As divergências interpretativas do ato único registral da incorporação imobiliária
quinta-feira, 10 de abril de 2025
Atualizado em 9 de abril de 2025 14:49
Nos últimos anos, muitas foram as novidades legislativas que provocaram mudanças na incorporação imobiliária. De forma acertada, algumas promoveram o reconhecimento do que já existia na prática, mas que carecia de regulamentação - como a expressa previsão do condomínio de lotes, pela lei 13.465/17, e da incorporação de casas, pela lei 14.382/22. Esse último diploma, conhecido por "Lei do Serp", também trouxe avanços significativos no progresso tecnológico do sistema registral, tratando, dentre diversas questões, do Serp - Sistema Eletrônico dos Registros Públicos. Além disso, (tentou) estabelecer a uniformização de entendimentos regionais com o objetivo de atribuir maior segurança e previsibilidade à aplicação das regras registrais.
Nesse terceiro grupo - o da uniformização de entendimentos regionais -, destaca-se a alteração promovida pela lei 14.382/22, ao incluir o §15 no art. 32 da lei 4.591/1964, nos seguintes termos:
Art. 32. O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos:
[...]
§ 15. O registro do memorial de incorporação e da instituição do condomínio sobre as frações ideais constitui ato registral único. (grifo nosso).
O dispositivo pretendeu esclarecer uma velha discussão de quem vem primeiro: o ovo ou a galinha. Ops! A incorporação ou a instituição do condomínio.
O extenso debate tem como ponto de partida a própria conceituação da incorporação imobiliária.
Ao observar o disposto nos arts. 28 a 30 da lei 4.591/1964, extrai-se que os elementos constitutivos da definição da incorporação imobiliária são: (i) a natureza empresarial de coordenação e execução de empreendimentos imobiliários; (ii) a finalidade de alienação de bem imóvel futuro; e (iii) o objeto, que consiste nas unidades imobiliárias futuras representadas por frações ideais do terreno em regime condominial.
Sobre o tema, ensina Melhim Chalhub:
O texto legal fornece elementos para a caracterização da atividade de incorporação, permitindo conceituá-la como a atividade de coordenação e consecução de empreendimento imobiliário, compreendendo a alienação de unidades imobiliárias em construção e sua entrega aos adquirentes, depois de concluídas, com averbação do habite-se no registro de imóveis competente, em correspondência às frações ideais do terreno, quando a incorporação imobiliária tiver por objeto a implantação de condomínio especial por unidade autônoma.
Traço característico dessa atividade é a "venda antecipada de apartamentos de um edifício a construir", que, do ponto de vista econômico e financeiro, constitui o meio pelo qual o incorporador promove a captação dos recursos necessários à consecução da incorporação; a captação de recursos, observam Orlando Gomes e Maria Helena Diniz, é a operação que "consiste em obter o capital necessário à construção do edifício, mediante venda, por antecipação, dos apartamentos de se constituir". (Grifo nosso).
Vale ressaltar, como já mencionado por esta autora nos artigos "Loteamento e condomínio de lotes para fins tributários" e "Loteamento é incorporação? Parece, mas não é. Tem RET? Depende", que a definição da atividade da incorporação, dada pelos termos da lei 4.591/1964, ganhou novos contornos com as mudanças legislativas, de modo que o elemento do regime condominial já não se faz presente em todas as modalidades de incorporação, como ocorre no caso da incorporação de casas.
Assim, para atualizar essa afirmação, pode-se dizer que, se a modalidade da incorporação a ser exercida revela a venda de futuras unidades autônomas em regime condominial, significa que a incorporação imobiliária pressupõe a existência do condomínio edilício.
Sendo assim, indaga-se: como compor esses elementos no fólio real? A resposta abraça três atos:
- Registro da incorporação imobiliária - art. 32 da lei 4.591/1964 - autoriza o início dessa atividade empresarial e permite a alienação da futura unidade.
- Instituição do condomínio - o art. 1.332 do CC e art. 7º da lei 4.591/1964 - a instituição do condomínio se dá por ato entre vivos ou por testamento, registrada no Cartório de Registro de Imóveis, transformando a propriedade comum em um condomínio edilício, definindo as partes que são propriedade exclusiva e as áreas comuns dos condôminos.
- Averbação do habite-se - art. 44 da lei 4.591/1964 e o art. 167, inciso II, 4), da lei 6.015/1973 - averbação do auto de conclusão da obra (seja o habite-se, termo de conclusão de obras ou outra designação conforme a prática local) que leva a notícia da construção à matrícula, vinculando-a às frações ideais discriminadas, consolidando, assim, o prenúncio da acessão das obras ao terreno já descrito no memorial de incorporação.
E, qual seria esse bem objeto da negociação na incorporação imobiliária?
Considerando que no momento da oferta ainda não há edificações, mas há o terreno, faz-se necessário capturar o art. 79 do CC - "são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente" - para compreender que o imóvel ofertado na incorporação corresponde a uma parte do solo (fração ideal do terreno), existente desde o respectivo registro da atividade, acrescida da futura edificação a ser incorporada por meio da execução das obras prometidas pelo incorporador.
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