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A gestão proativa de afastados como estratégia de defesa contra a fiscalização do MPT: O risco real das ações coletivas

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Atualizado em 19 de novembro de 2025 14:17

Introdução: O novo foco do MPT e a doutrina da subnotificação

O MPT - Ministério Público do Trabalho tem intensificado sua atuação, deslocando o foco da mera fiscalização de compliance de NRs - normas regulamentadoras para o combate à subnotificação sistemática de acidentes e doenças do trabalho.

Essa estratégia está alinhada com o Projeto Nacional GAET (Promoção da Regularidade das Notificações de Acidentes do Trabalho), que busca incrementar a notificação de agravos à saúde no sistema previdenciário e no Sinan.

Para o MPT, a subnotificação não é apenas uma infração administrativa; ao revés, ela é um indicativo de falha na gestão de riscos e de um meio ambiente de trabalho inseguro e adoecido. Ao não emitir a CAT - Comunicação de Acidente de Trabalho, a empresa supostamente sonega informações, impossibilitando a vigilância eficaz da saúde do trabalhador e a adoção de medidas preventivas.

O ônus da prova, que em regra cabe ao MPT, é sutilmente invertido. A falha na emissão da CAT é interpretada como um comportamento patronal desidioso e o volume de benefícios previdenciários por incapacidade concedidos pelo INSS se torna a principal prova para justificar o ajuizamento de ACPs - ações civis públicas e a busca por indenizações milionárias por dano moral coletivo.

I. A força probatória do NTP - Nexo Técnico Previdenciário nas ACPs

A principal ferramenta que tem alimentado as ACPs movidas pelo MPT para justificar a subnotificação de acidentes é o NTEP - Nexo Técnico Epidemiológico.

O MPT, por meio da análise de dados previdenciários, investiga empresas que apresentam alta discrepância entre o número de CATs emitidas e os benefícios por incapacidade concedidos. Essa investigação é uma das diretrizes de atuação do GAET Regional.

A. O NTEP - Nexo Técnico Epidemiológico como fato gerador

O NTEP, que presume o nexo causal entre a patologia do trabalhador (CID-10) e a atividade econômica (CNAE) da empresa, é a evidência mais contundente utilizada nas ações coletivas. Ele, na verdade, se trata de uma outorga de competência ao perito do INSS, prevista na legislação previdenciária, para enquadrar por presunção um afastamento por incapacidade como acidentário (B91), ou seja, decorrente do trabalho, independentemente da emissão de CAT pela empresa.

Em um caso recente envolvendo um grande frigorífico em Mato Grosso, a Justiça do Trabalho condenou a empresa a pagar R$ 1 milhão em indenização por dano moral coletivo. A condenação se baseou em um quadro generalizado de subnotificação evidenciado por:

  • Benefícios acidentários sem CAT emitida;
  • Benefícios previdenciários (B31) concedidos com NTEP, mas sem a devida CAT;
  • Afastamentos inferiores a 15 dias com NTEP, também sem CAT.

A condenação do frigorífico, que teve seu inquérito civil instaurado após ser identificado pelo projeto nacional, demonstrou que a ausência de notificação estaria mascarando um meio ambiente de trabalho inseguro, de sorte que a sonegação da CAT é considerada violação do direito humano ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável.

B. O ônus probatório em casos de não-reconhecimento pelo INSS

É importante lembrar que os acidentes de trabalhos, sejam eles comunicados via CAT ou presumidos pelo INSS através do NTP, são a força motriz de dimensionamento da sinistralidade do empregador, responsável pela majoração ou redução da carga previdenciária em razão do FAP - Fator Acidentário de Prevenção, um multiplicador que varia de 0,5000 a 2,0000 e incide sobre o RAT - Risco Ambiental do Trabalho.

Essa metodologia transformou a gestão de SST - Saúde e Segurança do Trabalho de uma questão de compliance para uma estratégica. Empresas com alta sinistralidade pagam mais, podendo dobrar o RAT, enquanto aquelas com bom histórico podem reduzi-lo pela metade.

O NTP é a prerrogativa conferida ao perito médico do INSS para enquadrar um benefício comum (B31) como acidentário (B91), mesmo sem a emissão da CAT pela empresa. Esse enquadramento tem um impacto financeiro imediato (depósitos de FGTS e estabilidade de 12 meses no retorno) e mediato (majoração do FAP/RAT).

Neste contexto, a presunção de nexo causal estabelecida pelo INSS não é absoluta, permitindo que as empresas contestem eventual enquadramento feito pelo perito por meio de procedimento administrativo junto ao INSS.

Ocorre que, tem se verificado na prática um risco ainda maior, pois a atuação do MPT não se limita aos casos em que o INSS estabeleceu o nexo. Existem registros de fiscalização em que o MPT busca atribuir o ônus da subnotificação e responsabilidade à empresa mesmo em situações onde o nexo nem sequer foi reconhecido pelo INSS. A lógica é que o empregador tem o dever legal de notificar o acidente ou doença, sendo a ausência dessa comunicação uma falha primária nos casos de presunção legal relativa de conexão entre a doença e o trabalho.

II. A gestão de afastados como ferramenta de defesa

Para reverter a presunção do nexo e afastar a responsabilidade em uma fiscalização ou ACP, as empresas devem ter uma gestão de afastados que produza prova de fatos positivos, ou seja, que demonstre a inexistência de nexo causal com o ambiente de trabalho e que todas as medidas preventivas foram adotadas.

Em outras palavras, a empresa deve, em razão do que está ocorrendo nessas fiscalizações, manter registros dos casos de afastamento em que não foi emitida a CAT, mas que o CID potencialmente está relacionado com a sua atividade econômica em razão do NTEP.

A. contestação tempestiva do nexo e o enquadramento correto

A principal linha de defesa é a contestação administrativa imediata do nexo acidentário (B91). Para isso, a gestão deve monitorar o sistema do INSS e:

  1. Elaborar relatório técnico: Produzir um relatório médico do trabalho fundamentado, indicando a inexistência de nexo causal, com base na avaliação clínica, ocupacional, estudo do local de trabalho e depoimento dos trabalhadores.
  2. Impugnar o NTEP: Apresentar a impugnação administrativa dentro do prazo, utilizando o arsenal documental de SST (PPRA, PCMSO, etc.) para provar que a patologia não decorre do risco inerente à atividade econômica da empresa.

A manutenção indevida do B91, por inércia da empresa, é interpretada pelo MPT como aceitação da culpa e reforça o argumento de subnotificação.

B. A abrangência das obrigações judiciais: O setor frigorífico em foco

As decisões judiciais contra o setor frigorífico demonstram que as condenações do MPT vão muito além da questão do nexo e abrangem o meio ambiente de trabalho em sua totalidade, com obrigações de fazer e não fazer sob pena de multa.

Em outro caso contra um grande frigorífico no Rio Grande do Sul, que revelou a subnotificação de mais de 3 mil casos de acidentes e doenças, a Justiça concedeu uma liminar que impôs uma série de obrigações de cumprimento imediato, incluindo:

  1. Obrigações de notificação: Emitir CATs para todos os acidentes e suspeitas de adoecimento, e notificar o SINAN;
  1. Obrigações de gestão: Investigar acidentes e doenças com análise clínica e organizacional, sob responsabilidade do médico do trabalho, e reavaliar riscos ocupacionais;
  1. Obrigações de treinamento: Oferecer curso de capacitação aos integrantes da CIPA sobre o método de investigação e análise de acidentes de trabalho. (Esta obrigação também foi imposta ao frigorífico condenado em Mato Grosso).

Além da subnotificação, a mesma fiscalização resultou em outras ACPs com liminares que exigiram:

  • Proteção à intimidade: Garantia de privacidade de trabalhadores durante a troca de uniformes (instalação de cabines/divisórias);
  • Proteção à maternidade: Afastamento emergencial de gestantes de ambientes com ruído excessivo e garantia do direito à amamentação;
  • Práticas ilegais: Impedimento de prática ilegal na concessão do prêmio assiduidade (vedando exclusão por faltas legalmente justificadas).

No caso do frigorífico em Mato Grosso, o juiz estabeleceu que a condenação por dano moral coletivo deveria ser suficiente para desestimular o descumprimento da legislação, sob pena de o ilícito se tornar vantajoso e estimular a concorrência desleal. Além disso, a condenação foi estendida a todas as filiais no estado, demonstrando o caráter coletivo e amplo da decisão.

Conclusão: A gestão como foco na prevenção e defesa

As recentes atuações do MPT e as decisões judiciais demonstram que a negligência com a gestão de afastados e a subnotificação são risco jurídico e financeiro insustentável.

A gestão eficiente e documentada de afastados é o único meio de fazer a prova de fatos positivos e desconstituir a presunção de nexo causal, revertendo o ônus probatório imposto pelo MPT. Ela permite à empresa:

  1. Dominar a informação: Ter pleno conhecimento sobre quais patologias e nexos estão sendo estabelecidos pelo INSS, evitando surpresas em fiscalizações;
  1. Agir tempestivamente: Contestar o nexo acidentário (NTEP) na via administrativa e, se necessário, judicial, antes que a subnotificação seja consolidada como prova de conduta ilícita em ACPs;
  1. Blindagem documental: Utilizar os relatórios e a documentação técnica (PPRA, PCMSO, etc.) de forma ativa, provando a higidez do ambiente de trabalho e o atendimento das obrigações legais, garantindo a defesa não apenas contra a subnotificação, mas contra outras irregularidades no meio ambiente de trabalho.

A gestão de afastados, portanto, deixa de ser uma tarefa administrativa e assume a função de uma estratégia jurídica essencial para proteger o patrimônio da empresa e garantir a conformidade integral perante a Justiça do Trabalho.