Sob a mira: O aumento da letalidade de crianças e adolescentes
quarta-feira, 16 de abril de 2025
Atualizado em 15 de abril de 2025 13:19
Dados alarmantes veiculados diariamente nos grandes canais de comunicação nos mostram que a cada dia, mais e mais crianças e adolescentes, são colocadas sob a mira de ações violentas, tanto de quem as deveria proteger quanto de outros agentes.
Não é de hoje que o aumento da violência assombra não somente os grandes centros urbanos, mas também regiões, antes consideradas seguras, levando famílias a tentar se proteger sob os muros de condomínios.
Muito embora a desigualdade social seja um dos grandes problemas em nossa sociedade, não podemos creditar somente a ela, a crescente na criminalidade e, por consequência, nas mortes violentas de crianças e adolescentes nas cinco regiões do país.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública1 (2024) mostram que houve cerca de 46.328 mortes violentas intencionais entre os anos 2022 e 2023. 13,8% de todas as mortes violentas intencionais ocorreram em função de intervenções policiais.
Quando reportamos os dados, para mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes, temos que em 2022, foram 2.489 vítimas de 0 a 17 anos, ao passo que em 2023, houve uma leve queda, sendo o número de vítimas, cerca de 2.299 crianças e adolescentes.
Deste total, cerca de 346, foram mortes ocasionadas por intervenção policial. Estas vítimas, em sua maioria, são meninos, entre 12 e 17 anos, representando cerca de 16,6% do total de mortes violentas. A intervenção policial, segundo indicadores do Anuário, é a causa de cerca de uma a cada sete mortes violentas de adolescentes no país.
Não obstante, a desigualdade racial em nossa sociedade, evidência que tais mortes afetam desproporcionalmente crianças e adolescentes negros, representando cerca de 70,3% dos casos, número este que aumenta para 85,4% quando nos referimos apenas aos adolescentes, de 12 a 17 anos.
Refletindo sobre o tema, principalmente pela letalidade advinda de agentes públicos de segurança, não podemos deixar de recordar que a Segurança Pública é dever do Estado e é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, conforme preceitua o art.144, da CF/88.
Como bem pontua Santin, Manfré e Nascimento (2018), o direito à segurança está interligado ao princípio da dignidade humana e, por ser um direito inerente a todo cidadão, cabe ao Estado, prover pelo mesmo de forma eficaz, adequada e eficiente.
Ocorre que, pelos dados acima descritos, é notório que o Poder Público acaba, por vezes, respondendo às insatisfações sociais em relação à criminalidade de maneira despreparada, sem nenhum planejamento estratégico capaz de produzir resultados positivos ao longo do tempo, atingindo aqueles a quem deveria proteger.
Este ciclo de despreparo e a crescente na violência, que acontece cotidianamente no país (aqui, abra-se um parêntese e leia-se também, Estados e municípios) entre as forças de segurança pública e os agentes que violam as leis, reflete na sociedade como um todo, pois quanto mais a violência e a criminalidade aumentam, menor é a eficácia do Estado em assegurar aos seus cidadãos os direitos e garantias fundamentais trazidos em seu texto constitucional.
É neste contexto, que recente estudo2 promovido pelo UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância e pelo FBSP - Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que a não adesão da tropa ao uso dos dispositivos (câmeras corporais) tem contribuído não apenas para o aumento da letalidade policial, inclusive entre crianças e adolescentes, como também para maior exposição dos próprios agentes de segurança a situações de risco.
Entre os anos de 2022 e 2024, o número de vítimas fatais em intervenções policiais, em relação a crianças e adolescentes, mais que dobrou, passando de 35 casos (2022) para 77 (2024), ou seja, um crescimento de 120%. Considerando o perfil das vítimas, o crescimento da letalidade policial atingiu de forma desproporcional brancos e negros.
Entre crianças e adolescentes brancos, foi de 0,33 para cada 100 mil, entre os negros, o índice chegou a 1,22%. Ou seja, crianças e adolescentes negros são 3,7 vezes mais vítimas em intervenções letais da PM no Estado (aqui, leia-se São Paulo).
Em 2024, crianças e adolescentes (10 a 19 anos) representaram 14,9% das vítimas de intervenções policiais e das vitimas fatais, 134 não tinham nenhuma informação sobre a idade no boletim de ocorrência, o que pode nos levar a crer em números superiores aos divulgados. 1 a cada 3 adolescentes assassinados em São Paulo no último ano, foram mortos por policiais militares em serviço.
É válido pontuar que o aumento da letalidade policial foi registrado tanto em batalhões que utilizam câmeras corporais (+175,4%) quanto naqueles que não utilizam (+129,5%). Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, "as recentes mudanças nas políticas de controle de uso de força resultaram no crescimento da letalidade policial, na evidência de que a tecnologia é importante, mas precisa estar associada a outros mecanismos de controle"3.
Muito embora, decisões recentes no STF, creditem ao uso das câmeras corporais nas fardas policiais, um mecanismo capaz de persuadir ações ilegais e o uso desmesurado da força, elas não têm sido um inibidor sobre a ação policial, pelo contrário.
O uso inadequado coloca em xeque, não a câmera em si, mas as condutas dos agentes que, ainda não se veem convencidos quanto a importância do uso destas para assegurar também, a garantia de seus direitos.
Trata-se de um desafio de governança que está, a cada dia, colocando em risco a integridade física de crianças e adolescentes, desrespeitando os ditames legais que asseguram a proteção integral em todas as circunstâncias de suas vidas em sociedade.
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1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.
3 Disponível aqui.
4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível aqui.
5 SANTIN, V. F. MANFRÉ, Gabriele Delsasso Lavorato; NASCIMENTO, Francis Pignatti do (2018). Segurança pública, serviço público essencial e planejamento para a busca da paz. Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XXIII, v. 27, n. 3, p.185-206.