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Súmula 308/STJ: Inaplicabilidade à alienação fiduciária de bens imóveis

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Atualizado em 27 de agosto de 2025 09:11

Análise do REsp 2.130.141, que reconheceu a inaplicabilidade da súmula 308/STJ aos contratos de alienação fiduciária em garantia de bens imóveis.

Importante decisão proferida pelo STJ reconheceu que não é possível equiparar o contrato de alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, regido pela lei 9.514/97, com a contratação de hipoteca, afastando o entendimento de supressão da eficácia da garantia perante terceiros adquirentes quando firmada entre construtora e agente financeiro que havia sido sedimentado através da súmula 308, do STJ.

A súmula 308, do STJ, publicada em 25/4/05, assim dispõe: "A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.".

A decisão, didaticamente proferida, analisou caso em que empresa incorporadora e construtora alienou fiduciariamente unidades em garantia de pagamento de dívida confessada para com grupos de consórcio. Não obstante o impeditivo legal e contratual, a empresa devedora fiduciante contratou com terceiro a promessa de compra e venda das unidades, transferindo a posse das mesmas.

Apesar da dívida confessada, a empresa devedora fiduciante inadimpliu com os pagamentos mensais, o que acarretou na consolidação da propriedade fiduciária em nome da Credora. Neste momento, na iminência da realização dos leilões extrajudiciais, o terceiro interessado ingressou com demanda judicial objetivando o provimento jurisdicional para o cancelamento da alienação fiduciária gravada sobre os bens imóveis.

A tese desenvolvida pelo terceiro promitente comprador para a pretensão de cancelamento da alienação fiduciária contratada e que foi acolhida nas instâncias inferiores resumia-se à aplicação, por analogia, súmula 308, do STJ, que estabelece: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.".

Diante do recebimento do REsp 2.130.141 - RS, a 4ª turma do STJ, ciente da relevância do tema e de sua repercussão no mercado imobiliário, ponderou ser essencial uma análise mais aprofundada sobre a controvérsia jurídica envolvendo a garantia por alienação fiduciária e a aplicação, por analogia, da súmula 308, do STJ.

Para tanto, o ministro relator Antonio Carlos Ferreira estabeleceu axiomas para o melhor desenvolvimento e compreensão do Julgado:

1º Axioma: A ratio decidendi

O excelso relator recuperou as razões pelas quais foi editada a referida súmula em comento, destacando a sua origem nos argumentos dos compradores prejudicados pela falência da empresa construtora Encol S.A. Engenharia que adquiriram unidades que haviam sido hipotecadas a agentes financeiros, mas que não as receberam.

Além, o nobre ministro discorreu sobre a ratio decidendi da súmula 308, do STJ,  apontando que é "fundamental analisar os fundamentos fáticos relevantes dos julgados que a precederam", destacando que quase todos os julgados que confluíram para a elaboração da Súmula citaram como fato relevante ser a relação negocial oriunda do Sistema Financeiro de Habitação - SFH, que tem por objetivo facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população" (art. 8º da lei 4.380/1964). 

De maneira perspicaz, a decisão compreendeu que os novos julgados ao aplicarem por analogia a súmula e afastarem a aplicabilidade da alienação fiduciária o fazem com base na presunção de boa-fé do adquirente, como se esta fosse a sua ratio decidendi. 

Contudo, como afirmado no julgado, "não se extrai como fato jurídico essencial o respeito à boa-fé do adquirente no âmbito dos direitos reais, mas sim a existência de um regime especial instituído pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação.".

Desta forma, neste ponto, concluiu o julgado aclarando: "possuindo razões de decidir distintas, não se poderia aplicar analogicamente o entendimento sumular.".

2º Axioma: A comparação entre os institutos da Hipoteca e da Alienação Fiduciária

Conceitualmente, a Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis e a Hipoteca são institutos distintos que guardam, como destacado na decisão, aspectos comuns, dentre os quais serem "acessórios, empregados como garantia real para transações jurídicas principais sobre propriedades imobiliárias.".

A hipoteca é um direito real de garantia em que a posse e propriedade do bem imóvel permanecem com o devedor hipotecante, cabendo ao credor apenas o direito de preferência de crédito sobre os credores quirografários em caso de expropriação judicial do bem, sendo preterido, no entanto, quando de encontro com credores privilegiados, como é o caso do crédito tributário e trabalhista. 

A alienação fiduciária, por sua vez, erigida na forma da lei 9.514/97, importa na transferência ao credor da propriedade resolúvel do bem e a posse indireta, mantendo-se o devedor tão somente na posse direta do bem até que ocorra a quitação da dívida. Com a quitação da dívida, cumpre-se a condição resolúvel e a propriedade é transferida para o devedor, extinguindo-se a obrigação. 

Em direta conceituação, CHALHUB esclarece de forma precisa a distinção da alienação fiduciária em garantia da hipoteca: "Em suma, enquanto a hipoteca é um direito real em coisa alheia, a propriedade fiduciária é um direito real em coisa própria"1.

Partindo desta premissa de distinção entre a garantia real da hipoteca e a garantia da alienação fiduciária, a decisão ora examinada estabeleceu seu terceiro princípio lógico: "Como justificar a aplicação da súmula 308 do STJ à alienação fiduciária diante do tratamento normativo distinto conferido aos devedores de ambas garantias reais? Enquanto o devedor hipotecário detém a propriedade, o devedor fiduciante possui apenas a posse direta do imóvel, sendo, portanto, o negócio jurídico celebrado com terceiro de boa-fé ineficaz em face do proprietário do bem, o credor fiduciário.".

3º Axioma: Da venda A Non Domino

A venda a non domino ocorre quando alguém vende a outrem um bem sem ser o seu legítimo proprietário. Segundo a doutrina de RODRIGUES, "em tese, a venda de coisa alheia é nula, pois ninguém pode alienar o que não é seu."2.

O Devedor Fiduciante, ao vender, prometer vender ou ceder a terceiro o imóvel que alienou fiduciariamente, tornou ineficaz perante o proprietário e credor fiduciário o negócio jurídico entabulado, o que impede a aplicação por analogia da súmula 308, do STJ.

Segundo a decisão em estudo, "se o devedor fiduciante, por contrato de promessa de compra e venda ou de cessão de direito, negocia com terceiro de boa-fé bem imóvel de propriedade do credor fiduciário, tal transação não afeta a alienação fiduciária devidamente registrada por escritura pública. Consequentemente, torna-se inviável aplicar o entendimento sumular.".

4º Axioma: A hipótese de exceção normativa para restringir a aplicação de regra jurídica válida

Por fim, a decisão ponderou que na lei 9.514/97 há dispositivo que exige a anuência expressa do credor fiduciário para que o devedor fiduciante transmita para terceiros os direitos que detém sobre o bem imóvel alienado fiduciariamente.

Segundo o raciocínio do julgado, não poderá a súmula 308, do STJ, que é uma exceção à regra geral do direito imobiliário sobre a prioridade registral - a hipoteca celebrada entre a incorporadora e a instituição financeira não tem eficácia perante os adquirentes que conseguiram crédito por intermédio do Sistema Financeiro da Habitação - ser aplicada de modo estendido ao instituto da alienação fiduciária, mas sim, e tão somente, aos casos de hipoteca.

Em lógica, conclui o ministro relator Antonio Carlos Ferreira:

Logo, seja pela inadequação de se estender a ratio decidendi da súmula aos casos não contemplados no SFH, seja por ausência de similaridade normativa entre os institutos, seja porque o negócio jurídico realizado por quem não é dono não produz efeito em relação ao proprietário fiduciário, ou mesmo pela impossibilidade de elastecer uma hipótese de exceção normativa para restringir a aplicação de regra jurídica válida, o fato é que a Súmula n. 308 do STJ não deve ser empregada nas hipóteses de alienação fiduciária.

Portanto, as linhas de raciocínio representadas pelos quatro axiomas que servem de premissas estruturantes para o Julgamento de procedência do REsp 2.130.141/RS - e que também serviram para o julgamento do AREsp 2.315.164/RS - conduzem inequivocamente à conclusão de inaplicabilidade da súmula 308, do STJ, mesmo que por analogia, aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pela lei 9.514/97.

__________________

1 CHALHUB, Melhim Namem. Negócio fiduciário. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 196

2 RODRIGUES. Sílvio. Direito Civil: Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 132.