COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas Edilícias >
  4. Teoria da actio nata na vertente subjetiva e prazo de garantia da obra em contratos de empreitada: "Repristinação" do art. 618 do CC

Teoria da actio nata na vertente subjetiva e prazo de garantia da obra em contratos de empreitada: "Repristinação" do art. 618 do CC

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Atualizado em 11 de julho de 2025 11:17

O presente texto procura compatibilizar o disposto no parágrafo único do art. 618 do CC1 com o entendimento que vem sendo adotado na jurisprudência, sobretudo do STJ. Salvo melhor juízo e nos termos do que passa a comentar tal posicionamento jurisprudencial altera, para dizer mínimo, o conteúdo expresso da regra legal o que torna necessário a repristinação de tal regra. Senão vejamos.

É que a referida Corte Superior possui julgados no sentido de que, mesmo após a publicação do atual Código de Civil, não haveria prazo especial para a prescrição da pretensão indenizatória decorrente de vícios ocultos nos contratos de empreitadas no ordenamento jurídico vigente e, por conta disso, dever-se-ia aplicar a regra geral do art. 205 do CC. Nesse sentido:

"DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. PRETENSÃO DE REEXECUÇÃO DO CONTRATO E DE REDIBIÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. APLICABILIDADE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais e compensação de danos morais. (...) 6. Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição. 7. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do CC de 1916 ('Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra'). 8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido" (STJ, REsp n. 1.721.694/SP, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 3/9/2019, DJe. 5/9/2019).

Ocorre que o entendimento exarado em diversos julgados que se calcaram no referido precedente, ao não se debruçarem nas particularidades do contrato de empreitada, acabam por ignorar a existência do prazo quinquenal de garantia da obra (art. 618 do CC), aplicando apenas o prazo prescricional decenal2 para ajuizamento da ação indenizatória contado da verificação do vício da obra.

Em vista disto, e tal como mais abaixo será referido, a mais adequada intepretação das normas acima mencionadas deve se dar por intermédio da distinção entre o prazo pelo qual o empreiteiro poderia/deveria responder por eventuais vícios da obra (seja ele entendido como prazo decadencial ou garantia) e o prazo prescricional da ação indenizatória no âmbito dos contratos de empreitada.  

Para compreender o que se pretende propor, imprescindível definir o que representa o prazo quinquenal previsto no referido dispositivo.

Conforme ensina a melhor doutrina, referido prazo corresponde ao prazo decadencial (salvo melhor entendimento) pelo qual o empreiteiro responde por eventuais vícios após a aceitação da obra e que excetua a regra geral de cessação da responsabilidade do empreiteiro com o aceite da obra. Nesse sentido:

"Ao lado das características apontadas, quais sejam, porte, durabilidade, finalidade, úteis para a construção do conceito, a possibilidade de risco para o ser humano destaca-se, por constituir a razão de ser da garantia legal. A relevância do motivo autoriza a projeção da responsabilidade do empreiteiro além elos limites temporais do contrato, virtualmente extinto, eis que entregue e aceita a obra, constituindo uma exceção à regulamentação comum (Serpa Lopes, Curso, p. 220). (...). Estabeleceu o CC aqui uma exceção à regra de que cessa, com a aceitação ela obra, a responsabilidade elo empreiteiro (Clovis Bevilaqua, CC, p. 352). É uma responsabilidade excepcional, que só se aplica às empreitadas mistas, para execução de obras consideráveis, terminadas e já recebidas; a responsabilidade no curso da obra é regulada pelo art. 611 (v. comentário). De acordo com a regra geral, após a aceitação da obra, o dono não mais pode agir contra o construtor, com fundamento na imperfeição do trabalho (Carvalho Santos, CC pp. 347-352). O que há de incomum é a projeção da responsabilidade além dos limites temporais do contrato (Serpa Lopes, Curso, pp. 220-221). (...) A responsabilidade quinquenal elo empreiteiro foi estabelecida para proteger o dono ela obra contra os vícios ele construção que só o tempo permite descobrir, excluindo, portanto, os aparentes" (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA. Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, 2ª ed., Vol. II Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 361/362).

***

"Sendo prazo extintivo de garantia, é decadencial, segundo a doutrina e jurisprudência amplamente dominantes. Destarte, esse prazo, por sua índole, não admite transação, mas, se não é dado às partes restringi-lo, podem distendê-lo, porque instituído em benefício do dono da obra (MEIRELLES, 1979, p. 255). (...) Desse modo, se durante os cinco anos não ocorrer nenhum vício, estará exonerado o construtor" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 822).

***

"O prazo de cinco anos a que se refere o caput do supracitado artigo é de garantia legal do produto. O efeito jurídico dessa regra é a de criar uma responsabilidade presumida para o empreiteiro que, independentemente de culpa, assume o risco de que, durante o referido período de tempo, o dono da obra terá à sua disposição uma edificação sólida e segura. Ressalte-se que a lei faz referência expressa à irredutibilidade do prazo, deixando claro que se trata de norma cogente, sendo nula de pleno direito cláusula que preveja a diminuição do prazo de garantia da obra" (SCHREIBER, Anderson; TARTUCE, José Fernando Simão;  BEZERRA DE MELO, Marco Aurélio; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1.1161. E-book).

***

"Na jurisprudência, cristalizou-se a orientação de que estes cinco anos caracterizam (...) um prazo de garantia, de maneira que, aparecendo neste período uma ocorrência, esta é passível de ser imputada ao construtor/incorporador, independentemente de o comprador provar a culpa do 'contratado', Esta generalização pode ser afastada na hipótese de se provar que foi o mau uso da edificação, ou a falta de manutenção, que deu ensejo ao problema" (PUOLI, José Carlos Batista. Vícios Construtivos. In BORGES, Marcus Vinícius Motter (coord.). Curso de Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 1ª ed., 2021, p. 628/629).

Ou seja, apesar de alguma imperfeição de redação, s.m.j., o art. 618 do CC positiva dois prazos distintos, a saber: i) o prazo decadencial quinquenal pelo qual subsiste após o aceite da obra a responsabilidade do empreiteiro e; ii) o prazo prescricional decenal para que, após o surgimento de um vício oculto, o dono da obra pleiteie sua respectiva indenização.

Analisando o tema, Gustavo Tepedino; Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, calcados nas lições de Clóvis Bevilaqua, defendem que:

"A natureza do prazo de cinco anos (se prescrição ou decadência) é questão imbricada com a da responsabilidade. Clovis Bevilaqua formula a dúvida: 'O prazo de responsabilidade para o empreiteiro é o mesmo da ação do proprietário?' (CC, p. 352). Registrando a omissão do CC1916, o autor se inclina pela aplicação do direito comum, entendendo que a ação do proprietário terá o prazo geral, contado do momento em que se verificar a falta de solidez ou de segurança ela obra. Este também o entendimento de Carvalho Santos (CC, p. 348) e de Teresa Ancona Lopez (Comentários, p. 294). Há, portanto, dois prazos distintos e independentes: o de cinco anos, a contar da entrega da obra, para aparecimento do defeito, e o prescricional, para a ação do dono da obra (TJRJ, 24.05.2001, Ementário 16/2001, n. 10; TJRJ, 7ª C.C., Ap. Cív. 200000114054, Rel. Des. Carlos C. Lavigne de Lemos, julg. 6/2/2001)" (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA. Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, 2ª ed., Vol. II Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 365/366).

No mesmo sentido, Maria Helena Diniz e Nery Nery Jr. e Rosa Maria Nery, analisando entendimento jurisprudência da 3ª turma do col. STJ:

"O construtor responde pelo prazo de garantia de cinco anos e o dono da obra tem o prazo decadencial de cento e oitenta dias para reclamar do problema surgido no prazo de garantia. Se o defeito aparecer quatro anos depois da entrega, o dono da obra terá cento e oitenta dias para reclamar da imperfeição por falta de solidez, inclusive do material, e segurança da obra,. visto que o vício se verificou no prazo de garantia de cinco anos, contado da entrega da obra" (DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 17ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 527).

***

"Distinção entre a responsabilidade do construtor, com fundamento no CC/1916 1245, que podia ser demandada no prazo de 20 anos (STJ 194), desde que o conhecimento dos problemas relacionados à solidez e segurança da obra transparecessem nos cinco anos seguintes à sua entrega. O termo inicial do prazo prescricional é a data do conhecimento das falhas construtivas. Afastamento da pretensão de prescrição, diante do reconhecimento da possibilidade de o recorrido demandar a construtora recorrente com fundamento no CC 1056, comprovada a prática do ilícito contratual, consistente na má-execução da obra (Enunciado 181 da III Jornada de Direito Civil do STJ) (STJ, 3.ª T., REsp 903771-SE, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 12.4.2011, v.u., DJU 27/4/2011)" (NERY JR., Nelson Nery; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Código Civil Comentado. 1ª ed. em e-book baseada na 11ª ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais,  2024, p. 1.354).

Aliás, este entendimento era inclusive adotado por Hely Lopes Meireles e Pontes de Miranda, citados diversas vezes nos julgados eleitos para a elaboração da súmula 194 do STJ3. Confira alguns trechos dos precedentes angulares do entendimento sumular4.

Trecho do voto do min. Fontes de Alencar, relator do REsp. 1.473/RJ (89.0012020-4):

"Este artigo estabelece prazo de cinco anos para a ocorrência da irregularidade na obra (solidez e segurança), sendo que o prazo para a propositura da ação é de vinte anos a contar do dia em que surgiu o defeito. Sobre o tema, assim professa HELY LOPES MEIRELES (Direito de Construir - Responsabilidade de Construção, p. 244), Desde que a falta de solidez ou de segurança da obra apresente-se dentro de cinco anos de seu recebimento, a ação contra o construtor e demais participantes do empreendimento subsiste pelo prazo prescricional comum de 20 anos, a contar do dia em que surgiu o defeito. De igual modo salienta PONTES DE MIRANDA (Tratado de Direito Privado, Vol. 44, p. 405), O art. 1.245 do CCnão estabeleceu prazo preclusivo para se acionar o empreiteiro (5ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 04 de junho de 1940. A.J., 55, 50 s.). O empreiteiro é responsável, durante cinco anos, contados da entrega, pela solidez e segurança da obra, assim em razão dos materiais como do solo, exceto, no tocante a esse, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra. A prescrição é a ordinária. Nessa mesma linha se filiam CARVALHO SANTOS, AGUIAR DIAS, EMANUEL SODRÉ, LAUDO DE CAMARGO, entre outros. Sem dúvida, manifestado o defeito da construção no qüinqüênio decadencial (art. 1.245, do CC), e isto ficou comprovado na decisão de 1ª instância (fl. 453), a ação reparatória, a partir daí, poderá ser proposta no prazo comum vintenário".

Trecho do voto do min. Sálvio de Figueiredo, relator do REsp. 5.522-MG (90.0010263-4):

"Há os que se colocam em posição diferente, por entenderem que a previsão contida no art. 1.245 do CC diz respeito à garantia pela construção. É de se aceitar esta última como a mais consentânea com o preceito desenvolvido pelo dispositivo acima. Ela leva a concluir que a responsabilidade do empreiteiro pela construção se fixa no momento em que qualquer vício oculto da obra venha manifestar-se exteriormente, dentro do prazo de cinco anos. O direito à ação fica, pois, condicionado ao surgimento do defeito dentro deste período. O evento danoso funciona, nesta condição, como fato gerador do direito à tutela jurisdicional. A partir da sua ocorrência, passa-se a contar o prazo prescricional. Não há, por conseguinte, que se falar em decadência. (...) Para a corrente majoritária, no entanto (M.I. Carvalho de Mendonça, Pontes de Miranda, Hely Lopes Meirelles, Washington de Barros Monteiro, Serpa Lopes e Aguiar Dias, dentre outros), o prazo do referido artigo seria apenas de garantia, dentro do qual deverá ocorrer o vício. Verificado esse, tem início o prazo prescricional ordinário, de vinte anos. A jurisprudência inclina-se nesse sentido. ('Revista Jurídica Mineira', 30/75).(...) Na mesma linha de entendimento, doutrina o saudoso e autorizado Hely Lopes Meireles, in 'Direito de Construir', RT, 1961, p. 319-320: O prazo quinqüenal é de garantia e não de prescrição, como erroneamente se tem dito em alguns julgados. Desde que a falta de solidez ou de segurança da obra se apresente dentro de cinco anos da conclusão dos trabalhos, a ação para efetivar a responsabilidade do construtor persiste pelo prazo comum de vinte anos, que é o da prescrição ordinária (CC, art. 177), a contar do dia em que surgiu o defeito dentro do quinquênio legal (STF RF 127/433 - TJ/SP 178/789 - 275/352). Recebida a obra, permanece ela como que em observação por cinco anos, sem admitir interrupção ou suspensão desse prazo, visto que não se trata de lapso prescricional, como já advertimos de início. Trata-se de prazo extintivo da garantia. Se durante este tempo a construção não apresentar vício ou defeito que afete a sua estabilidade ou comprometa a sua estrutura, fi cará o construtor exonerado de responsabilidade perante o proprietário e seus sucessores".

Dessa forma, é indubitável a lógica da redação legal que procurou: i) excetuar a regra da cessação da responsabilidade do empreiteiro, na empreitada mista5, quando da entrega do aceite da obra; ii) estabelecer o prazo decadencial quinquenal de garantia legal, o qual corresponde ao prazo pelo qual o empreiteiro responde pelo surgimento de vícios na obra e; iii) estabelecer prazo diverso prescricional6 (apesar da redação "decai") para a propositura da demanda indenizatória contados da verificação do vício oculto.

Aludida construção, inclusive, não é novidade no direito brasileiro. Em lógica semelhante, cita-se o regime das ações de responsabilidade dos administradores das sociedades.

No regime jurídico das sociedades, o administrador da sociedade responde pelos atos cometidos durante o período de sua gestão (art. 158 da LSA). Na empreitada, por sua vez, o empreiteiro responde por seus atos durante o período  de execução da obra (art. 611 do CC).

A aprovação das contas do administrador acarreta sua exoneração de responsabilidade (art. 134, §3º, da LSA). De modo semelhante, o aceite da obra exonera o empreiteiro de sua responsabilidade pelos vícios aparentes (art. 615 do CC).

No que se refere ao prazo prescricional para o ajuizamento da ação indenizatória decorrente de dano, há uma diferença crucial entre os dois regimes, o que justifica a fixação de um prazo decadencial de garantia na empreitada. Explica-se.

Na ação de responsabilidade dos administradores, aplica-se o prazo prescricional de 3 (três) anos desde a ocorrência do ato lesivo7. Trata-se, portanto, de aplicação da teoria da actio nata em sua vertente objetiva8, na qual o prazo prescricional começa a correr independentemente da ciência da sociedade9.

No caso do empreiteiro, porém, o dono da obra dispõe de 10 anos (tema ainda debatido na doutrina) para ajuizar a ação dos direitos decorrentes de vício de solidez e segurança da obra10 desde a sua identificação dentro do prazo de garantia. Aqui, aplica-se a teoria da actio nata em sua vertente subjetiva, pois o prazo prescricional somente começa a contar quando o dono da obra toma ciência do vício11.

Exatamente por ser um caso de actio nata subjetiva - no qual a prescrição se inicia apenas com a descoberta do defeito -, o legislador sabiamente determinou um prazo máximo dentro do qual o vício pode se manifestar e, consequentemente, dentro do qual o empreiteiro pode ser responsabilizado.

Essa limitação temporal tem um propósito evidente: evitar que o empreiteiro responda indefinidamente ("ad aeternum") por vícios construtivos da obra. Afinal, caso contrário, a atividade econômica da construção civil se tornaria insustentável.

Por essa razão, foi estabelecido um prazo específico de 5 anos após o aceite da obra, durante o qual o empreiteiro ainda pode ser responsabilizado por eventuais vícios que surjam nesse período (art. 618 do CC).

Assim, embora o vício possa aparecer após a exoneração do empreiteiro, a lei impõe um limite temporal dentro do qual ele ainda pode ser responsabilizado. Trata-se de uma regra que equilibra a proteção do dono da obra (teoria da actio nata subjetiva) com a necessidade de segurança jurídica para o empreiteiro.

A lógica é evidente: na empreitada, a garantia de 5 anos impede que o empreiteiro seja responsabilizado eternamente; já na administração societária, não há necessidade dessa limitação temporal, pois a ação contra o administrador prescreve independentemente de a sociedade "jamais" perceber o dano. Graficamente:

 

Administrador (Lei das S.A.)

Empreiteiro (Código Civil)

Responsabilidade durante o período de atuação

O administrador da sociedade responde pelos atos cometidos durante o período de sua gestão (art. 158 da Lei das S.A.).

O empreiteiro responde pelos atos praticados durante a execução da obra (art. 611 do Código Civil).

Termo da Exoneração da Responsabilidade

A aprovação das contas pela assembleia geral, em regra, exonera o administrador (art. 134, §3º, da Lei das S.A.).

O aceite da obra pelo dono da obra, em regra, exonera o empreiteiro (art. 615 do CC).

Prazo de garantia legal (decadencial)

Não há - teoria da actio nata em sua vertente objetiva, não é necessário, uma vez que o decurso da prescrição da ação independe da ciência do lesado.

5 anos após a entrega da obra - teoria da actio nata em sua vertente subjetiva que atraí a necessidade de uma limitação temporal para que ocorra o surgimento do vício (art. 618 do CC).

Prazo para ajuizar a ação (prescricional)

3 anos a partir da ocorrência do dano à sociedade

(art. 287, II, "b", 2 da Lei das S.A.).

 

10 anos, segundo parte da doutrina e jurisprudência, a partir da ciência do vício pelo dono da obra (art. 205 do CC).

Conclusão

O dano causado pelo administrador deve ser identificado dentro do prescricional de 3 anos da ocorrência do dano, caso contrário, o direito de ação estará prescrito.

O vício na obra deve ser identificado dentro do prazo de garantia de 5 anos. Se identificado dentro desse prazo, a ação deve ser ajuizada dentro do prazo prescricional de 10 anos da ciência do surgimento do vício.

Resumidamente, o prazo de garantia define até quando o problema pode ser identificado, enquanto o prazo prescricional define até quando a ação pode ser proposta após essa identificação.

O objetivo da lei, nos dois casos, é evitar que essas responsabilidades se prolonguem indefinidamente, mas sem impedir que a parte lesada possa buscar reparação caso o problema surja dentro do período de garantia.

Nessa linha, inclusive, compartilha desta "leitura" da regra Alexandre Junqueira Gomide que, com acerto, questiona:

"Mas se não é o caso de redibição do contrato, seja porque os requisitos para tanto não estão previstos, seja porque a opção do lesado é o reparo e a manutenção do contrato, qual o prazo prescricional para a propositura da ação indenizatória? Não obstante certa hesitação da jurisprudência (em especial dos tribunais estaduais), o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que, a partir da constatação do vício, o prazo prescricional para a propositura da ação indenizatória (e não redibição contratual, reitere-se) é decenal. (...). Ocorre que o prazo decenal, estabelecido genericamente para a pretensão referente à indenização dos vícios construtivos, talvez deva ser repensado pela doutrina, assim como o 'prazo quinquenal de garantia' normalmente referido pela jurisprudência10 e localizado no artigo 618, do Código Civil. Tal como já asseverado por Nelson Rosenvald e Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, o fato de o contrato de compra e venda poder ser considerado de longa duração não significa que o fornecedor está obrigado a uma garantia ad eternum.  Há que se pensar que toda edificação é formada por diversos sistemas e materiais construtivos distintos. A fundação de uma edificação deve ser projetada para que resista por muitos e muitos anos e, portanto, o prazo de vida útil deve ser extenso. Contudo, a pintura da fachada normalmente tem prazo de vida útil de até três anos e, após tal interregno, há perda da garantia do sistema e a edificação deve ser repintada. Como se nota, na construção civil há sistemas que são feitos para perdurarem no tempo por longo prazo, enquanto a pintura, o rejunte dos pisos, as lâmpadas, dentre outros elementos ou componentes possuem prazo de vida útil inferiores. Não é possível, portanto, atribuir genericamente o prazo de cinco anos como a 'garantia' da construção, seja porque esse prazo é insuficiente para garantir a estabilidade da fundação que, por exemplo, possui prazo de vida útil superior a trinta anos, seja porque o prazo é extenso demais para garantir componentes e sistemas mais simples. (...) A manutenção predial, por exemplo, é indispensável a qualquer construção e engloba um plexo de cuidados técnicos aptos a preservar o bom desempenho de uma edificação. Sem que a manutenção predial seja realizada, não há como se atingir a vida útil e o desempenho dos sistemas, elementos e componentes construtivos. Assim, 'a manutenção não pode ser feita de modo improvisado e casual. Ela deve ser entendida como um serviço técnico, cuja responsabilidade exige capacitação apurada'. (...) O objetivo do presente artigo é apontar que nas ações indenizatórias envolvendo vícios construtivos, não deve o intérprete se valer de soluções genéricas e simples. O Código Civil, em nosso ver, não é suficiente para estabelecer as regras necessárias envolvendo os prazos para tais ações e é papel da doutrina o melhor desenvolvimento da matéria. Como defende José Carlos Puoli, os prazos estabelecidos no Código Civil deveriam ser alterados. Enquanto a matéria não é suficientemente tratada pelo legislador, é necessário que o juiz, nas ações envolvendo vícios construtivos, atente-se para saber se (i) o sistema sobre o qual se reclama está (ou não) dentro do prazo de vida útil; (ii) se o usuário (adquirente ou condomínio) observou as determinações relacionadas à manutenção predial. Na hipótese de ambas as respostas serem afirmativas, a responsabilidade civil do construtor estará mais evidenciada, facilitando a prova pericial normalmente produzida nesse tipo de demanda" (GOMIDE, Alexandre Junqueira. Os prazos e as pretensões nas ações de vícios construtivos).14

Aparentemente, contudo, a Corte Superior que, em tempos vindouros proferiu julgados nos quais de maneira completa e louvável se debruçava sobre o tema, agora, infelizmente, parece olvidou-se das suas próprias lições.

Em exemplo claro, recente julgado de relatoria do min. Ricardo Villas Bôas Cueva, ao mesmo tempo que rememora a tese fixada no entendimento sumular de 194 do STJ, contradiz a própria citação e ignora a função do prazo de garantia (hoje preconizado no art. 618 do CC). Confira:

"RECURSO ESPECIAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSTRUTORA. PRESCRIÇÃO. SOLIDEZ E SEGURANÇA. PRAZO QUINQUENAL DE GARANTIA. DANOS. NÃO APRESENTAÇÃO. SÚMULA Nº 194/STJ. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. CIÊNCIA DO DANO. POSSIBILIDADE. NÃO EXERCÍCIO. PRAZO VINTENÁRIO. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO. (...) 2. O artigo 1.245 do Código Civil de 1916 prevê um prazo de garantia de 5 (cinco) anos. Caso o vício oculto, capaz de comprometer a solidez e segurança da obra, manifeste-se dentre desse prazo, o proprietário da obra tem 20 (vinte) anos, prazo ordinário para o exercício das pretensões de direito material pessoais, contado do aparecimento do defeito, para o ajuizamento da ação para reparação de danos. Súmula 194/STJ. 3. Ao dono da obra é permitido demandar o construtor por vícios relacionados com a solidez e à segurança da construção no prazo de 20 (vinte) anos (art. 1.056 do CC de 1916), contados desde o conhecimento do vício ou desde quando possível o conhecimento do defeito, sendo desimportante que tenha ocorrido ou não nos primeiros 5 (cinco) anos da entrega da obra. Precedente. 4. No caso concreto, conhecido o vício construtivo desde 1987, deve ser declarada prescrita a pretensão ajuizada em 2010, mesmo interrompida por medida cautelar de produção antecipada de provas proposta em 2008. 5. Na hipótese, o prazo vintenário deve ser aplicado em sua integralidade, haja vista que na entrada em vigor do novo Código Civil, já havia transcorrido mais de 10 (dez) anos (art. 2.028 CC/02). 6. Recurso especial provido" (STJ, REsp. n. 1.711.581/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 19/06/2018, 3ª turma, DJe. 25/6/2018).

De qualquer maneira, o pensamento exarado por Gomide alhures escancara verdadeira vanguarda, isto porque, quiçá se consiga ainda fazer valer mero exercício lógico acerca da impossibilidade do empreiteiro responder indefinidamente, ou, em tempo maior do que o positivado pelo ordenamento, pelos vícios surgidos na obra, quem dirá fazer com que a atividade jurisdicional passe a ser embasada em normas e estudos técnicos quando da definição dos prazos que a cada material construtiva deva se estabelecer prazo de vida útil. Explica-se.

No referido artigo, Gomide chega a propor a utilização dos prazos de vida úteis específicos de cada materiais estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a fim de lastrear os prazos de responsabilidade dos empreiteiros:

"Mais recentemente, a NBR 17170 de 2022 estabeleceu prazos recomendados de garantia que, segundo a norma, deve ser [...] o tempo em que o fornecedor é responsável perante o consumidor por corrigir falhas nos produtos por ele fornecidos e originados no processo de sua concepção e produção, desde que seja realizada a manutenção devida, os produtos sejam corretamente utilizados e observadas as demais condições prevista no manual de uso, operação e manutenção deste produto. Como exposto acima, é verdade que as referidas normas técnicas, embora relevantes no âmbito da construção civil, nem sempre são levadas em consideração pelo intérprete do direito brasileiro. Apesar do artigo 39, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor determinar que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços colocar no mercado qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas da ABNT, não obriga o consumidor a atender às disposições das referidas normas" (GOMIDE, Alexandre Junqueira. Os prazos e as pretensões nas ações de vícios construtivos).15

Nesse mesmo sentido, inclusive, são as lições de José Puoli, o qual, tecendo comentários acerca dos vícios construtivos, também critica evidente responsabilização ad aeternum que o judiciário tem imposto ao construtor ao revés da legislação12 e propõe que:

"Salvo melhor juízo, isto tem de ser revisto, de maneira que, com uma mais atenta aplicação das normas, em especial, quanto a vícios aparentes, se possa ter critério mais justo, e curto (no tempo), para acolhimento de pleitos relativos a vícios construtivos, o que se faz de fundamental importância para resgatar a segurança jurídica necessária nas relações que envolvem a edificação de bens imóveis, bem como para evitar que os preços do 'mercado' continuem a embutir os custos decorrentes do mais longo tempo de assistência técnica imposta pela interpretação acima mencionada. (...). Por se tratar de tema em que as questões técnicas são de enorme relevância, cumpre uma vez mais fazer referência a uma das normas técnicas acima já citadas, qual seja, a NBR 15.575. Referida norma, como consta no 'site' da Associação Brasileira de Normas Técnicas, trata do 'desempenho de edificações habitacionais' e, entre outros relevantes conceitos, apresenta o de vida útil de projeto que, nas palavras de Ricardo Campelo, corresponde a 'um conceito destinado à etapa de projeto, momento em que deve ser redefinida a estimativa teórica do tempo pelo qual a edificação deverá apresentar o desempenho mínimo... desde que observado o correto comportamento dos usuários quanto ao uso e manutenção'. (...). E cabe salientar que este tipo de distinção, de prazos, propicia haja uma mais justa análise dos temas acima abordados, eis que se passa a ter um referencial fundado em norma técnica que, de um lado, impede confundir garantia e/ou responsabilidade, com vida útil de projeto dos elementos construtivos e, de outro, faz com que se possa mitigar a problemática generalização acima referida, eis que se a ocorrência tiver aparecido depois do esgotamento do tempo de 'vida útil de projeto', previsto especificamente para um elemento construtivo, não se poderá imputar ao construtor responsabilidade. Nota-se, tal como já mencionado neste texto, que, mesmo depois de ultrapassando o prazo de garantia, ainda se poderá postular 'tutela' alegando vício construtivo, mas, esgotada a garantia, além de ser necessária a prova da culpa do construtor, ainda se terá de ter atenção para ver se não foi ultrapassado o prazo de vida útil de projeto do item construtivo específico. E, retomando a ideia de garantia, cumpre salientar que a NBR 15.575 também traz lista com indicação de prazos 'recomendados', sendo que estes prazos de garantia específicos também variam conforme o item construtivo e são, para vários elementos, menores que cinco anos. Deste modo, a norma técnica em análise também faz com que se tenha referencial preciso para afastar a ideia de uma amplíssima concepção de solidez e segurança, eis que, ao menos quanto aos elementos construtivos cuja garantia for (no bojo da norma técnica) de prazo inferior a cinco anos, passa a haver uma barreira técnica a impedir que se queira encarar tal elemento construtivo como referenciado à solidez e segurança de uma edificação. E, não havendo relação direta com solidez e segurança, passam a ser aplicáveis as normas que regulamentam os vícios redibitórios, das quais constam prazos legais menos extensos do que aquele do artigo 618 do Código Civil" (PUOLI, José Carlos Batista. Vícios Construtivos. In BORGES, Marcus Vinícius Motter (coord.). Curso de Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 1ª ed., 2021, p. 637/639).

Assim, com uma leitura a contrário senso de que as normas técnicas em comento devem ser levadas em consideração quando da análise do prazo de responsabilização do empreiteiro13, é adequado que o judiciário já se atente para os prazos específicos de vida útil dos materiais construtivos.

De todo modo, até que haja uma maior adesão pelo judiciário do quanto narrado, imperioso reconhecer que, o tão ignorado prazo legal quinquenal decadencial de responsabilidade pelos eventuais vícios ocultos da empreitada e já previsto no artigo 618 do CC deve, por todo o exposto, deve voltar a ser considerado nos julgamentos.

Conclusões

Portanto, independentemente da evolução do entendimento jurisprudencial, ou, até mesmo, de eventuais inovações legislativas, fundamental seja retomada a literalidade do que consta como prazo de garantia previsto no caput do art. 618 do CC, a fim de se aplicar razoável termo para a responsabilidade do empreiteiro dos vícios de obra surgidos após o aceite da obra e, com isso, evitar uma quase eterna responsabilidade para o construtor o que se faz necessário para trazer maior justiça no âmbito das decisões de ações indenizatórias surgidas nesse âmbito e nas quais se aplica a teoria da actio nata em sua vertente subjetiva.

Ademais, tal conclusão não só decorre dos fundamentos econômicos e fáticos expostos, como também é de rigor em face da lógica intrínseca da própria teoria da actio nata em seu âmbito subjetivo, a qual, como dito, é aplicada aos vícios construtivos ocultos.

_______

1 CC: "Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito".

2 Cf. STJ, EREsp n. 1.280.825/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. 27/06/2018, DJe. 02/08/2018.

3 Súmula 194 do STJ: "Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra".

4 Note apenas que o citado artigo 1.245 do CC/16 é o correspondente do atual art. 618 do CC/02. Ipsis litteris: "Art. 1.245. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não achando firme, preveniu em tempo o dono da obra".

5 Como ensina Orlando Gomes, empreitadas mistas são aquelas em que, além de elaborar a obra, "o empreiteiro forneceu os materiais" e, por conta disso, "por conta do empreiteiro correm os riscos, até a entrega da obra" (GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 366/370).

6 No presente caso, também pouco importa se considere o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, trienal ou decenal, uma vez que, quando do surgimento do vício, não mais respondia o empreiteiro pela obra.

7 LSA: "Art. 287. Prescreve: (...) II - em 3 (três) anos (...) b) a ação contra os fundadores, acionistas, administradores, liquidantes, fiscais ou sociedade de comando, para deles haver reparação civil por atos culposos ou dolosos, no caso de violação da lei, do estatuto ou da convenção de grupo, contado o prazo: (...) 2 - para os acionistas, administradores, fiscais e sociedades de comando, da data da publicação da ata que aprovar o balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido".

8 A teoria da actio nata, desenvolvida por Savigny, é extensamente usada pela doutrina moderna para definir o termo inicial dos prazos prescricionais. Isto é, só se pode falar em prescrição a partir do momento em que uma pretensão surge, ou seja, "é necessário, então, uma actio nata". Ao criar a teoria, preconizou o professor alemão que seria somente preciso "uma violação do direito que determine a ação do titular" para que o prazo prescricional se iniciasse (SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 204/205). Referida leitura do termo inicial da prescrição corresponde à vertente objetiva da teoria da actio nata. Contudo, com o aprimorar da doutrina e da jurisprudência, percebeu-se que tal tratamento acarretava injustiças, muitas vezes, impunidade, já que nem sempre aquele que tem em seu favor um direito de ação nascendo tem consciência da lesão que sofreu. Por conta disso, desenvolveu-se também a chamada teoria da actio nata em sua vertente subjetiva, v.g., quando o termo inicial da prescrição surge, não com a violação de um direito, mas, com a devida ciência do lesado do dano sofrido. Nesse sentido: "Apesar do trecho final transcrito, constata-se que a lei, a jurisprudência e a própria doutrina têm levado em conta esse conhecimento para os fins de fixação do termo a quo da prescrição, construindo uma teoria da actio nata com viés subjetivo. Nessa esteira, José Fernando Simão expõe que, 'contudo, parte da doutrina pondera que não basta surgir a ação (actio nata), mas é necessário o conhecimento do fato. Trata-se de situação excepcional, pela qual o início do prazo, de acordo com a exigência legal, só se dá quando a parte tenha conhecimento do ato ou fato do qual decorre o seu direito de exigir. Não basta, assim, que o ato ou fato violador do direito exista para que surja para ela o exercício da ação. Já aqui mais 'liberal', exige a lei o conhecimento pelo titular para que, só assim, se possa falar em ação e também em prescrição desta. (...)'." (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 302, E-book).

9 Nesse sentido: "STJ adota como regra para o cômputo da prescrição a teoria da actio nata em sua vertente objetiva, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem" (STJ, AgInt no REsp: 1.494.347*SP, Rel. Min. João Otávio De Noronha, Data de j. 10/09/2024, Quarta Turma, DJe 12/09/2024).

10 Como ensina José Simão, trata-se de ações em que "o comitente teria um prazo para exigir a reparação, tutela em questão tem natureza claramente condenatória" (SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 267) e não para as ações de pretensões constitutivas, como exemplo a ação de rescisão do contrato.

11 Nesse sentido: "O artigo 1.245 do Código Civil de 1916 prevê um prazo de garantia de 5 (cinco) anos. Caso o vício oculto, capaz de comprometer a solidez e segurança da obra, manifeste-se dentre desse prazo, o proprietário da obra tem 20 (vinte) anos, prazo ordinário para o exercício das pretensões de direito material pessoais, contado do aparecimento do defeito, para o ajuizamento da ação para reparação de danos. Súmula 194/STJ" (STJ, REsp: 1.711.581/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 19/06/2018, Terceira Turma, DJe 25/06/2018).

12 Sobre a questão, Puoli aponta que: "A despeito disto, os prazos para que se possa exercer o direito postular a correção do problema, ou a indenização por conta do vício construtivo, não se esgotam naqueles marcos. Com efeito, a análise jurisprudencial tem sido bastante objetiva ao mencionar que se prolonga, para além do período de garantia, o lapso de tempo em que o direito poderá ser objeto de exercício 'material' ou, se necessário, de ajuizamento de demanda judicial. Tal interpretação decorre da circunstância de uma edificação ser tipo de bem que, no dia a dia da vida, se apresenta como de elevada capacidade para se manter 'rígido' ao longo de 'largo' espaço de tempo. Se no geral este raciocínio é razoável, importante desde logo referir que o uso discriminado desta ideia tem ocasionado perigosa distorção que, s.m.j., precisa ser corrigida. É dizer, não pode ser eternizado, nem tampouco desarrazoadamente grande, o período dentro do qual um construtor/incorporador irá responder pela construção realizada. É que, se assim acontece, eleva-se a insegurança, estimulam-se os conflitos e, ainda, é acarretado relevante aumento no custo de produção, com efeitos deletérios não apenas para construtores/incorporadores, mas também para contratantes e consumidores de 'produtos imobiliários', que acabam tendo de conviver com preços elevados no mercado" (PUOLI, José Carlos Batista. Vícios Construtivos. In BORGES, Marcus Vinícius Motter (coord.). Curso de Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 1ª ed., 2021, p. 635/636).

13 Nesse sentido, novamente, Puoli: "Noutros termos, a já mencionada tendência de ampliação do conceito de solidez e segurança passou a ter, desde a edição da NBR 15.575 e s.m.j., a necessidade de se vincular ao que a 'norma técnica', agora de forma detalhada, passou a indicar como atual estágio de desenvolvimento tecnológico dos materiais e procedimentos empregados numa edificação, dando, s.m.j., efetivo respaldo para este regime de análise dos vícios construtivos. Também corrobora esta necessidade, o que consta do artigo 39, VIII, do CDC, que preceitua ser prática abusiva 'colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas específicas não existirem, pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas...'; texto legal esse que, numa leitura a contrário senso, significa que o ordenamento jurídico brasileiro dá sim um importante grau de 'enforcement' para as normas da ABNT." (PUOLI, José Carlos Batista. Vícios Construtivos. In BORGES, Marcus Vinícius Motter (coord.). Curso de Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 1ª ed., 2021, p. 639).

14 Disponível aqui.

15 Disponível aqui.