos e econômicos traçados no âmbito de suas concepções, que poderão (ou deverão) ainda ser ajustados em função das realidades positivas ou negativas que se apresentarem ao longo da jornada.
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Qual é o melhor modelo de SAF?

A sociedade contemporânea adora criar sistemas avaliativos, na maioria das vezes envoltos em critérios subjetivos de premiação, que se retroalimentam e, ao mesmo tempo, estabelecem padrões de referência, de conduta e de consumo. Cientistas, jornalistas, matemáticos, médicos, advogados, pacifistas e - não poderiam ficar de fora - futebolistas competem, com regularidade, por prêmios e láureas. Tal adoração - ou alucinação - provocou, ao final de 2023, uma série de ensaios relacionados às sociedades anônimas do futebol ou aos seus modelos, influenciados pelos momentos vividos por cada uma delas. Tentava-se, com frequência, indicar a melhor e, naquele momento, a pior SAF. De modo geral, não se promoveu um necessário exercício metodológico para segregar argumentos inconciliáveis (mesmo que, em algum plano subjetivo, eles possam ser interseccionados): a SAF em si (e seus resultados em campo) e o respectivo modelo adotado para passagem do sistema associativo ao empresarial (sob a forma de SAF). Sobre a melhor (ou a pior) SAF, tratar-se-á em outro texto. Neste, o foco será a modelagem. A Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), foi concebida com a expectativa de oferecer meios jurídicos de enfrentamento de um problema estrutural secular, que ainda obstaculiza a introdução (e aceitação) do futebol como atividade essencial ao desenvolvimento social e econômico da nação. Olhando-se para o outro lado da mesma moeda, o futebol não tem o reconhecimento político e a participação na economia que lhe emprestem a devida relevância; talvez pelo fato de, historicamente, acumular dívidas que são pagas indiretamente pela sociedade, além de outros fatores maculadores, como falta de transparência, controle e casos de corrupção. Esse conjunto de coisas não representava o único desafio por ocasião da formulação da Lei da SAF. Outro, igualmente grandioso, e exclusivo do Brasil, apresentava-se e dificultava a realização de estudos comparativos: a quantidade de clubes em atuação, registrados na CBF, espalhados por todas as regiões e com as mais distintas situações e condições patrimoniais e financeiras. Mesmo assim, foram estabelecidas as seguintes premissas norteadoras do processo: a lei introdutora da SAF não poderia privilegiar um ou poucos times, grupos de times, estados ou regiões. Ela deveria ser elástica o suficiente, e ao mesmo tempo confiável em sua estrutura, para viabilizar de pequenos a grandes negócios e investimentos, direcionados a toda sorte de clube. Nascia, com o advento da Lei da SAF, um instrumento, de natureza legislativa, que, pela primeira vez na história, sinalizava uma política pública voltada ao financiamento da atividade futebolística e, principalmente, para formação do mercado do futebol, sem privilégios a qualquer grupo de interesses (ou de poder). Nesse ambiente, cujo arcabouço regulatório ainda está em construção - afinal, a própria Lei da SAF ainda se encontra em processo de acomodação e compreensão -, negócios começaram a ser entabulados e, a partir deles, uma nova e salvadora perspectiva se abriu, com resultados imediatos. Paradoxalmente, o imediatismo, sobretudo analítico, turva, porém, a compreensão da realidade, ou melhor, das realidades que induziram a realização de um ou outro negócio, e continuarão a embalar os projetos vindouros. Daí a impertinência comparativa entre modelos adotados para constituição de sociedades anônimas do futebol. É evidente que se pode, sobretudo a posteriori, analisar e apontar acertos e erros, cometidos em quase todo tipo de processo. Muitos deles, no tocante aos erros, decorrentes da urgência de uma solução imediatista ou, lá atrás, do desconhecimento da própria lei. E que foram eventualmente corrigidos. Tais elementos não se confundem, porém, com as características únicas de cada clube e de suas situações, motivadoras da adoção de modelagens próprias e, por essência, inaplicáveis, de modo integral, a concorrentes. Por isso que, como exemplos, Cruzeiro e Galo seguiram caminhos distintos, assim como Bahia e Fortaleza também adotaram vias muito particulares. E o mesmo vale para as outras dezenas de sociedades anônimas existentes no sistema, tais quais Coritiba, América/MG, Ferroviária, Botafogo, Vasco, América/RN e Gama. Tal diagnóstico autoriza a formulação de duas conclusões: (i) a Lei da SAF, em seus poucos anos de existência, já revela sua eficácia geral, abrangendo todo tipo de jurisdicionado, sem privilegiar maiores ou mais ricos - e, desta forma, incentiva a ascensão esportiva e a desconcentração de riquezas; e (ii) a tentativa de ranqueamento, a partir de modelos de passagem, ainda mais em tão curto prazo desde o início de operações de SAF, consiste em exercício estéril, sem utilidade prática, pois, para que tivesse alguma seriedade, haveria ao menos de equiparar os pontos de partida, que são (ou eram) as realidades de cada clube. Algo que, todos sabem, não há como se fazer. Portanto, cada time deverá seguir, sem complexos ou preconceitos, o seu caminho e, ao longo dele, corrigir os eventuais equívocos originais ou supervenientes, os quais, estes sim, merecem ser apontados e redirecionados.
A PEC 45, votada e aprovada pelo Congresso Nacional, promoverá drásticas mudanças no sistema tributário nacional. No âmbito de sua tramitação, foi proposta uma Emenda Aditiva pelo Senador da República, Carlos Portinho (PL/RJ), com o propósito de incluir as atividades desenvolvidas pela Sociedade Anônima do Futebol (SAF) dentre aquelas que poderão ser contempladas com regimes especiais de tributação, nos termos de lei complementar. De modo resumido, a emenda pretendia, como de fato logrou, garantir a manutenção e o desenvolvimento do novo mercado brasileiro do futebol, que começou a se formar a partir do advento da lei 14.193/2021 (Lei da SAF), de autoria do Senador da República e Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Com a criação do mercado brasileiro do futebol, o setor iniciou o processo de passagem do modelo associativo, notabilizado pela secular dependência de benefícios e perdões fiscais, para o modelo empresarial, necessariamente contribuinte e pagador de tributos. Daí a importância, ou melhor, a crucialidade da preservação da Lei da SAF, que já estimulou a constituição de 58 SAF's, espalhadas pelo país, e vem atraindo investidores locais ou internacionais, dos mais distintos perfis.   Aliás, não custa lembrar: é notório que, além dos atributos econômicos, o esporte é uma ferramenta valiosa para inclusão social e educacional, e para construção da cidadania. No caso do futebol, talvez seja o mais poderoso instrumento de inserção e de unificação. E isso somente se alcançará, com efetividade, se a lógica patrimonialista for substituída por outra, contributiva e participativa. Esse era o movimento que poderia ter sido interrompido caso a PEC 45 não tivesse sido sensível à relevância que o novo mercado do futebol já tem - e terá, de modo amplificado, no curto prazo. Lembre-se, a propósito: a despeito de o futebol ter se transformado na mais intensa atividade de entretenimento do planeta, operada de modo preponderante por sociedades empresárias, no Brasil ela persiste, em sua maioria, dominada pelo associativismo amador e deficiente sob a perspectiva tributária. Antes da Lei da SAF - e ao contrário de caminhos trilhados na Europa e nos Estados Unidos -, o sistema jurídico brasileiro não dispunha de instrumentos regulatórios, societários e tributários para permitir que os times de futebol, por exemplo, pagassem tributos de maneira ajustada e se organizassem do ponto de vista societário, de forma profissional. Ao contrário: o associativismo gerava - e ainda gera - um enorme passivo social e econômico, à conta do contribuinte e do erário. A Lei da SAF, que estabeleceu normas de governança, controle e transparência, e regulou meios de financiamento da atividade futebolística, também instituiu, em contrapartida ao modelo sugador e deficitário, um regime tributário específico e simplificado, com baixa complexidade e tendente a não gerar conflitos entre Fisco e Contribuinte (TEF). O TEF criou, com efeito, as condições para a transição de várias instituições, atualizando o sistema jurídico brasileiro com aquilo que já acontece no mundo e em sintonia com os valores de simplificação, neutralidade e eficiência que orientaram a reforma tributária como um todo. Nesse sentido, investidores que escolheram o Brasil em detrimento de muitos outros centros concorrentes espalhados pelo planeta acreditaram - e ainda acreditam - na segurança jurídica e na confiabilidade das instituições do país. Uma lei recém-criada, com o propósito de instituir um novo mercado, contributivo e participativo, não podia ser rápida e bruscamente transformada; pois, além de afetar projetos de investimento em curso, a mudança das regras do jogo ocasionaria a suspensão ou interrupção de projetos já existentes, alguns de grande porte, inclusive, os quais, em conjunto, implicariam - ou implicarão - mais arrecadação, criação de empregos, desenvolvimento e exposição internacional do país. Por todos esses motivos, o Congresso Nacional fez um golaço, um dos mais importantes da história legislativa em matéria esportiva, ao prever que lei complementar poderá estabelecer regime especial de tributação para atividades desenvolvidas por SAF - o qual, espera-se, seja o próprio TEF, adaptado para exclusão de tributos extintos pela PEC 45 e inclusão dos tributos substitutivos. Por fim, mas com igual relevância: a possibilidade de regime especial assegurado à SAF não gera renúncia de receita, complexidade ou aumento de alíquota. E isso ocorre por uma razão simples: a SAF é o meio para que os times de futebol paguem tributo. Sem ela, como já comentamos acima, o futebol seguiria no modelo tradicional, fora do mercado e sem recolher impostos e contribuições sociais, recebendo, de tempos em tempos, benesses do poder público em forma de anistias e remissões. Não é demais enfatizar: a possibilidade de regime especial para SAF prevista pela PEC 45 viabiliza, a um só tempo, preservação da segurança jurídica e recolhimento de tributo, sem aumento de complexidade ou da alíquota estimada para todos os demais contribuintes. No plano da Câmara dos Deputados, merecem destaque, pela inestimável contribuição ao desenvolvimento do mercado do futebol - e do país -, o Presidente Arthur Lira (PP/AL), o Relator Aguinaldo Ribeiro (PP/PB) e o Deputado Federal Hugo Leal (PSD/RJ). E, em especial, o Deputado Federal Fred Costa (Patriota/MG), que cumpriu uma missão realmente patriótica na defesa de uma atividade e de um regime especial que contribuirão para a transformação social do Brasil.