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Considerações sobre o Termo de Compromisso entre Defensoria Pública de Minas Gerais e Vale S.A. no "Caso Brumadinho": Modelo disruptivo de reparação de danos a direitos individuais homogêneos em situações de grandes desastres socioambientais

terça-feira, 1 de julho de 2025

Atualizado em 30 de junho de 2025 12:49

Em 25 de janeiro de 2019, aconteceu o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, uma das maiores tragédias socioambientais do Brasil, que gerou perplexidade mundial.

Em 2025, o STJ, no âmbito do julgamento do RE 2.113.084/RJ, instaurou Incidente de Assunção de Competência (IAC 18) para a definição da seguinte questão de direito: "caracterização do Termo de Compromisso firmado entre a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e a Vale S.A. como título executivo extrajudicial para o ajuizamento de ações individuais e a legitimidade das vítimas para sua execução."

Na ocasião, discute-se a possibilidade de execução direta, por parte dos atingidos pelo rompimento da barragem, do Termo de Compromisso firmado entre a Defensoria Pública de Minas Gerais e a empresa Vale S.A.

Esse texto tem por objetivo clarificar alguns pontos do Termo de Compromisso e colaborar com a discussão jurídica subjacente ao IAC 18 do STJ.

Para compreender a singularidade do Termo de Compromisso celebrado entre a DPMG e a mineradora Vale S.A., é necessário contextualizá-lo no marco da catástrofe, que exigiu respostas institucionais rápidas, efetivas e adequadas à complexidade dos danos. Exemplos recentes e antigos, como a tragédia ambiental pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana/MG, de 2015, e o desabamento do pavilhão da Expominas, de 1971, até então o maior acidente do trabalho do país1, revelaram certa ineficiência quanto à indenização de direitos individuais homogêneos no processo coletivo.

Diante da urgência e da gravidade da situação, a DPMG atuou junto à comunidade, promoveu escuta ativa dos atingidos e avaliação das alternativas de reparação. Constatada a magnitude dos danos e a vulnerabilidade das vítimas, restou evidente a necessidade de uma resposta eficaz para além da via judicial.

Nesse contexto, em 5 de abril de 2019 - menos de três meses após o desastre - foi celebrado o Termo de Compromisso com a Vale S.A., que estabeleceu um procedimento extrajudicial para promover a reparação de danos morais e materiais às vítimas. O modelo adotado estruturou-se como um mecanismo de conciliação direta entre a empresa e os atingidos, com a intermediação institucional da DP/MG.2

O instrumento em análise não fora concebido como título executivo, judicial ou extrajudicial, para ser manejado por terceiros que optaram - legitimamente, diga-se - por não aderir ao procedimento específico de reparação nele previsto.

O referido Termo de Compromisso apresenta peculiaridades jurídicas próprias, que faz com que sua natureza e funcionalidade se distanciem do tradicional TAC - Termo de Ajustamento de Conduta, previsto na lei 7.347/1985, que, conforme parcela da doutrina3, admite execução por terceiros beneficiários. Aqui, portanto, a primeira observação crucial para sua adequada compreensão, ao mesmo tempo em que revela seu caráter inovador: o TC - Termo de Compromisso não se confunde com TAC - Termo de Ajustamento de Conduta.

O procedimento consiste na análise individualizada de cada demanda, assegurando ampla participação do atingido e garantindo o contraditório material no âmbito extrajudicial. Para conferir objetividade, segurança jurídica e isonomia, o Termo de Compromisso definiu previamente hipóteses de indenização e valores correspondentes, alinhados aos padrões jurisprudenciais e doutrinários consolidados.

A definição de critérios objetivos e valores previamente fixados visou evitar distorções decorrentes de negociações casuísticas, muitas vezes permeadas pela urgência financeira e pela assimetria entre as partes. Ainda assim, a adoção de parâmetros indenizatórios não implicou reconhecimento automático de responsabilidade civil e nem a criação de título executivo, mas sim a implementação de uma via de resolução alternativa dos conflitos, não formalista, célere e voluntária.

Importa destacar que o Termo de Compromisso não contemplou cláusulas relativas à liquidação ou execução judicial, pois sua finalidade não visou a substituição da jurisdição estatal, mas a criação de um caminho alternativo de resolução de conflitos - justiça multiportas4 - em um ambiente de reparação horizontal e humanizado, adequado à superação da crise de direitos vivida pelos atingidos.

Aspecto disruptivo do instrumento foi a aceitação, pela empresa, de meios mais flexíveis de comprovação dos danos, como a possibilidade de suplementação de prova e da aceitação contundente da própria palavra da vítima como meio de prova, notadamente quanto aos danos materiais, compatíveis com a realidade informal de grande parte dos atingidos5, superando as exigências probatórias típicas do processo civil tradicional, o que, de fato, causou "estranheza no meio jurídico, quer pelo seu relativo ineditismo, quer pela eleição de uma nova metodologia para a solução de conflitos envolvendo direitos individuais homogêneos"6. A participação da Defensoria Pública em todas as etapas - da concepção do Termo à celebração dos acordos individuais até a quitação - foi determinante para mitigar as desigualdades materiais entre as partes, assegurando efetividade e legitimidade ao procedimento.7

A via extrajudicial revelou-se solução eficiente, desburocratizada e garantidora de justiça social, conferindo efetividade ao direito fundamental de acesso à justiça por meio de sua dimensão substancial, além, é claro, da própria indenização pelos danos causados.

Dessa forma, o Termo de Compromisso não é autoexecutável por terceiros exatamente porque sua essência não é a criação de um título para execução forçada, mas a promoção de reparações voluntárias, adequadas à complexidade e à urgência da situação vivida, em procedimento extrajudicial a ser realizado pela e com a DP/MG.  

O Termo de Compromisso, em si, não se trata de acordo entre a Vale S.A. e vítimas assistidas pela DP/MG, mas sim negócio jurídico celebrado entre a DP/MG e a Vale S.A. para regulamentar a negociação dos futuros acordos individuais daqueles atingidos que buscarem a assessoria jurídica gratuita da Defensoria Pública e concordarem com os seus termos, sem prejuízo da submissão desses acordos individuais à homologação judicial, principalmente via CEJUSC.

O Termo de Compromisso, portanto, não impede a via judicial para aqueles que assim desejarem8. A vítima que decidir pelo ajuizamento de ação ordinária contra a mineradora assim o faz e se sujeita, positiva e negativamente, aos ditames do processo de conhecimento. Por outro lado, a vítima que optar pela via extrajudicial, por meio da DPMG, sujeita-se também, positiva e negativamente, ao procedimento e parâmetros estabelecidos no Termo de Compromisso, sem as vicissitudes e custos do processo judicial.

Por outro lado, a opção pelo TAC teria implicado a instauração de novas demandas judiciais, com necessidade de produção probatória, liquidação de danos, interposição de recursos e possibilidade de ônus processuais. Frente à magnitude do desastre, à força econômica da empresa causadora e às vulnerabilidades dos atingidos, esse caminho teria resultado, muito provavelmente, em ineficácia prática da reparação.

O Termo de Compromisso firmado entre a DPMG e a Vale S.A. representa um modelo inovador e paradigmático de resposta a desastres socioambientais de grande escala. Longe de se confundir com instrumentos tradicionais como o Termo de Ajustamento de Conduta, sua estrutura foi pensada para promover a superação extrajudicial de conflitos, com foco na dignidade das vítimas, na isonomia das reparações, na celeridade das respostas e, principalmente, na voluntariedade9 da vítima.

Na pesquisa comparada, a doutrina especializada já vem observando essa nova tendência de junção entre as modalidades opt in e opt out de tutela coletiva - notadamente em grandes desastres ou de lesões massivas à consumidores individualmente considerados - em que se revela adequado, em alguns casos, permitir que "os titulares dos direitos individuais ligados à pretensão individual homogênea optem individualmente por aderir ou não, com benefícios de receber os valores indenizatórios de forma imediata, dispensa dos processos de liquidação e execução individual"10. No âmbito do Termo de Compromisso, estabeleceu-se essa "situação intermediária em que mesmo buscando a solução individual extrajudicial, o atingido poderia se beneficiar dos resultados futuros da demanda coletiva, não sendo compelido a fazer uma escolha entre as modalidades de reparação".11

Portanto, transformar o Termo de Compromisso em um Termo de Ajustamento de Conduta é produzir um grave retrocesso na luta pela efetividade e celeridade da reparação civil de direitos, pois transforma um instrumento de resolução extrajudicial de litígios em um instrumento de judicialização forçada de acordos.

Entende-se correto, portanto, o voto do min. relator no REsp 2.113.084, que originou o IAC 18, com propositura da seguinte tese: "1) O termo de compromisso firmado entre a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e a Companhia Vale S.A. não constitui título executivo extrajudicial para a execução diretamente pelas vítimas; 2) As vítimas não têm legitimidade para executar individualmente o referido termo de compromisso."

Ao viabilizar reparações efetivas, com baixos custos, sem litígios e com respeito à vulnerabilidade dos atingidos, o Termo de Compromisso não apenas atende ao direito individual à indenização, mas concretiza o acesso à justiça e a efetividade dos direitos fundamentais. "Em síntese, a DP/MG - Defensoria Pública de Minas Gerais prestou relevante serviço ao acesso à Justiça consensual multiportas no Brasil com vistas ao acesso à ordem jurídica justa e à satisfação de necessidades jurídicas, sem qualquer sobreposição ou óbice ao acesso às outras portas do 'novo' edifício jurídico denominado justiça multiportas".12

O Termo de Compromisso e sua metodologia se consolidam, portanto, como um modelo de sucesso13 para se promover justiça diante dos - infelizmente - corriqueiros desastres socioambientais da nossa era.

Referências

CARVALHO, Leandro Coelho. Solução de conflitos em ambientes dominados por litigantes habituais e os acordos individuais via defensoria pública em Brumadinho. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Direito, 2021 (Dissertação de mestrado).

DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 15 ed. Salvador: Ed. JusPodvm, 2021.

MAIA, Maurílio Casas. Justiça consensual e Defensoria Pública multiportas: o Caso Brumadinho, o acesso à Justiça e as necessidades jurídicas. In.: Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais. n. 6, nov. 2020.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 33ª Ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

MONTEIRO, Paulo Henrique Drummond. A Defensoria Pública e o cotidiano do direito: a memória dos atendimentos dos Defensores Públicos do Estado de Minas Gerais aos atingidos pelo rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão em Brumadinho. São Paulo: Dialética, 2023.

RIOS, Richarles Caetano. Na mesa de negociação: argumentos, critérios e precedentes na construção dos parâmetros indenizatórios. In. Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, nº6, nov. 2020.

SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. A reparação civil na tragédia de Brumadinho: quanto Vale? In. Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, n. 6, nov. 2020.

SILVA, Rodrigo Zouain da. Da atuação da deusa Éris à segurança jurídica: desmistificando o Termo de Compromisso a partir do Termo de Quitação. In: Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, n. 6, nov. 2020.

SOLEDADE, Felipe Augusto Cardoso. As premissas da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais na tutela extrajudicial de direitos coletivos - razões de escolhas para Brumadinho. In. Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, nº6, nov. 2020.

VARGAS, Cirilo Augusto. Apresentação da Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, In. Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, nº6, nov. 2020.

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1 CINQUENTA anos após desabamento do Pavilhão da Gameleira, não houve indenização. G1, Minas Gerais, 5 fev. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/02/05/cinquenta-anos-apos-desabamento-do-pavilhao-da-gameleira-nao-houve-indenizacao.ghtml. Acesso em:?18 jun. 2025.

2 MONTEIRO, Paulo Henrique Drummond. A Defensoria Pública e o cotidiano do direito: a memória dos atendimentos dos Defensores Públicos do Estado de Minas Gerais aos atingidos pelo rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão em Brumadinho. São Paulo: Dialética, 2023, p. 194.

3 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 33ª Ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023, p. 563.

4 Vide art. 1º da Resolução 125/2010 do CNJ, que concebe o "direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade".

5 Vide RIOS, Richarles Caetano. Na mesa de negociação: argumentos, critérios e precedentes na construção dos parâmetros indenizatórios. In. Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, nº6, nov. 2020, p. 200.

6 "Ou seja, o procedimento extrajudicial posto substitui o processo judicial de conhecimento e de cumprimento de sentença, na medida em que a partir de um relatório de danos construído pelo atingido, com o auxílio da Defensoria Pública, a empresa responsável elabora uma proposta baseada nos critérios e parâmetros já consensuados. Essa proposta é submetida ao próprio atingido, que decide se aceita ou não o valor." Vide SOLEDADE, Felipe Augusto Cardoso. As premissas da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais na tutela extrajudicial de direitos coletivos - razões de escolhas para Brumadinho. In. Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, nº6, nov. 2020, p. 116.

7 "Através desse valioso instrumento - confeccionado sob o escrutínio técnico de uma instituição de Estado, com poder de negociação frente ao ente hiperpoderoso - foi possível garantir às pessoas afetadas pelo rompimento da barragem da Mina do Feijão justa (e individualizada) reparação patrimonial dos danos causados". Vide VARGAS, Cirilo Augusto. Apresentação da Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, In. Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, nº6, nov. 2020, p. 3.

8 "Ressalta-se que a possibilidade de reparação apresentada pelo Termo de Compromisso não teve como objetivo exaurir, numerar, restringir, esgotar e taxar os direitos dos atingidos. Tampouco teve a pretensão de ser o único caminho a ser seguido, excluindo os demais, e jamais impôs a solução como a única a ser adotada". Vide SILVA, Rodrigo Zouain da. Da atuação da deusa Éris à segurança jurídica: desmistificando o Termo de Compromisso a partir do Termo de Quitação. In: Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, n. 6, nov. 2020, p. 78.

9 "Os afetados devem apresentar uma declaração com a enumeração dos bens atingidos e os demais danos. A Vale faz uma proposta de acordo, nos limites do Termo de Compromisso, que pode ser aceita ou rejeitada de plano, ou no prazo de três dias. Ultrapassado esse prazo, entende-se pela rejeição da proposta. Previu-se, ainda, um breve período em que os afetados possam exercer o direito de arrependimento." Vide: SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. A reparação civil na tragédia de Brumadinho: quanto Vale? In. Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, n. 6, nov. 2020, p. 132-133.

10 DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 15 ed. Salvador: Ed. JusPodvm, 2021, p. 418. Os autores informam que essa tendência é observada nas Regras Modelo Europeias de Direito Processual e na Diretiva 2020/1828 da União Europeia e, ainda, indicam como exemplo da junção dos modelos opt in e opt out, no Brasil, o acordo dos expurgos inflacionários, homologado pelo STF.

11 MONTEIRO, Paulo Henrique Drummond. A Defensoria Pública e o cotidiano do direito: a memória dos atendimentos dos Defensores Públicos do Estado de Minas Gerais aos atingidos pelo rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão em Brumadinho. São Paulo: Dialética, 2023, p. 197.

12 MAIA, Maurílio Casas. Justiça consensual e Defensoria Pública multiportas: o Caso Brumadinho, o acesso à Justiça e as necessidades jurídicas. In: Revista da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais. n. 6, nov. 2020, p. 149.

13 CARVALHO, Leandro Coelho. Solução de conflitos em ambientes dominados por litigantes habituais e os acordos individuais via defensoria pública em Brumadinho. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Direito, 2021 (Dissertação de mestrado).