A inviabilidade jurídica do dano estético temporário como categoria autônoma indenizável
terça-feira, 22 de julho de 2025
Atualizado em 21 de julho de 2025 08:22
Discussão
A presente análise tem por objetivo discutir criticamente a possibilidade jurídica de reconhecimento do chamado "dano estético temporário" como categoria autônoma de dano indenizável no ordenamento jurídico brasileiro.
Em que pese a crescente tentativa de expansão do conceito de dano estético por alguns setores da jurisprudência, a doutrina mais abalizada, bem como os fundamentos estruturais da responsabilidade civil, impõe limites claros a essa ampliação conceitual.
A construção do dano estético sempre se apoiou na ideia de uma alteração sensível e duradoura da aparência da vítima, que implique em impacto relevante em sua vida pessoal, social ou profissional. A tentativa de abarcar lesões temporárias e reversíveis sob a rubrica do dano estético compromete essa construção e acarreta riscos significativos à coerência e estabilidade do sistema de responsabilização civil.
À luz do que se expôs, não há como admitir, sob a ótica da dogmática jurídica atual, o reconhecimento do chamado "dano estético temporário" como categoria autônoma e indenizável no sistema brasileiro de responsabilidade civil. A proposta de sua aceitação, embora movida por compreensíveis impulsos protetivos, carece de sustentação normativa, conceitual e teleológica.
O dano estético, como figura jurídica consolidada, pressupõe mais do que um incômodo transitório ou uma alteração passageira da aparência. Requer uma deformidade relevante, objetivamente constatável, que interfira de maneira duradoura na imagem, na autoestima ou na inserção social do indivíduo.
Admitir a reparabilidade do dano estético temporário significa desfigurar o próprio conceito de dano estético, fragilizando seus critérios definidores e diluindo sua função dentro do sistema de responsabilidade civil.
Além disso, a responsabilidade civil não deve ser compreendida como instrumento de compensação simbólica por qualquer desconforto experimentado pela vítima, sob pena de se transformar em um mecanismo de indenização automática, apartado da noção de dano juridicamente relevante.
Do ponto de vista normativo, inexiste previsão legal que autorize expressamente a reparação por dano estético de natureza temporária.
Não se ignora que o sofrimento decorrente de uma alteração física temporária possa ser intenso em certos contextos, especialmente quando relacionado a situações de exposição social. Todavia, esse sofrimento é matéria própria do dano moral, e não do dano estético.
A própria jurisprudência majoritária, quando debruçada com rigor técnico sobre o tema, resiste a aceitar o dano estético temporário como fundamento autônomo de condenação.
Não se trata de negar à vítima o direito à reparação quando comprovado sofrimento legítimo e relevante. Trata-se, antes, de exigir que tal reparação ocorra com base em critérios jurídicos adequados.
O alargamento das fronteiras do dano estético para abarcar lesões de caráter efêmero rompe com o princípio da proporcionalidade e compromete a segurança jurídica.
Também do ponto de vista ético, a extensão do conceito de dano estético para além de seus limites naturais pode ensejar consequências indesejáveis, como a trivialização do sofrimento estético real e profundo.
A construção doutrinária sólida exige clareza conceitual, rigor argumentativo e respeito aos marcos normativos que sustentam o edifício da responsabilidade civil.
Em síntese, o reconhecimento do dano estético temporário - além de juridicamente insustentável - representa uma indevida inflexão conceitual, incompatível com os princípios da reparação integral, da razoabilidade e da tipicidade dos danos indenizáveis.
Da inexistência de dano estético indenizável - Lesão temporária e reversível
Não tem sido incomum, ainda que inapropriado, observar decisões judiciais que reconhecem a existência de dano estético temporário indenizável. Incorre-se aqui em equívoco jurídico e fático, uma vez que se baseia unicamente em alteração estética de natureza temporária e reversível, sem a devida demonstração de sequela permanente, tampouco de abalo estético duradouro e relevante que comprometa a imagem do paciente de forma objetiva e persistente.
Consoante reconhece a melhor doutrina e jurisprudência, o dano estético pressupõe uma deformidade duradoura ou definitiva, que altere sensivelmente a aparência da pessoa, com prejuízos à sua imagem, autoestima, vida social ou profissional, não bastando modificações transitórias ou efêmeras, típicas de um processo natural de cicatrização ou recuperação clínica.
Nas palavras da professora Teresa Ancona Lopez, em estudo publicado na Revista de Direito da Universidade Federal de Viçosa:
"O dano estético exige permanência da agressão ou, ao menos, seu efeito prolongado. Lesões que são totalmente reparadas por tratamento estético ou que sofrem cura com o lapso temporal não fazem jus à proteção pelo dano estético."
(Revista de Direito da UFV, v. 6, n. 1, 2021, p. 141)
A jurisprudência não é menos clara nesse ponto. O TJ/DF, por exemplo, assim decidiu:
"CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA ELETIVA. INTERCORRÊNCIA TRANSOPERATÓRIA. INSTABILIDADE HEMODINÂMICA. HIPOTENSÃO ARTERIAL. SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO. FORÇA MAIOR. CASO FORTUITO. DANO MORAL INEXISTENTE. DANO ESTÉTICO. INEXISTENTE. PROVA. INDISPENSABILIDADE DE IMAGENS. AUSÊNCIA DE CULPA. IRREPETIBILIDADE DE VALORES PAGOS. 1. O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. (Código de Ética Médica, Princípios Fundamentais) 2. O CDC é de 1990; a Internet, no Brasil, só passou ao domínio público em 1995. Por razões óbvias, o CDC não contemplou a transformação social que a Internet produziria no mundo. As novas tecnologias deram às pessoas a oportunidade de se instruírem sobre quase tudo. Hoje, sabe-se muito mais sobre procedimentos médicos, saúde, doenças e seus tratamentos do que se sabia há três décadas. 3. O consentimento livre e esclarecido não tem forma prevista em lei para as cirurgias plásticas eletivas. Mas desde a primeira consulta, na fase ambulatorial, e, posteriormente, na fase pré-cirúrgica, há espaço formal e informal para o esclarecimento que conduz ao procedimento. O TCLE - termo de consentimento livre e esclarecido é a forma documental de um processo de informação que pode ser firmado no dia da cirurgia, não havendo necessidade de prazo mínimo para reflexão. Ninguém faz cirurgia eletiva na fase ambulatorial, na primeira consulta. 4. É impensável, na Capital da República, que uma pessoa com curso superior, funcionária pública concursada, com pretensão de realizar cirurgia estética de lipoescultura (lipoaspiração e enxerto localizado da gordura retirada), não tenha tido nenhuma informação sobre os riscos desse procedimento. 5. A monitorização da circulação sanguínea é de responsabilidade do anestesista, de quem o cirurgião plástico não é subordinado hierárquico, mas a quem está vinculado eticamente, no melhor interesse do paciente. A instabilidade hemodinâmica persistente por hipotensão arterial é causa inadiável de interrupção de qualquer cirurgia eletiva e não gera dano moral nem direito a indenização ou repetição de valores pagos por decorrer, salvo erro médico, de força maior/caso fortuito. Nestes casos, não há responsabilidade do médico pela sua ocorrência. 6. "Ato cirúrgico" e "ato anestésico", ainda que no mesmo contexto, são procedimentos autônomos, realizados por profissionais liberais distintos. Todas as consequências decorrentes do ato anestésico são da responsabilidade direta e pessoal do médico anestesista (Resolução CFM 1.363/93). 7. Dano estético não é a alteração morfológica temporária, decorrente da inconclusão da cirurgia plástica de lipoescultura por falta de enxerto do tecido adiposo aspirado. 8. Por dano estético compreende-se a fealdade produzida, a deformação provocada, a supressão do que era belo, a feiúra permanente. A percepção do dano estético, afastada a sensibilidade de alguma poesia que enaltece a beleza do que é feio, só pode ser feita pelo testemunho visual de uma imagem, real ou reproduzida em fotografias, filmes etc. 9. Sem laudo pericial, sem imagens, sem feiúra para os olhos enxergarem não há como se condenar alguém por causar dano estético a outrem. 10. A conclusão, por outro médico, do processo cirúrgico suspenso por instabilidade hemodinâmica, mesmo com a disponibilidade do réu para concluí-lo, foi uma opção da paciente, que, entretanto, deve arcar com as consequências da sua decisão. 11. O dano aleatório, resultante da chamada "álea terapêutica" (alea therapeutike), sobre a qual o médico não tem controle, decorre de resultado imprevisível ou conjuntural, em que não há falta ou falha na prestação do serviço. 12. Ausente a culpa do cirurgião plástico, inexiste dever de indenizar a qualquer título ou de repetir valores recebidos. 13. Recurso da ré não conhecido. Recurso do réu conhecido e provido para julgar improcedentes todos os pedidos. Recurso da autora prejudicado."
(TJ/DF 20150111282870 DF 0037435-14.2015.8 .07.0001, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 14/9/2017, 8ª TURMA CÍVEL, Data de publicação: Publicado no DJE: 29/9/2017. Pág.: 541/547)
Ora, alterações estéticas que se dissipam com o tempo, sem deixar marcas perceptíveis, não têm o condão de afetar a imagem de forma duradoura, tampouco de comprometer a integridade psicofísica do indivíduo em medida suficiente para ensejar reparação por dano autônomo.
A situação se torna ainda mais grave, em processos indenizatórios que apontam que a suposta alteração estética decorrente do fato narrado foi integralmente resolvida com o tratamento adequado, não havendo qualquer elemento técnico que comprove a permanência de sequelas visíveis, deformidades, ou prejuízos à estética pessoal do paciente.
Não se pode olvidar que o princípio da reparação integral (art. 944 do CC) impõe a indenização proporcional ao dano efetivamente sofrido. O reconhecimento de dano estético autônomo em hipóteses onde a alteração foi transitória, representa verdadeiro alargamento indevido da responsabilidade civil, comprometendo o equilíbrio entre o dano e o dever de reparar.
É certo que a jurisprudência admite, em casos excepcionais, a compensação por sofrimento psíquico derivado de eventos temporários. Contudo, esses são enquadrados sob a rubrica do dano moral, e não do dano estético - que tem requisitos objetivos mais rigorosos. Permitir o reconhecimento de um "dano estético temporário" como categoria autônoma significa admitir uma duplicidade indenizatória sem lastro legal, afrontando os princípios da legalidade e da vedação ao enriquecimento sem causa.
Ainda que o ordenamento jurídico brasileiro reconheça a possibilidade de reparação por danos extrapatrimoniais, não se pode admitir a expansão ilimitada das categorias de dano indenizável sem a devida análise jurídica rigorosa e sistemática.
A Constituição Federal e o CC autorizam a reparação de danos morais e estéticos, mas sempre sob a égide da razoabilidade, da proporcionalidade e da existência de lesão efetiva e juridicamente relevante.
A criação de uma categoria denominada "dano estético temporário" carece de previsão legal específica e encontra-se dissociada da tipicidade mínima exigida para a caracterização de dano autônomo.
A figura do dano estético, como tradicionalmente concebida pela doutrina e pela jurisprudência, exige uma modificação perceptível, duradoura e constrangedora na aparência física da vítima, que afete sua integridade psicofísica ou social de maneira relevante.
Tal compreensão está consolidada em décadas de construção jurisprudencial e doutrinária, não havendo margem segura para se reconhecer como dano estético aquilo que é, em sua essência, um desconforto momentâneo e reversível, como equimoses, hematomas ou cicatrizes que naturalmente se atenuam com o tempo ou por meio de terapias simples.
Admitir o dano estético temporário como categoria passível de reparação autônoma equivale a subverter o conceito clássico de dano estético, promovendo uma perigosa elasticidade da responsabilidade civil, em que qualquer lesão efêmera - ainda que desprovida de impacto social, psicológico ou funcional relevante - poderá ser convertida em indenização.
Tal postura compromete a segurança jurídica e estimula a litigância oportunista, especialmente em ações de responsabilidade médica, nas quais efeitos transitórios do próprio tratamento ou do curso clínico natural acabam sendo indevidamente qualificados como danos indenizáveis.
Não se ignora que a vítima possa experimentar desconforto, aborrecimento ou mesmo angústia durante o período em que convive com alguma alteração estética temporária. No entanto, tais sentimentos não configuram, por si sós, dano estético - devendo, se for o caso, ser avaliados no campo do dano moral, de acordo com a repercussão subjetiva do evento.
A criação artificial de um terceiro polo indenizável, ancorado exclusivamente na transitoriedade do incômodo físico, representaria indevido bis in idem, ou seja, dupla indenização por uma mesma consequência, o que é expressamente vedado pela boa técnica jurídica.
Além disso, é preciso lembrar que o sistema jurídico brasileiro, embora de matriz civilista, não opera sob uma lógica absolutamente aberta de danos. Ao contrário, há uma tendência crescente de valorização da tipicidade material do dano indenizável, como forma de conter abusos, padronizar critérios e evitar a hiperinflação do sistema de responsabilidade civil.
Nesse contexto, a ausência de legislação que reconheça o dano estético temporário como espécie autônoma de dano revela a impropriedade de qualquer condenação neste sentido e sob esta rubrica.
O raciocínio é reforçado pelo fato de que, mesmo em ordenamentos mais abertos à proteção da imagem e da estética, como o europeu, não se tem admitido de modo sistemático a reparação por lesões estéticas temporárias, justamente porque a função pedagógica e compensatória da responsabilidade civil exige efetividade do dano. A ausência de permanência ou de repercussão significativa sobre a vida da vítima esvazia a própria razão de ser da tutela indenizatória.
No plano processual, é igualmente importante destacar que, em não existindo qualquer comprovação técnica inequívoca de que a alteração estética sofrida pelo paciente tenha ultrapassado os limites da normalidade clínica, ou que tenha perdurado por tempo suficiente para justificar compensação pecuniária específica. A hipótese trata, portanto, de um quadro compatível com os efeitos típicos de um procedimento ou lesão já superada, sem evidência de impacto estético de longo prazo. A atribuição de valor indenizatório com base em impressões subjetivas, sem a necessária subsunção aos critérios objetivos do dano estético, viola o princípio do ônus da prova (art. 373, I, do CPC).
Do ponto de vista da política judiciária, também se deve atentar para o risco de banalização da tutela jurisdicional do dano estético, o que pode conduzir a um colapso simbólico da própria ideia de reparação. Quando tudo pode ser dano, nada o é com efetividade. A responsabilidade civil, longe de ser instrumento de enriquecimento ou de compensação simbólica, deve manter-se vinculada à ideia de recomposição real e proporcional da esfera jurídica lesada, o que exige, para o dano estético, a demonstração de alteração relevante e duradoura da aparência pessoal.
Por fim, permitir o reconhecimento do dano estético temporário como categoria indenizável desvinculada de suporte legal específico - e sem amparo jurisprudencial consolidado - seria conceder ao magistrado um poder normativo que não lhe compete, contrariando o princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal).
A jurisprudência que admite tal espécie de dano o faz de maneira pontual, excepcional e sempre com base em circunstâncias bem delimitadas, não podendo servir de fundamento para generalizações que subvertem os limites legais e doutrinários do instituto.
A bem da discussão, necessário trazer que alguns tribunais se pronunciaram favoravelmente sobre a matéria (de modo equivocado, em nosso sentir), sendo os arestos abaixo exemplos desta posição contrária:
APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUEIMADURAS EM PROCEDIMENTO DE DEPILAÇÃO A LASER. PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ. ACOLHIMENTO PARCIAL. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DEMONSTRADA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. QUEIMADURAS COMPROVADAS PELA PROVA DOCUMENTAL QUE INSTRUI A INICIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PRESTADORA DE SERVIÇO. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO CDC. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. Valor da indenização exacerbado. Lesões leves. Dano estético aparentemente temporário. Sanção pecuniária reduzida para R$ de R$ 18 .000,00 para 8.000,00 (oito mil reais), com juros a partir da citação e correção monetária do arbitramento. Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido. (TJ/SP - Apelação Cível: 10032995220218260609 Taboão da Serra, Relator: Costa Netto, Data de Julgamento: 16/8/2024, 6ª câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/8/2024).1
APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO. Danos estéticos decorrentes de procedimento de microagulhamento. Sentença de improcedência. Relação de consumo. Observância das regras previstas no CDC nexo causal entre o dano e o procedimento evidenciado. Circunstância de que o dano estético foi temporário que não afasta o dever de indenizar. Má prestação de serviço configurada. Danos morais. Ocorrência. Abalo psicológico que supera o mero dessabor. Condenação ao pagamento de indenização por danos morais arbitrada em R$5 .000,00. Correção monetária a partir da fixação súmula 362 do STJ. Juros de mora devidos a partir da citação. Readequação das verbas de sucumbência. Recurso parcialmente provido. (TJ/SP - AC: 10059888820198260011 SP 1005988-88.2019.8.26.0011, Relator: HERTHA HELENA DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 22/3/2022, 2ª câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/3/2022).2
No mesmo sentido, o STJ:
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1.416.310 ES 2013/0367881-6 Jurisprudência Decisão publicado em 3/8/2016 Inteiro teor: Outrossim, ainda que temporários, devem os danos estéticos ser reconhecidos e arbitrados conforme os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade... Considerando, então, que a ausência de dentes, ainda que temporário se enquadra no conceito de "dano estético", entende-se devida esta verba ao Apelado... Por derradeiro, sustenta ser indevida a cumulação do dano moral com o dano estético. É o relatório [...].3
Conclusão
À luz do que se expôs, não há como admitir, sob a ótica da dogmática jurídica atual, o reconhecimento do chamado "dano estético temporário" como categoria autônoma e indenizável no sistema brasileiro de responsabilidade civil. A proposta de sua aceitação, embora movida por compreensíveis impulsos protetivos, carece de sustentação normativa, conceitual e teleológica.
O dano estético, como figura jurídica consolidada, pressupõe mais do que um incômodo transitório ou uma alteração passageira da aparência. Requer uma deformidade relevante, objetivamente constatável, que interfira de maneira duradoura na imagem, na autoestima ou na inserção social do indivíduo. É, portanto, um instituto que não se confunde com os meros efeitos secundários de uma lesão, como equimoses, inchaços ou cicatrizes em processo de regressão.
Admitir a reparabilidade do dano estético temporário significa desfigurar o próprio conceito de dano estético, fragilizando seus critérios definidores e diluindo sua função dentro do sistema de responsabilidade civil. Em última análise, isso conduz à hipertrofia da tutela indenizatória, incentivando a multiplicação de pleitos reparatórios desprovidos de lesividade significativa.
Além disso, a responsabilidade civil não deve ser compreendida como instrumento de compensação simbólica por qualquer desconforto experimentado pela vítima, sob pena de se transformar em um mecanismo de indenização automática, apartado da noção de dano juridicamente relevante. A legitimidade da reparação exige a ocorrência de um prejuízo real, mensurável e juridicamente qualificado, e não apenas a existência de um aborrecimento estético efêmero.
Do ponto de vista normativo, inexiste previsão legal que autorize expressamente a reparação por dano estético de natureza temporária. O CC e a Constituição Federal reconhecem a indenização por dano moral, patrimonial e estético, mas partem do pressuposto da existência de lesão efetiva e grave. Criar uma subespécie de dano, desprovida de base legal e de densidade conceitual própria, significa atribuir ao juiz uma função legiferante, em flagrante afronta ao princípio da legalidade.
Não se ignora que o sofrimento decorrente de uma alteração física temporária possa ser intenso em certos contextos, especialmente quando relacionado a situações de exposição social. Todavia, esse sofrimento é matéria própria do dano moral, e não do dano estético. O deslocamento indevido do critério de análise apenas contribui para confundir institutos distintos e fomentar duplicidade indenizatória.
A própria jurisprudência majoritária, quando debruçada com rigor técnico sobre o tema, resiste a aceitar o dano estético temporário como fundamento autônomo de condenação. Em julgados que rejeitam tal pretensão, os tribunais demonstram preocupação com a objetividade da lesão, com sua permanência e com a repercussão concreta sobre a imagem da vítima, evitando a banalização da tutela estética.
Não se trata de negar à vítima o direito à reparação quando comprovado sofrimento legítimo e relevante. Trata-se, antes, de exigir que tal reparação ocorra com base em critérios jurídicos adequados, dentro dos limites das categorias reconhecidas, e com respeito à função reequilibradora - e não compensatória pura - da responsabilidade civil.
O alargamento das fronteiras do dano estético para abarcar lesões de caráter efêmero rompe com o princípio da proporcionalidade e compromete a segurança jurídica, abrindo caminho para decisões casuísticas, descoladas de critérios técnicos objetivos. A confiança no sistema de justiça repousa, justamente, na previsibilidade e na racionalidade de suas decisões.
Também do ponto de vista ético, a extensão do conceito de dano estético para além de seus limites naturais pode ensejar consequências indesejáveis, como a trivialização do sofrimento estético real e profundo, aquele que compromete de fato a identidade visual e a vivência corporal de uma pessoa. Numa sociedade já marcada pela hiperexposição da imagem e por padrões estéticos muitas vezes opressivos, o direito não deve contribuir para a superficialização da dor estética.
A construção doutrinária sólida exige clareza conceitual, rigor argumentativo e respeito aos marcos normativos que sustentam o edifício da responsabilidade civil. Nesse cenário, a criação ou aceitação do dano estético temporário como categoria indenizável representa um desvio teórico e prático, que não encontra eco nos fundamentos do direito privado contemporâneo.
"Aparentemente beleza e feiúra são conceitos com implicações mútuas, e, em geral, entende-se a feiúra como o oposto da beleza, tanto que bastaria definir a primeira para saber o que seria a outra. No entanto, as várias manifestações do feio através dos séculos são mais ricas e imprevisíveis do que se pensa habitualmente. E assim, tanto os textos antológicos quanto as extraordinárias ilustrações deste livro nos fazem percorrer um surpreendente itinerário entre pesadelos, terrores e amores de quase três mil anos, em que movimentos de repúdio seguem lado a lado com tocantes gestos de compaixão e a rejeição da deformidade se faz acompanhar de êxtases decadentes com as mais sedutoras violações de qualquer cânone clássico." (ECO, Umberto. História da feiura. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2007)
Em resumo, se a beleza ou a feiura estão nos olhos de quem vê, não há como se condenar por dano estético sem imagens, sem ilustrações para serem vistas.
Em síntese, o reconhecimento do dano estético temporário - além de juridicamente insustentável - representa uma indevida inflexão conceitual, incompatível com os princípios da reparação integral, da razoabilidade e da tipicidade dos danos indenizáveis. A prudência, a técnica e o respeito à coerência do sistema impõem, portanto, sua rejeição como categoria autônoma, mantendo-se o dano estético dentro dos marcos da permanência, da gravidade e da relevância social da lesão.
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1 Disponível aqui.