Embargos de terceiro: Algumas (breves) anotações
quinta-feira, 27 de novembro de 2025
Atualizado em 26 de novembro de 2025 15:22
Introdução
Os embargos de terceiro são uma ferramenta amplamente utilizada por advogados do ramo imobiliário que buscam impedir a constrição indevida de imóveis em processos nos quais seus clientes, geralmente, não figuram como partes.
Contudo, é fundamental que os embargos de terceiros sejam manejados de forma tempestiva e nas hipóteses previstas em lei. Afasta-se, assim, o risco de preclusão do direto do embargante, bem como sua condenação nas penas da sucumbência.
Assim, no intuito de auxiliar colegas advogados que estão iniciando sua prática no Direito Imobiliário, mas sem pretensão de esgotar o tema, este breve artigo tratará de quatro importantes aspectos dos embargos de terceiro: (i) momento da propositura; (ii) legitimidade ativa (iii) competência e (iv) tutela de urgência.
Momento de propositura
Acerca do momento da propositura dos embargos de terceiros, o art. 1.046 do CPC/73 apontava que "Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer Ihe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos".
Já na atual codificação, os embargos de terceiros estão previstos ao art. 674, caput, que afirma que "Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro".
Como nota inicial, aponta-se que, no art. 674, caput, do CPC, a novel legislação opta pelo genérico termo "constrição", evitando a descrição exemplificativa de medidas de apreensão judicial. A mudança é salutar, eis que afasta o risco de julgamento de improcedência dos embargos de terceiro por suposta ausência de taxativa hipótese legal.
Feita essa observação, nota-se que a redação do art. 674, caput, do CPC afirma que a ameaça de apreensão judicial poderá servir como mote para o ajuizamento, em caráter inibitório ou preventivo, de embargos de terceiros, positivando um antigo entendimento da doutrina abalizada1.
É justamente por essa ratio que os embargos de terceiro podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença e, no cumprimento de sentença ou no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta (art. 675, caput do CPC).
Deve-se mencionar que o parágrafo único desse artigo prevê o contraditório participativo, corolário do princípio da cooperação, por parte do magistrado, que possui o poder-dever de determinar a intimação pessoal do terceiro titular com interesse para embargar o ato.
É importante destacar que outro momento para propositura dos embargos de terceiros está previsto ao art. 792, § 4º do CPC. Esse dispositivo legal prevê que, antes de eventual declaração judicial reconhecendo fraude à execução, o terceiro adquirente seja intimado para apresentar, no prazo de 15 dias úteis, embargos de terceiro2.
Legitimidade ativa
Acerca da legitimidade ativa, o caput do art. 674 do CPC afirma que será legitimado para opor embargos de terceiro quem "não for parte no processo", o que se levaria à conclusão de que, necessariamente, se estaria a tratar de um terceiro (leia-se: "parte estranha à lide").
Contudo, como nos lembra Daniel Amorim Assumpção Neves, registre-se que o simples fato de ser um terceiro e ter seu bem constrito judicialmente, por si só, não legitima o sujeito afetado a opor embargos de terceiro3.
Tal situação se verifica nos casos expressamente previstos em lei acerca da responsabilidade patrimonial de terceiros (art. 790 do CPC) ou nos casos relacionados a (futuro) réu, que não tenha sido citado e, portanto, não integra a relação jurídica até aquele momento, mas não pode ser considerado um terceiro4.
Destaca-se que o § 1º desse artigo aponta que "Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário ou possuidor", dispensando-se, assim, a prova de posse do bem exigida pela codificação anterior (art. 1.046, § 1º do CPC/73).
Por outro lado, serão legitimados para oposição de embargos de terceiro os mencionados nos quatro incisos do art. 674, § 2º, do CPC5, que não necessariamente precisam ser terceiros.
É o exemplo do assistente simples: este participa do processo (rectius: integra a relação processual), mas - caso se encaixe em um dos incisos do art. 674, § 2º, do CPC - terá legitimidade ativa para opor embargos de terceiro.
Assim, em que pese a menção ao termo "terceiro" nesse dispositivo legal, conclui-se que se pode caracterizar como legitimado a opor embargos de terceiro aquele sujeito que "não pode sofrer os efeitos do processo do qual surgiu a ordem de constrição patrimonial, porque o objeto desse processo não diz respeito ao direito material do qual seja titular".6
Competência
A competência para os embargos de terceiro está prevista no art. 676 do CPC, que aponta que "Os embargos serão distribuídos por dependência ao juízo que ordenou a constrição e autuados em apenso". Trata-se, como o leitor atento já deve ter constatado, de regra semelhante à dos embargos de devedor.
É importante destacar que a competência do juiz que determinou o ato constritivo é de natureza funcional e, portanto, absoluta e improrrogável.7 Tal previsão é coerente, haja vista que, tendo os embargos de terceiros a finalidade de desconstituir (ou impedir) uma ordem judicial, "não seria adequado que outro órgão jurisdicional de mesma instância pudesse se sobrepor àquele juízo que ordenou a apreensão"8.
Contudo, como toda regra comporta exceções, a competência para julgamento dos embargos de terceiros poderá ser deslocada em caso de oposição desse remédio processual por ente federal previsto ao art. 109, I, da Constituição Federal.
Nesses casos, a competência para julgamento dos embargos de terceiro será do juízo federal, que decidirá sobre o interesse da União no processo, nos termos da súmula 150 do STJ9, ressalvado o (controvertido) entendimento de que a competência para julgamento da ação principal continuaria a ser da Justiça Estadual10.
Por fim, cabe analisar a hipótese da fixação de competência em caso de constrição judicial oriunda de carta precatória. A competência para julgamento dos embargos de terceiro será do Juízo Deprecado ou do Juízo Deprecante?
Aponta o art. 676, parágrafo único do CPC que "Nos casos de ato de constrição realizado por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecado, salvo se indicado pelo juízo deprecante o bem constrito ou se já devolvida a carta".
Haja vista a literalidade da regra do caput do art. 676, conclui-se que, para adequada fixação da competência nesses casos, é imprescindível que se verifique o juízo responsável pela individualização do bem objeto da constrição judicial.
É nesse sentido a jurisprudência do Tribunal da Cidadania: "Assim, em regra, a competência para julgamento dos embargos de terceiro que versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação do bem será do Juízo deprecado. Entretanto, caso haja indicação expressa do bem a ser penhorado pelo Juízo deprecante, será deste a competência para julgamento dos respectivos embargos"11
Tutela de urgência
Por fim, serão traçadas breves considerações acerca da utilização do mecanismo da tutela de urgência em sede de embargos de terceiros.
Diante da ameaça de constrição ou da constrição consumada, a reação natural do embargante seria formular, com base no art. 300 do CPC, pedido de tutela provisória de urgência, o que exigiria a comprovação (i) da probabilidade do direito e (ii) do perigo de dano.
Contudo, em sede de embargos de terceiro, isso não é necessário, haja vista a regra do art. 678 do CPC: "A decisão que reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse determinará a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos embargos, bem como a manutenção ou a reintegração da posse, se o embargante a houver requerido".
Verifica-se, assim, que comprovada a plausibilidade jurídica do pedido (prova do domínio ou posse sobre o bem objeto de constrição), haverá um perigo de dano presumido, o que exigirá do magistrado a imediata suspensão do ato constritivo.
Cumpre destacar que a prova de domínio poderá ser feita por meio da audiência preliminar do art. 677, § 1º do CPC, que é uma verdadeira audiência de justificação, o que muito se assemelha ao procedimento previsto para a reintegração de posse (art. 562 do CPC).
Como última observação, aponta-se que parágrafo primeiro do art. 678 do CPC exige a prestação de caução, ressalvada a impossibilidade financeira do requerente, que deverá ser comprovada no ato da oposição dos embargos de terceiro. Sem prestação de caução, o bem litigioso ficará sequestrado com o juízo até o julgamento final dos embargos de terceiro12.
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1 "De fato, seria ilógico impor ao titular do bem ter que aguardar a concretização de uma ordem judicial tida por equivocada" (CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro e DE PINHO, Humberto Dalla Bernadina Novo Código de Processo Civil - Anotado e Comparado.
2 É válido destacar que o transcurso de prazo do art. 792, § 4º, do CPC/15 não impede a oposição dos embargos de terceiros opostos com fundamento no art. 675, caput, do CPC/15: "O art. 792, § 4º, do CPC/2015 prevê que, antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro que adquiriu o bem anteriormente pertencente ao executado para, querendo, opor embargos de terceiro no prazo de 15 (quinze) dias. Tais embargos têm cunho preventivo, porquanto se destinam apenas a possibilitar que o terceiro evite a constrição judicial enquanto se defende da alegação de ter praticado ato em fraude à execução. Daí que o transcurso do referido lapso temporal não obsta a oposição de embargos repressivos, com fundamento no art. 675, caput, do CPC/2015. Ou seja, o prazo previsto no art. 792, § 4º, do CPC/2015 não é preclusivo." (REsp 2.082.253-PR, rel. min. Nancy Andrighi, DJe 20/09/2023).
3 NEVES, Daniel Amorim. CPC Comentado, São Paulo, Editora JusPodvim. 2024, p. 1198.
4 Há, contudo, divergência nesse posicionamento, com José Miguel Garcia Medina "Os embargos de terceiros podem ser opostos por quem não é parte no processo, e, excecionalmente, por quem é parte, mas tratado de modo assemelhado a terceiro. Os proprietários dos bens sujeitos à execução, caso não tenham sido citados (integrando-se à relação processual) são terceiros". JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, Novo Código Processo Civil Comentado, 5ª edição revista,
5 São estas as hipóteses previstas: I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843 ; II - o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução; III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte; IV - o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.
6 NEVES, Daniel Amorim. CPC Comentado, São Paulo, Editora JusPodvim. 2024, p. 1199.
7 CC 142.849/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22.3.2017.
8 NEVES, Daniel Amorim. CPC Comentado, São Paulo, Editora JusPodvim. 2024, p. 1202.
9 AgInt no REsp n. 2.032.452/MT, Min.Rel. Sérgio Kukina, 1ª Turma, j. 20.05.2024.
10 CC 93.969/MG, Min. Rel. Sidnei Beneti, 2ª Seção, j. 5.6.2008.
12 REsp nº 754.895/MG, Min. Rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 3.06.2005.

