Objeto
Na última sexta-feira, 15/8, no lotado e histórico Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco), o GETRAB/USP1 promoveu o evento "O trabalho na era das transições digital, climática e demográfica", oportunidade em que os participantes foram brindados com lúcida e eloquente palestra do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso2, que democraticamente conviveu com protestos contra a pejotização - tendo ao final recebido os manifestantes para o necessário diálogo.
Em sua exposição, após fazer breve sobrevoo pelas diferentes revoluções industriais que transformaram o mercado de trabalho, o ministro Barroso apontou como essas mudanças conduziram o mundo para discussões acerca de novas relações contratuais de trabalho "que protejam as pessoas que compõem o 'novo mercado de trabalho' e que não tenham a rigidez, muitas vezes, da própria CLT'".3
Esse é o fio condutor do diálogo que se pretende aqui estabelecer, colocando-se acento tônico na parte da exposição do presidente do STF que aborda a necessidade de proteção às pessoas no novo mercado de trabalho, e ao mesmo tempo oferecendo segurança jurídica para contratações fora do quadrante do emprego.
Assistindo a conferência - e com a proximidade da audiência pública relativa ao Tema 1.389 - me senti compelido a dar maior publicização à proposta que tenho apresentado em foros acadêmicos4 para criação do art. 3º-A da CLT, inserindo no cenário jurídico nacional a figura do trabalhador economicamente dependente, mas não subordinado - tendo por paradigma o Código de Trabalho (Portugal) e a lei 20/07 (Espanha) - estabelecendo a partir daí direitos mínimos e permitindo que as partes negociem a progressão de direitos, se assim desejarem.
Para esse efeito, me valho dos Anais do XIV Congresso Internacional da Academia Brasileira de Direito do Trabalho5, onde apresentei o tema Novos Contratos de Trabalho - Autonomia x Subordinação: Novos Paradigmas de Proteção, pedindo licença para nesse ato renomeá-lo para "Art. 3º-A da CLT: A dependência econômica como critério para a proteção do gênero trabalho."
Inicialmente, para tanto é necessário brevemente abordar como as transformações impulsionadas pela tecnologia que alteraram a forma de trabalhar, e como isso contribuiu para a ampliar a autonomia do trabalhador, mitigando a subordinação, fazendo surgir diversas novos modelos de trabalho, parte das vezes fora do quadrante do emprego, requerendo a inserção de novos paradigmas de proteção.
Contexto
Com a máquina a vapor e incremento da produção têxtil, a 1ª Revolução Industrial (1860-1960) trouxe a fábrica para a vida das pessoas, inserindo a figura do empresário como detentor do comando.
Veio a 2ª Revolução Industrial (1860-1960), onde um trabalhador era responsável por uma máquina, e a hierarquia totalmente piramidal: "manda quem pode e obedece quem tem juízo". Inexistia autonomia, as tarefas eram repetitivas, a produção massificada e concentrada nas fábricas.6 Para ter uma ideia, já no início da 3ª Revolução Industrial7, um trabalhador que atuava na Alfasud, em Itália, repetia o mesmo movimento 384 vezes ao longo de 8h de jornada, de forma enfadonha e impensada, num movimento robotizado que demorava 75 segundos.
Nesse período, os contratos de emprego pareciam ser perenes. Cada vez havia necessidade de mais mão de obra, e a noção de carreira era iniciar e se aposentar na mesma empresa: "meu pai trabalhou nessa empresa, eu trabalho, e se Deus quiser, meu filho também".
Ocorre que esse cenário começa a ser alterado por alguns fatores concomitantes, que marcaram a Terceira Revolução Industrial (1960-2011).
O primeiro deles - não necessariamente pela ordem - é o modelo de produção da Toyota8 e outras montadoras japonesas que: (a) inserem o operador multifuncional, que atua em mais de uma máquina ao mesmo tempo; (b) passa a terceirizar parte da produção, fazendo com que 75% seja produzido fora da fábrica em empresas satélites, que gravitam em torno da fábrica; (c) são compostos grupos de oito trabalhadores, onde o comprometimento é coletivo9; (d) há diminuição das hierarquias e maior inserção do trabalhador num padrão mais participativo, onde este é parte integrante não só física, mas intelectual, oferecendo sugestões e contribuindo com o seu know-how, do que são exemplos os Círculos de Controle de Qualidade.
O modelo representa um primeiro ganho de autonomia na execução do trabalho, não só mitigando a subordinação, mas tornando o labor mais pensativo, substituindo as ordens quase ditatoriais, pela implementação de regras empresariais.
A segunda causa, e concomitante, é a revolução do computador, inicialmente com os mainframes na década de 1960, e posteriormente mediante a difusão dos computadores pessoais a partir de 1970, que junto com a automação e a robótica propiciaram um salto tecnológico, barateando produtos, democratizando o uso do computador e elevando a capacidade do software.
A substituição do modelo de Henry Ford pelo Toyotismo, no Brasil, com mais intensidade a partir de 1990, gerou a reorganização da produção e, com isso, a redução dos postos de trabalho, balizando uma primeira onda de flexibilização10.
É importante entender o que provocou as transformações no mercado de trabalho, para, a partir daí, tentar fazer alguma projeção - que quase se torna exercício de futurologia num cenário de 4ª Revolução Industrial, haja vista que a combinação dos mundos digital, físico e biológico gera mudanças profundas "na maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos", e "a escala e amplitude da atual revolução tecnológica irão desdobrar-se em mudanças econômicas, sociais e culturais que chega a ser impossível prevê-las".11
Nesse novo tempo se inserem as economias de plataforma, tecnologias disruptivas, internet das coisas, drones, carros e outros meios de transporte autônomo, e a ainda incipiente inteligência artificial que encanta e assusta diante de seu potencial de singularidade.
Empregos em massa parecem fazer parte do passado. Para se ter uma ideia, já na Terceira Revolução Industrial, no ano de 1990, as 3 maiores montadoras geravam 1,2 milhão de empregos e uma receita de 250 bilhões de dólares/ano; ao passo que as gigantes da tecnologia, no Vale do Silício, em 2016, geravam somente 137 mil empregos e uma receita de 1,09 trilhões de dólares/ano, ou seja 8,75 vezes menos empregos e 4 vezes mais faturamento.
A transformação é acelerada, passa-se de pronto de um mundo VUCA (volatile = volátil; uncertaly = incerto; complex = complexo; e incomprehensible = incompreensível) para um mundo BANI (brittle = frágil, pois a certeza de hoje pode ser a dúvida de amanhã; anxious = ansioso, afinal a incerteza causa ansiedade; non linear = não linear, pois a qualquer momento uma disrupção pode mudar a regra do jogo; incompreensible = incompreensível, na medida em que a quantidade de informação disponível prejudica o entendimento do contexto).
Esse novo universo em que a comunicação é instantânea, tudo fica armazenado na nuvem (inclusive a memória humana), a sociedade funciona em rede e o homem é um dependente eletrônico, funde os mundos digital e físico, desterritorializa o trabalho e desmaterializa a produção.
1. A necessária distinção entre subordinação e dependência econômica
Na lição de Amauri Mascaro Nascimento12, a palavra subordinação é de etimologia latina (sub = baixo; ordinare = ordenar), representa o submetimento, a sujeição ao poder de outrem, às ordens de terceiros, numa posição de dependência.
Na mesma esteira, Sérgio Pinto Martins ensina que "a subordinação é o estado de sujeição em que se coloca o empregado em relação ao empregador, aguardando ou executando ordens."13
A legislação brasileira usa o vocábulo dependência, contudo, a doutrina consagra "subordinação".
A dependência econômica é usual no contrato de emprego, mas não regra, afinal há situações em que o empregado não depende do seu salário. E, portanto, não figura como requisito do contrato de emprego. Nesse sentido, a lição de Estevão Mallet:
"A subordinação própria do contrato de trabalho não é, vale a pena realçar logo de início, a simples dependência econômica do trabalhador, decorrente de sua menor capacidade financeira, a impor-lhe a necessidade de trabalhar, para prover sua subsistência..."14
E prossegue explicando a respeito da possibilidade de dependência econômica fora do quadrante do emprego, citando o pequeno empreiteiro que presta serviços a um só tomador.15
Sérgio Pinto Martins aponta o equívoco do uso do termo "dependência" para efeitos de relação de emprego:
"Emprega o art. 3º da CLT a denominação dependência. Este termo não é adequado, pois o filho pode ser dependente do pai, mas não é subordinado. A denominação mais correta é, portanto, subordinação. É também a palavra mais aceita na doutrina e na jurisprudência."
Na lição de Amauri Mascaro Nascimento,
"a palavra dependência pode ser usada em mais de um sentido: o econômico, o técnico e o jurídico, este por mera ilação, mas o provável é que a lei quis se referir à dependência econômica do empregado. Há dependentes econômicos não-empregados, como eventuais e autônomos de baixa renda, e o vocábulo dependência foi substituído, pela doutrina e pela jurisprudência, por subordinação, continuando a lei, no entanto, do mesmo jeito."16 (destaques nossos)
A dependência econômica, por sinal, é ordinária em contratos empresariais quando um dos polos contratantes é mais fraco do que o outro.
Ao tratar do abuso diante da dependência econômica, a Itália, por meio da lei 192/1998, art. 9, item 1, define a dependência econômica nos seguintes termos:
Considera-se dependência econômica a situação na qual uma empresa é capaz de determinar, nas relações comerciais com outra empresa, um desequilíbrio excessivo de direitos ou obrigações. A dependência é avaliada levando-se em conta também a possibilidade real de a parte abusada encontrar alternativas satisfatórias no mercado.17 (tradução livre - grifos nossos)
Em terras lusitanas, José Paulo Fernandes Mariano Pego aponta que
A dependência em função de (relação entre) empresas (unternehmensbedingte Abhangigkeit) surge no quadro de relações contratuais duradouras, que fazem uma empresa estruturar a sua organização atendendo às ligações com outra empresa, de tal forma que a alteração de parceiro comercial teria avultados encargos para a primeira, afectando a sua posição perante os concorrentes.18 (grifos nossos)
Luiz Daniel R. Haj Mussi explica que a dependência econômica pode ser identificada em contratos de sociedades empresárias, uma em relação à outra:
A situação de dependência econômica identifica-se com um particular estado de sujeição no qual se encontram uma ou mais sociedades empresárias em relação à outra empresária. A relação de dependência pode ocorrer tanto a jusante do processo produtivo quanto a montante.19
A situação de dependência econômica em razão de vínculos contratuais entre empresários traduz-se na idéia do "poder relacional" oriundo da perspectiva do contrato de longa duração conjugada com os investimentos exigidos à execução do negócio. Diante desse poder constata-se a inviabilidade econômica de não sujeição às imposições futuras do agente dominante, na medida em que os custos da busca de um novo contrato (custos de saída) seriam elevados e a impossibilitariam.20 (grifos nossos)
O autor prossegue retratando a mitigação da autonomia da vontade.
A situação de dependência econômica nos contratos implica mitigação concreta da autonomia da vontade, imposta pela estrutura contratual (e não necessariamente pelas suas cláusulas). Essa limitação na liberdade de atuação, é fácil intuir, causa impacto em todas as fases do iter negocial (pré-contratual, formação, execução, extinção e pós-contratual), permitindo que a proponente determine o modo como o contrato será executado, invariavelmente em seu próprio benefício.21 (grifos nossos)
Segundo Giuseppe Colangelo, a dependência econômica faz parte de um tecido regulatório refratário a aceitar regras que se insinuam em lugar da autonomia privada a ponto de marcá-las como contratante fraco, preservando-se o pacta sunt servanda.22
2. Subordinação algorítmica: Novas indagações
Buscando a proteção do trabalhador frente às novas tecnologias, o legislador alterou o art. 6º da CLT, inserindo a previsão do parágrafo único de que "os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio."
Fazendo uso desse dispostivo legal, o ministro Alexandre Agra Belmonte apontou em julgado23 que os "algoritmos atuariam como verdadeiros supervisores", de tal arte que os requisitos que caracterizam a relação de emprego não mais comportariam análise tradicional.
Nessa esteira, a ministra Kátia Magalhães Arruda, pontuou que
"pelo fato de a subordinação algorítimica reproduzir os mesmos elementos constituivos da contraposição poder de comando e subordinação, sua presença confere espaço à constatação da existência de subordinação clássica, embora exercida por meios informatizados de organização, direção e disciplina do trabalho diário."24
Na doutrina de Fausto Siqueira Gaia estaria-se diante de uma "subordinação jurídica disruptiva", argumento utilizado pelo ministro Alexandre Agra Belmonte ao abordar o "controle por meio de programação neofordista".
Tratando da subordinação por algoritmo, Paulo Cesar Barra de Castilho aponta que "ao mesmo tempo em que tenta ser dissimulada revela-se como mais densa, intensa e eficaz do que a subordinação clássica", avaliando o trabalhador "contínua e automaticamente por meio de sofisticados sistemas computacionais de gestão".25
Nesse contexto, insere-se a ambivalência da tecnologia, pois ao mesmo tempo em que o computador serve como instrumento de trabalho, também pode ter o condão de propiciar o controle, e até mesmo a gestão da atividade prestada.
Dando amparo ao argumento da subordinação algorítmica, Antonio Aloisi e Valerio de Stefano chamam a atenção dos que estão preocupados em perder o emprego para a automatização, dizendo, antes disso, de fato, a possibilidade é que seja "roubado o trabalho do nosso chefe".26
De outro lado, é inegável que, comparado ao modelo anterior, em geral na economia digital, há maior liberdade (seja de trabalhar ou não; definir horários e dias), assim como os percentuais de ganho são superiores ao modelo tradicional no quadrante do emprego, se assemelhando a um contrato de parceria.
Seria mais do mesmo diante de uma nova realidade provocada pelos impactos da tecnologia combinados com as transformações na forma de prestação do trabalho ou a realidade demonstraria trabalhadores economicamente dependentes, porém, não subordinados?
São trabalhos de igual valor, níveis de flexibilidade, autonomia e participação econômica no resultado da prestação dos serviços ou há diferenças que justificariam direitos aquém dos tradicionais empregados?
A dependência econômica poderia ser utilizada como critério a distinguir os novos e diferentes tipos de relação contratual?
3. Fundamentos de uma proposta
3.1. Justificativa para atuação do legislador
A recomendação 198 da OIT, relativa à relação de trabalho, ao tratar no item I da Política Nacional de Proteção dos Trabalhadores Vinculados por uma Relação de Trabalho, forte subitem 4 prevê que a política nacional deverá incluir, pelo menos, medidas destinadas a "fornecer às partes interessadas, em especial empregadores e trabalhadores, orientações sobre a forma de determinar eficazmente a existência de uma relação de trabalho e sobre a distinção entre trabalhadores assalariados e trabalhadores independentes".
Na mesma esteira, o subitem 5 prevê a responsabilidade dos Estados-Membros por velar que a política nacional assegure proteção efetiva aos trabalhadores especialmente afetados pela incerteza quanto à existência de uma relação de trabalho.
3.2. Tutela do trabalho humano em sentido amplo
Nesse mundo não linear e complexo, faz-se cogente tutelar o trabalho humano em sentido amplo, mediante exploração do conceito de relação de trabalho à luz do art. 114 da CF. Significa dizer, esteja no quadrante do emprego ou fora, a interpretação do art. 114 da CF, com a edição EC 45/04 é de competência da Justiça do Trabalho para o enfrentamento das questões envolvendo as relações de trabalho em sentido lato, do que o emprego é espécie.
Qualquer intepretação que se faça conduz a esse resultado, seja sistemática, pois os demais incisos do art. 114 indicam a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, tais como conflitos de representação entre sindicatos (inciso III) ou mesmo para exame de matérias administrativas (inciso VII); seja gramatical, afinal relação de emprego é gênero, enquanto emprego é espécie desta; ou mesmo axiológica, haja vista a aptidão que o juiz do trabalho tem para apreciar questões que dizem respeito ao trabalho humano.
O mundo do trabalho é mais amplo, tal como propõe o parecer 2/17 do Grupo de Trabalho do art. 29, que ao tratar da proteção de dados pessoais dos trabalhadores, orienta que o termo "empregado" não se restrinja apenas àqueles que possuam contrato de trabalho como tal nos termos da legislação laboral aplicável, argumentando que nas últimas décadas sobrevieram diferentes tipos de relações laborais..."
A Convenção 190 da OIT, logo no art. 2º ao tratar do âmbito de sua aplicação, dispõe que "protege os trabalhadores e outras pessoas no mundo do trabalho, incluindo os trabalhadores tal como definido pela legislação e prática nacional, bem como as pessoas que trabalham independentemente do seu estatuto contratual", aplicando-se a todos os setores, "sejam públicos ou privados, na economia formal e na informal, e em áreas urbanas ou rurais."
3.3. Isonomia
O princípio da isonomia previsto pelo art. 5º da CF dá amparo ao tratamento desigual aos desiguais, na medida das suas desigualdades. Assim, e quando, de fato, se estiver fora do quadrante do emprego, porém, em situação de maior vulnerabilidade, pode-se invocar a concretização dos direitos sociais previstos no art. 6º da CF a todos os trabalhadores, inclusive aqueles fora do quadrante do emprego.
3.3. A dependência econômica como critério de proteção
Serve como paradigma o art. 10º do CT (Código de Trabalho de Portugal) que trata de situações equiparadas, determinando a aplicação do CT também às relações em que a dependência econômica se faça presente, ainda que ausente relação de emprego, quando se trata de normas legais relativas a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho, além de regulamentação coletiva negocial.
Forte da lei 13/23, o CT, inseriu o art. 10º-B para efeito de considerar "haver dependência econômica sempre que o prestador de trabalho seja uma pessoa singular que preste, diretamente e sem intervenção de terceiros, uma atividade para o mesmo beneficiário e dele obtenha o produto da sua atividade de acordo com o disposto no art. 140º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Em Espanha, a lei 20/07 - LETA regula o regime profissional dos trabalhadores autônomos economicamente dependentes, definindo-os, com espeque no art. 11, 1, como aqueles que realizam uma atividade econômica ou profissional a título lucrativo e de forma habitual, pessoal, direta e predominantemente para uma pessoa física ou jurídica, denominada cliente, da qual dependem economicamente por perceber, ao menos, 75% dos seus rendimentos do trabalho e das atividades econômicas ou profissionais.
4. Proposta
Partindo da competência da Justiça do Trabalho para as questões envolvendo o trabalho, já é tempo de a CLT contar com a inspiração do legislador para prever direitos mínimos relativos à saúde e segurança social e previdenciária quando se trate de relações de trabalho em sentido lato, ainda que fora do quadrante do emprego, oferecendo, assim, proteção social para o gênero trabalho, inclusive mediante atuação das representações de trabalhadores.
Destarte, com base nos fundamentos já brevemente delineados27, propõe-se a inserção do art. 3º-A na CLT, sugerindo-se o seguinte texto:
Art. 3º- A. Considera-se dependente econômico aquele que prestar serviços de modo pessoal e direto, habitual e sem subordinação - ainda que como microempreendedor individual -, a tomador de serviços que desenvolva atividade econômica, cuja fonte de renda daí advinda some ao menos valores iguais ou superiores a duas vezes o Regime Geral da Previdência Social, correspondendo a não menos do que 80% (oitenta por cento) dos seus ganhos mensais.
§1º. Caberá ao tomador dos serviços descontar e recolher INSS dos valores pagos ao dependente econômico, aplicando as mesmas alíquotas que informam o contrato de emprego.
§2º. Aplica-se às relações de dependência econômica o Título II-A da CLT - Do Dano Extrapatrimonial.
§3º. Quando a prestação de serviços ocorrer na sede do tomador, aplicar-se-à o Capítulo V da CLT - Da Segurança e Medicina do Trabalho.
§4º. Faculta-se às partes o ajuste de direitos previstos na CLT e legislação esparsa.
Para finalizar, ainda que a relação de emprego seja espécie da relação de trabalho, para evitar celeumas, considerado o Tema 1.389, é importante que o texto constitucional passe a prever que a apreciação das relações de dependência econômica é de competência da Justiça do Trabalho, sugerindo-se emenda constitucional, mediante a qual promova-se a inserção do inciso X ao art. 114 da CRFB com a seguinte redação:
Art. 114, X. as ações em que se discuta a dependência econômica a que alude o art.3º-A da CLT.
É a proposta inicial, que deixei em foros acadêmicos, e aqui publicizo para as devidas críticas, procurando contribuir para o alcance de proteção às novas morfologias do trabalho e, ao mesmo tempo, oferecendo segurança jurídica nas contratações e diminuindo a litigiosidade.
__________________________________
1 Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social - USP, coordenado pelo Professor Nelson Mannrich, Presidente honorário da ABDT (apoiadora do evento) e atual Presidente da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e da Seguridade Social (AIADTSS)
2 Presidida pela Ministra e ex-presidente do TST, membro da ABDT e da Academia Iberoamericana do Direito do Trabalho e da Seguridade Social, Maria Cristina Peduzzi.
3 Disponível aqui.
4 Dentre os quais "Direito do Trabalho no Mundo Contemporâneo, no dia 25.10.2023, na PUC/SP. O último foi perante a OAB/PR no dia 28.07.2025, em debate intitulado Pejotização: Efeitos trabalhistas e previdenciários.
5 Que ocorreu nos dias 19 e 20 de setembro de 2024, em São Paulo.
6 Texto adaptado de: OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Trabalho em ambiente virtual: causas, efeitos e conformação. 2. ed. São Paulo: LTr, 2022, p. 23-51.
7 Os tempos não são exatamente demarcados, sendo comum que países em desenvolvimento vivam diferentes revoluções industriais ao mesmo tempo, consideradas as diferenças regionais.
8 Implementado pelo engenheiro Ohno
9 Se um apresenta falha, ou não comparece ao trabalho, todos deixam de ter resultado econômico, de sorte que a própria figura do gestor fica minimizada, na medida em que cada qual "vigia" o outro do grupo, e, ao mesmo tempo, toma a cautela de não prejudicar ao colega
10 Dentre outros, nova possibilidade de contrato por prazo determinado, modalidade de banco de horas, suspensão dos contratos de trabalho para qualificação profissional e a contratação a tempo parcial (Lei n. 9.601/1998, Medida Provisória n. 1.702-2/98, Medida Provisória n. 2.076/2001).
11 SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. Tradução Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.
12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 23ª ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 612.
13 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 10ª ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 15.
14 MALLET, E. A subordinação como elemento do contrato de trabalho. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, p. 217-245, 1 jan. 2012.
15 Em sentido inverso, também pode haver dependência econômica sem que haja contrato de trabalho, tal como se dá no caso do pequeno empreiteiro que presta serviços a um só tomador e depende dos valores por ele pagos para prover suas necessidades vitais. Enfim, como resumem Orlando Gomes e Élson Gottschalk, ao repudiar a definição do contrato de trabalho a partir da dependência econômica, o critério é falho, pois "não pode ser característico de um contrato elemento que pode existir ou não existir nesse contrato". Por isso, a dependência a que alude o art. 3º, da CLT, não é nem pode ser vista como dependência econômica, como já deixou expresso a jurisprudência (destaques nossos) MALLET, E. A subordinação como elemento do contrato de trabalho. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, p. 217-245, 1 jan. 2012.
16 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 23ª ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 612.
17 Legge 18 giugno 1998, n. 192 - Art. 9 Abuso di dipendenza economica
1. Introduzione. L'abuso di dipendenza economia tra diritto civile e diritto della concorrenza - L' art. 9 della l. 18.6.1998, n. 192, di discipplina della subfornitura nelle attività produttive (d'ora in poi: l. subfornitura), ha introdotto nell' ordinamento italino l'istituto dell'abuso di dipendenza economica.
Ai sensi di quest'articolo:
1. <
2. << L'abuso può anche consistere nel rifiuto di vendere o nel rifiuto di comprare, nella imposizione di condizioni contratuali ingiustificatamente gravose o discriminatorie, nella interruzione arbitraria delle relazioni commerciali in atto.
3. << Il patto attraverso il quale si realizzi l'abuso di dipendenza economica è nullo.
18 PEGO, José Paulo F.M. A posição dominante relativa no direito de concorrência, ALMEDINA, 2001, p. 95-96.
19 MUSSI, Luiz Daniel R. H. Abuso de dependência econômica nos contratos interempresariais de distribuição. Tese (Mestrado), 2007, p. 52
20 MUSSI, Luiz Daniel R. H. Abuso de dependência econômica nos contratos interempresariais de distribuição. Tese (Mestrado), 2007, p. 60
21 MUSSI, Luiz Daniel R. H. Abuso de dependência econômica nos contratos interempresariais de distribuição. Tese (Mestrado), 2007, P.83
22 "D'altra parte, la disparità di potere contrattuale rappresenta un dato costante e fisiologico dei rapporti economici, congênito alla natura stessa del ruvido dipendenza econômica si scontrano com un modelo monolítico ed universalizzante del contrato, che trova il suo referente sociale in um mondo degli affati imperniato su uno schema di relazioni fra uguali: l'idea generalmente accettata è che ciascuno valuti atentamente il próprio interesse prima di concludere il contrato e che,, di conseguenza, quest'ultimo, una volta conclusos, sai assolutamente vincolante. La dipendenza econômica si inserisce,pertanto, in un tessuto normativo totalmente refrattario ad accettare regole che si insinuano nei luoghi sacri dell'autonomia privata al punto da bollarle come "mística del contraente debole". Dopo tutto, nell'antico brocardo pacta sunt servanda continua ad essere incasticamente racchiusa una dele norme fondamentali dela convivenza civile." (COLANGELO, G., L'abuso di dipendenza economica tra disciplina della concorrenza e diritto dei contratti, 2004, p. 6)
23 RRAg-100853-94.2019.5.01.0067, 8ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte
24 TST-RR-1000488-92.2022.5.02.0063, Relatora Min. Kátia Magalhães Arruda
25 CASTILHO, Paulo César Baria de. Subordinação por algoritmo, p. 134.
26 Ogni volta che ci si interroga sulle conseguenze dell'automazione, bisognerebbe tenere i piedi per terra e guardarse attorno. C'é infatti la possibilità che, prima di 'rubare' il nostro lavoro, le teconologie si siano accapare quello del nostro capo (p. 76)
27 E com a ressalva de que se deve substituir o vocábulo "dependência" do art. 3º da CLT por "subordinação".