Tema repetitivo 1.365: Dano moral presumido - ou "in re ipsa" - na saúde suplementar
terça-feira, 26 de agosto de 2025
Atualizado em 25 de agosto de 2025 13:29
A 2ª seção1 do STJ, em junho deste ano, por unanimidade, decidiu afetar os recursos especiais 2.197.574/SP e 2.165.670/SP ao rito dos recursos repetitivos para "definir se há configuração de danos morais 'in re ipsa' nas hipóteses de recusa indevida de cobertura médico-assistencial pela operadora de plano de saúde"
A justificativa da proposta de afetação foi "o número expressivo de processos com fundamento em idêntica questão de direito". Em complemento à justificativa, o ministro relator destacou quatro julgados anteriores, os quais foram analisados e estão contextualizados a seguir.
No Agravo Interno no REsp 2.160.823/SP, da 3ª turma, julgado em 9/12/24, tratou-se do caso de negativa de custeio de parto de urgência por estar no período de carência contratual. Deparou-se como pressupostos de validade para possível condenação em dano moral a necessidade de "comprovação do agravamento da situação de saúde ou o abalo psicológico", situação não provada nos autos.
Já no agravo interno no REsp 2.061.198/PB, 3ª turma, julgado em 2/12/24, a consumidora pretendeu a reforma da decisão monocrática do ministro relator que deu provimento ao recurso especial interposto pela operadora para não condenar por danos morais no caso envolvendo a negativa de home care.
Da leitura da decisão, identificou-se como pressupostos de validade para eventual condenação por danos morais "quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada do paciente", e não "in re ipsa" como foi o fundamento do tribunal de origem.
Com relação ao agravo interno no REsp 1.979.022/SP, 4ª turma, julgado em 27/11/23, o caso envolveu a negativa de cobertura para sessões de terapia especial denominada de equoterapia com a justificativa que não consta do "Rol da ANS". O tribunal de origem reformou a sentença com o seguinte discurso: "A só expectativa de não poder custear o tratamento sabidamente caro, e correndo risco de agravamento de seu estado de saúde, implica sofrimento moral, que se configura in re ipsa".
Inconformada, a operadora interpôs o REsp o qual foi provido para excluir a condenação por danos morais, sob o argumento que: "a recusa do plano de saúde em cobrir determinado procedimento médico, baseada em cláusula contratual controvertida, não configura a hipótese de dano moral presumido - ou in re ipsa - razão pela qual se mostra indispensável a comprovação do efetivo prejuízo para que haja o dever de indenizar".
O último julgado citado na justificativa da afetação foi o agravo interno no REsp 2.083.260/SP, 3ª turma, julgado em 2/10/23. Nele consta que o tribunal de origem manteve a decisão de primeiro grau pela não condenação da operadora em danos morais, sob o fundamento que ocorreu na espécie o "mero inadimplemento contratual".
O consumidor interpôs recurso, o qual não foi admitido pela Corte Especial por entender que não restou caracterizado o dano moral presumido.
Importante ressaltar o posicionamento do ministro relator que consignou que "o mero descumprimento contratual não configura, em regra, danos morais, ressalvada a hipótese de indevida recursa de tratamento de urgência ou emergência".
Portanto, entende o STJ que nos casos de urgência ou emergência ocorre, presumidamente, o agravamento da situação de aflição psicológica e de angústia do consumidor.
Passa-se a contextualizar os dois precedentes qualificados escolhidos para afetação ao Tema repetitivo 1.365.
No primeiro, o REsp 2.197.574/SP, tem-se como recorrente uma operadora de plano de assistência à saúde que interpôs o recurso por não concordar com a seguinte decisão do TJ/SP: "Cobertura do tratamento multidisciplinar atualmente prescrito ao autor, que tem como condição transtorno de espectro autista. Interrupção do tratamento em razão de descredenciamento de clínica antes frequentada pelo beneficiário. Prejuízo ao tratamento, que requer estímulos constantes. Dano moral 'in re ipsa' caracterizado. Indenização arbitrada em R$ 3 mil".
O segundo é o REsp 2.165.670/SP, o qual foi interposto pelo consumidor, tendo em vista que o tribunal de origem decotou os danos morais da sentença com o fundamento "por se tratar de mero inadimplemento contratual". O caso versa sobre negativa de cobertura assistencial de limitações de sessões de terapias especiais para consumidor diagnosticado com transtorno do espectro autista.
Como caracterizar a "recusa indevida" passível de indenização por danos morais?
Da leitura dos precedentes qualificados expostos acima, há um forte indicativo que o STJ poderá modular a presunção para condenar por danos morais nos casos de urgência e emergência.
Para os demais casos, o julgador terá que avaliar se no caso concreto o consumidor sofreu agravamento da situação de saúde; abalo psicológico; condição de dor; prejuízos à saúde já debilitada ou comprovação do efetivo prejuízo.
Através de pesquisa genérica na página eletrônica do STJ com a expressão "recusa injustificada", deparou-se com outros argumentos utilizados pelo julgador.
Como exemplo, o Agravo Interno no REsp 1.927.347/RS, que nele consta para não condenar em danos morais o pressuposto de validade: "dúvida razoável de interpretação do contrato".
Com efeito, chama a atenção para as cláusulas que são impostas pelo órgão regulador por meio da instrução normativa 28/222. No seu anexo I, denominado de "Manual de elaboração dos contratos de planos de saúde", a ANS determina a inserção de inúmeras cláusulas como obrigatórias nos contratos a serem comercializados.
Nesse particular, a operadora não possui autonomia para modelação dos seus contratos. Há um verdadeiro dirigismo estatual contratual. A negativa de cobertura assistencial baseada neste tipo de cláusula não deve gerar condenação por danos morais a operadora.
Situação que merece reflexão, diz respeito ao entendimento exposto pelo STJ no informativo jurisprudência em tese, edição 2593, que diz: "A equoterapia, a musicoterapia e a hidroterapia são de cobertura obrigatória pelas operadoras de plano de saúde para o tratamento de TEA".
A ANS já pronunciou de diversas maneiras que não existe cobertura obrigatória para equoterapia e hidroterapia. Como empresa regulada, a operadora deve obedecer aos ditames infralegais estatal.
Nesse sentido, a operadora age no seu exercício regular de direito, inexistindo ato ilícito que justifique a condenação por danos morais.
Outro exemplo de interpretação do STJ sobre recusa indevida está no REsp 1.651.289/SP. O caso versa sobre pedido de radioterapia de megavoltagem com acelerador linear Varian 21 IX para tratamento de neoplasia maligna no pâncreas.
A ministra relatora justificou seu voto pela condenação por danos moral pela "frustração da justa e legítima expectativa do consumidor de obter o tratamento correto à doença que o acomete". Para a ministra a doença está prevista no contrato, bem como a radioterapia. A negativa foi dada pela operadora em virtude que o método não estava previsto no rol da ANS.
O conflito de entendimento entre o Estado-juiz e o Estado-regulador gera uma verdadeira insegurança jurídica no mercado de saúde suplementar, fomentando a manutenção da judicialização da assistência à saúde.
A ANS deve ser reconhecida como órgão regulador técnico pelo Poder Judiciário.
O diálogo institucional entre os entes estatais é primordial para possibilitar a harmonização nesta complexa relação jurídica de consumo.
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1 Estiverem presentes no julgamento, os Ministros Moura Ribeiro, Daniela Teixeira, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cuevas (Relator) e Marco Buzzi (Presidente).
2 ANS - LEGISLAÇÃO. Disponível aqui.
3 STJ - Jurisprudência em Teses. Disponível aqui.