As operações de compra e venda e de permuta imobiliárias sob a ótica da análise econômica do direito: como elaborar um contrato eficiente?
quinta-feira, 17 de julho de 2025
Atualizado em 16 de julho de 2025 14:00
- Fundamentos da análise econômica do direito
Partindo do pressuposto de que o homem racional está em busca dos seus próprios interesses, de maximizar seus benefícios com o menor custo possível, e que, portanto, a economia é, como leciona Richard Posner, a ciência das escolhas racionais num mundo em que os recursos são limitados em relação aos desejos humanos1, a análise econômica do direito busca trazer um novo olhar sobre o atual sistema jurídico a fim de que as normas existentes e as relações a elas submetidas sejam analisadas e interpretadas de forma mais eficiente, a partir de critérios econômicos.
Uma das definições de "eficiência" mais utilizadas na economia é a de Kaldor-Hicks, segundo a qual determinada ação/norma/política pública é eficiente se o benefício total por ela gerado for superior ao custo total2. A ideia é "aumentar o tamanho do bolo" (maximização da riqueza), sem que haja necessariamente uma compensação efetiva.
As externalidades, por sua vez, são, de acordo com Vasco Rodrigues3, os custos ou benefícios gerados por determinada atividade que impactam terceiros e não estão relacionados com o sistema de preços. Se a atividade impõe custos, produz uma externalidade negativa; se impõe benefícios, a externalidade será considerada positiva.
Para o autor, a função do direito é, na perspectiva econômica, "evitar que a existência de externalidades impeça a obtenção de resultados socialmente eficientes"4. As normas jurídicas ou políticas públicas devem incentivar atividades que gerem externalidades positivas e desestimular aquelas das quais decorram externalidades negativas. O chamado "imposto seletivo" que a reforma tributária busca implementar é um claro exemplo de norma criada para desincentivar a venda de produtos que fazem mal à saúde, como bebidas alcóolicas, cigarros ou produtos que causam danos ao meio ambiente.
O economista Ronaldo Coase, considerado um dos fundadores da AED, ao desenvolver o famoso teorema que se tornou conhecido como "Teorema de Coase", defende que, embora muitas vezes a intervenção estatal seja necessária para evitar as externalidades negativas, em outras situações, tal intervenção pode, na verdade, impedir que sejam atingidos resultados eficientes5. Para ele, o resultado só é eficiente quando acarreta o menor custo possível6.
Coase defende que, quando os custos de transação são zero, os resultados são eficientes, pois não haveria qualquer dificuldade no rearranjo dos direitos inicialmente estabelecidos legalmente. No entanto, o próprio Coase7 reconhece que a suposição de que os custos de transação nas operações mercantis são zero é irrealista, tendo em vista as diversas etapas envolvidas em tais operações, tais como custos de negociação, custos de informação, custos para elaboração do contrato, custos de garantia de cumprimento do contrato, dentre outros.
Os elevados custos de transação podem muitas vezes impedir a negociação e, com isso, os casos são levados ao judiciário para serem resolvidos por um terceiro (juiz) que atua em nome do Estado. Coase8 ilustra a atuação equivocada do Estado nas resoluções de conflitos ao relatar casos judiciais diversos em que entende não ter havido uma solução eficiente, e defende que os juízes devem levar em consideração as consequências econômicas de suas decisões.
Os equívocos praticados pelo judiciário ocorrem também na interpretação dos contratos, sendo que muitas vezes o conflito é resolvido judicialmente de forma diversa do que era inicialmente a intenção das partes quando da elaboração do instrumento.
Soma-se a isto os elevados custos envolvidos em eventual judicialização das relações contratuais, como, por exemplo, os custos incidentes para a contratação de advogados, as custas judiciais, os custos para a produção de provas e pareceres, dentre outros.
Assim, num mundo em que as transações e litígios são custosos, revela-se essencial que os contratos sejam redigidos de forma consciente e estratégica, de modo que as responsabilidades, os riscos e os custos sejam alocados de acordo com a vontade das partes no momento da contratação, bem como levando em consideração a realidade econômico-social do contexto no qual o contrato está sendo celebrado.
Nesse sentido, a teoria do design contratual, desenvolvida pela doutrina norte-americana e ainda pouco explorada no Brasil, fornece mecanismos para que os operadores do direito saibam definir, caso a caso, a forma mais adequada de redação contratual a partir de parâmetros econômicos, a fim de que eventuais litígios sejam resolvidos da forma mais eficiente.
A referida teoria divide os custos envolvidos na transação entre: front-end costs, que ocorrem antes da celebração do contrato e nele estão incluídos os custos para antecipar as futuras contingências e as consequências advindas de cada uma delas; e back-end costs, que se referem aos custos incidentes para uma eventual execução do contrato e inclui, por exemplo, os custos para provar a ocorrência ou não de determinado fato9.
Mais precisamente, front-end costs correspondem aos custos de transação e back-end costs correspondem aos custos de execução contratual10.
A escolha quanto à alocação dos investimentos das partes na contratação (se no front-end ou back-end) deve ocorrer de forma estratégica, visando aumentar o valor da transação ou gerar incentivos para que as obrigações sejam cumpridas quando o cumprimento for eficiente11.
Analluza Bravo Bolivar afirma que, na teoria do design contratual, o contrato é comparado a um software, pois, através do "perfil da redação e da linguagem utilizada no contrato - vaga ou precisa", regula as contingências, aloca os riscos e define o meio de resolução de eventuais conflitos12.
É certo que, quanto mais clara e precisa estiver a redação do contrato, quanto mais situações estiverem reguladas contratualmente de acordo com a vontade inicial das partes, menos espaço haverá para a intervenção judicial; por outro lado, mais custos de transação incidirão nesta etapa inicial, tendo em vista as partes já deverão negociar as consequências decorrentes de contingências que podem, inclusive, nunca vir a se concretizar e desnecessariamente dificultar o fechamento do negócio, de modo que, mesmo no caso de situações previsíveis, há casos em que a sua regulação em contrato não se justifica.
Já a utilização de uma redação mais vaga, imprecisa, deixa margem para que haja mais discricionariedade do juiz na interpretação do contrato, mas, ao mesmo tempo, transferem os custos para a parte final do negócio (execução do contrato), na medida em que as consequências decorrentes de eventuais litígios não foram previamente reguladas em comum acordo entre as partes e serão resolvidas a partir de parâmetros de interpretação estabelecidos pela lei ou, na sua ausência, pelo juiz.
Para a teoria do design contratual, a escolha entre termos vagos ou precisos pelas partes se baseia na "expectativa de adimplemento esperado por elas"13. A ideia é que o contrato preveja tanto termos vagos quanto precisos, cabendo às partes, a partir da análise das circunstâncias, dos ganhos gerados pelos incentivos, dos custos de transação incidentes, da probabilidade de ocorrência de determinada contingência, definir quais hipóteses devem ser reguladas de forma mais precisa e quais devem ser reguladas de modo mais vago.
A forma proposta pela teoria do design contratual para reduzir a discricionariedade do judiciário na interpretação de termos vagos previstos no contrato, como "melhores esforços", "despesas razoáveis", é a definição de parâmetros de interpretação na parte inicial da contratação através de termos precisos (front-end costs).
Dessa forma, o presente artigo parte da premissa de que um contrato eficiente é aquele estruturado visando a prevenção de conflitos, mitigação de riscos, redução de custos e regulação de possíveis situações futuras, deixando bem definidos e claros os direitos, responsabilidades e riscos assumidos por cada parte e estipulando as consequências desejadas em cada situação, trazendo, assim, de comum acordo, soluções eficientes para ambas as partes sem a necessidade de intervenção judicial.
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1 POSNER, Richard A. The Nature Of Economic Reasoning, chapter 1 from Economic Analysis of Law (4th ed. 1992). In: DAU-SCHIMIDT, Kenneth G; ULEN, Thomas Shahan (Orgs.). Law and Economics Anthology. Cincinnati: Anderson Publishing Company, 1998, p.1-2.
2 Ibidem. p. 10.
3 RODRIGUES, Vasco. Análise Econômica do Direito: Uma introdução. Coimbra: Almedina, 2016. 2ª Ed, p. 39.
4 Ibidem. p. 40.
5 Ibidem. p. 43.
6 Ibidem. p. 44.
7 COASE, Ronald. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, Vol. 3 (Oct., 1960), p. 15.
8 Ibidem. p. 19
9 Robert E. Scott & George G. Triantis, Incomplete Contracts and the Theory of Contract Design, 56 CASE W. RES. L. REV. 187 (2005). p. 190.
10 SCOTT, Robert E. and TRIANTIS, George G. Antecipating Litigation in Contract Design, 115 Yale Law Journal 814 (2006), p. 823.
11 "Parties thus incur contracting costs to improve the efficiency of incentives in their relationship, particularly the incentive to perform when it is efficient to do so and the incentive to make efficient investments that enhance the value of their exchange" (SCOTT, Robert E. and TRIANTIS, George G. Antecipating Litigation in Contract Design, 115 Yale Law Journal 814 (2006), p. 823).
12 BOLIVAR, Analluza Bravo. A teoria do "design" contratual: sua aplicabilidade face às regras de interpretação do contrato no Brasil. In: Revista de Direito Empresarial: ReDE, São Paulo, V. 4, n. 18, p. 03.
13 Ibidem. p. 05.