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35 anos do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente: Entre avanços e desafios

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Atualizado em 10 de julho de 2025 07:52

O direito da criança e do adolescente, quando devidamente assegurado no art. 227, da Constituição Federal de 1988, inaugurou uma nova era no que tange ao reconhecimento da criança e do adolescente, todos eles, sem quaisquer distinções, como sujeito de direitos e como tal, dignos de proteção integral.

Todavia, foi necessário a instituição e sanção de uma lei federal para enfim, romper com o paradigma da Situação Irregular e estabelecer a Doutrina da Proteção Integral, e a partir deste documento, o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecer princípios e diretrizes que garantissem direitos humanos e fundamentais a toda população de 0 a 18 anos incompletos.

Ao passar dos anos, e por ser a infância uma fase que muda conforme a sociedade vai evoluindo, foram necessárias algumas complementações aos direitos assegurados em 1990. E, por ser o Estatuto, uma das leis mais avançadas em termos de proteção e garantia de direitos do mundo, o firmamento destas alterações legislativas, vieram a contribuir de maneira eficaz para a persecução de tais direitos.

Neste sentido, numa perspectiva cronológica, quando pensamos nos avanços ao longo destes 35 anos, desde sua concepção, podemos primeiramente citar a criação do CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, através da lei 8.242, de 1991. O CONANDA é responsável pela formulação e acompanhamento das políticas públicas voltadas à infância e adolescência e, sem dúvidas, sua criação teve um impacto significativo, haja vista ter institucionalizado a participação social na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Outras mudanças foram deveras essenciais, e desta feita, podemos aqui mencionar a lei da aprendizagem (lei 10.097/00), que regulamentou a contratação de aprendizes por empresas de médio e grande porte no Brasil, propiciando aos adolescentes, maiores de 14 anos, a possibilidade de ter formação técnico-profissional, garantindo a eles que continuassem o ensino regular enquanto adquirissem experiencia pratica no mercado de trabalho.

Não podemos deixar de mencionar a sanção do Novo CC através da lei 10.406, de 2002, que promoveu significativas alterações no ECA no que diz respeito aos dispositivos de guarda, tutela, adoção e administração patrimonial, enfatizando o principio do superior interesse da criança e do adolescente. A fim de somar às estas mudanças, foi promulgada em 2009, a lei 12.010 - lei da adoção, que estabeleceu parâmetros com vistas a melhorar o processo de adoção no Brasil, unificando e facilitando o acesso às informações sobre crianças e adolescentes à espera de adoção e de seus pretendentes habilitados.

Infelizmente, há ainda situações no Brasil, que após sua ocorrência fatídica, geram respostas legislativas a fim de coibi-las. Foi assim que houve a sanção da lei 13.010, de 2014, que ficou conhecida como lei Menino Bernardo, que proibiu o uso de castigos físicos ou tratamento cruel ou degradante na educação de crianças e adolescentes. Esta lei representa um avanço significativo no que diz respeito à proteção dos direitos infanto-juvenis e visa garantir um ambiente familiar e educacional livre de violência física e psicológica.

A fim de assegurar e fortalecer os princípios da proteção integral e prioridade absoluta, bem como a garantia  dos direitos previstos nos arts. 53 a 59 do ECA, em 2014, através da lei 13.005, foi instituído o Plano Nacional de Educação, que definiu metas e estratégias para a educação no Brasil por um período de dez anos, incluindo a universalização do ensino, a melhoria da qualidade da educação e a redução das desigualdades educacionais.

Nesta orbita de inovações, em 2016, foi promulgada a lei 13.257, também chamada de Marco Legal da Primeira Infância, que estabeleceu políticas públicas voltadas para a primeira infância (publico de 0 a 6 anos de idade), enfatizando a proteção e o desenvolvimento integral das crianças nestas faixas etárias.

Nos anos seguintes, e não menos importante, foram instituídas a lei da escuta especializada - lei 13.431, de 2017, voltada à escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, visando evitar a ré vitimização durante processos judiciais e administrativos. Esta lei, estabeleceu também, dentre outras garantias, um atendimento humanizado e adaptado às necessidades especificas de crianças e adolescentes nestas situações, e a lei Henry Borel - lei 14.344/22, que reforçou medidas protetivas para crianças e adolescentes vitimas de violência domestica e familiar. Esta legislação ampliou medidas preventivas e punitivas, bem como, estabeleceu diretrizes para serviços especializados, campanhas educativas e acoes preventivas, reforçando a responsabilização dos agressores.

Outras inovações também merecem aqui destaque, como a SINASE - lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - lei 12.594/12, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes a quem se atribui a prática de ato infracional; lei 12.965/14, denominada Marco Civil da Internet, que incluiu alguns artigos que tratam da responsabilidade de provedores de internet em casos de exploração sexual de crianças e adolescentes, buscando proteger a infância e adolescência no ambiente virtual; lei da semana nacional de prevenção da gravidez na adolescência - lei 13.798/19; lei da política nacional de busca de pessoas desaparecidas - lei 13.812/19; lei 14.154/21, que alterou o art. 10 do ECA e definiu um rol mínimo de doenças a serem rastreadas pelo teste do pezinho; decreto do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra crianças e adolescentes - decreto 10.701/21, em alusão ao Maio Laranja, mês de combate ao abuso e à exploração sexual do público infanto-juvenil; lei 14.340/22, que alterou a lei de alienação parental, em que um dos responsáveis manipula a criança ou adolescente para afastá-lo do outro genitor, prejudicando a relação e a convivência entre eles; lei 14.548/23, que cria o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes desaparecidos; lei 14.811/24, que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais; lei 14.826/24, que instituiu a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias de prevenção à violência contra crianças.

Mesmo com tantos esforços e avanços legislativos, a proteção integral e prioridade absoluta  aos direitos de crianças e adolescentes ainda não foi totalmente garantida. E os dados estatísticos dos últimos anos comprovam tal afirmação.

Em 2023, mais de 115 mil crianças e adolescentes foram vitimas de violência, aumento de 36,2% em relação a 20221. Ainda que com avanços no combate ao trabalho infantil, com a retirada de 6,3 mil crianças e adolescentes em situação de exploração, o problema ainda persiste e, dados da PNAD continua, aponta ainda cerca de 1,6 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos inseridos em situação de trabalho infantil, dentre as piores formas descritas pela OIT.

Em termos de educação, dados do IBGE apontam que mais de 1,4 milhão de crianças de 4 e 5 anos estavam fora da escola em 2024 e, não podemos esquecer de mencionar aquelas que tiveram seus estudos interrompidos por efeito da crise climática, que no Brasil correspondeu a um total de 1,17 milhão de meninos e meninas, como aponta o UNICEF2.

Não obstante, o Comitê dos Direitos da criança da ONU3 apontou áreas com graves violações de direitos no Brasil e recomendou medidas urgentes em relação à discriminação, violências, saúde mental e sexual de adolescentes, pobreza extrema, crise climática e desmatamento, e justiça juvenil.

Diante destas situações, que são apenas uma amostra dos desafios que persistem em nosso país no que diz respeito à proteção integral aos direitos de crianças e adolescentes, é ainda mais do que urgente e importante que o Estado brasileiro, junto aos atores do Sistema de Garantia de Direitos, através da interlocução com a sociedade civil promovam e efetivem políticas públicas que possam colaborar para as mudanças necessárias às quais os órgãos oficiais nos recomendam, cujas quais, futuramente, poderão transformar a vida de crianças e adolescentes e, quiça das gerações que delas sucederão.

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Fonte: Atlas da Violência 2025.

2 Disponível aqui.

Relatório ONU. Disponível aqui.