Registro marítimo: O que significa a "bandeira" de uma embarcação? - Parte I
quinta-feira, 8 de maio de 2025
Atualizado em 7 de maio de 2025 11:42
Introdução: Natureza jurídica do navio
A classificação jurídica dos bens vem se modificando, constantemente, em virtude de critérios econômicos. A enorme importância que alguns bens, como navios e aeronaves, foram conquistando, provocou a diferenciação civilista entre bens imóveis, móveis e móveis sujeitos à matrícula.
No âmbito da natureza jurídica do navio, surgem dois elementos fundamentais: o enquadramento como bem móvel de natureza sui generis e a configuração de res conexa, um todo composto de várias partes e diversos acessórios, assinalando, assim, que a sua natureza jurídica é complexa.
O navio é uma coisa composta, integrada por partes ou elementos passíveis de individualização ou separação e, simultaneamente, está provido de unidade orgânica. Além de coisa composta, o navio é bem móvel, ainda que passível de hipoteca. Ademais, a natureza peculiar do navio faz com que seja suscetível de matrícula, registro e embandeiramento, ou seja, atribuição de uma nacionalidade.
No ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o art. 82 do CC, o navio deve figurar entre os bens móveis. Pode-se afirmar, inclusive, que, em decorrência da sua própria função e estrutura, o navio não pode ser considerado um bem imóvel, tendo em vista que flutua, navega e desloca-se de um local para o outro, evidenciando todas as características dos bens móveis. Entretanto, não obstante a sua caracterização como bem móvel, por vezes circunstâncias impostas legalmente, como no caso da hipoteca naval, na hipótese da venda judicial e ainda relativamente aos trâmites concernentes ao registro e à transferência de propriedade, evidenciam o caráter peculiar do navio, distinto dos demais bens móveis. Assim, possui uma natureza especial, o que leva alguns autores a classificá-lo como coisa móvel sui generis.
O motivo para esse tratamento deve-se ao fato de que, realmente, o navio é um bem móvel, porém, é especial, uma vez que possui elevado valor econômico e importância para o desenvolvimento da economia. Todo navio tem denominação própria e é vinculado a um determinado porto, estando sujeito a um registro especial; tem nacionalidade e domicílio, identificação e especialização; sendo considerado, ainda, projeção do território nacional no mar, sujeito a legislação específica.
Diante de tais características, a lei 7.665/88, que regula o registro da propriedade marítima no Brasil, permite que a hipoteca ou outro gravame real recaia sobre a embarcação, ainda que em fase de construção.
Entretanto, isso só é possível porque as embarcações, como são bens muitíssimo valiosos e facilmente identificáveis, oferecem as condições necessárias para assegurar o pagamento de uma dívida.
Definição e tipos
O registro da propriedade das embarcações determina a sua nacionalidade. Efetuado o registro, a embarcação estará habilitada a arvorar o pavilhão do Estado de registro, além de ter a proteção no alto-mar e outras vantagens inerentes à nacionalidade. Hasteando a bandeira de uma nação, o navio passa a ser parte integrante do território dela, nele dominando as suas leis e as convenções internacionais ratificadas pelo Estado de Registro.
A CNUDM - Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar III, em seu art. 91, exige que haja um forte elo de ligação entre o Estado e o navio, preconizando que Estados signatários deverão estabelecer os requisitos necessários para a atribuição da sua nacionalidade às embarcações, para o registo no seu território e para o direito de arvorar a sua bandeira.
Destarte, os navios possuem a nacionalidade do Estado cuja bandeira esteja autorizados a arvorar, devendo existir, em princípio, um vínculo substancial entre o Estado do registro e o navio.
Infere-se que o princípio da nacionalidade dos navios apresenta dicotomia de aspectos:
- o aspecto de Direito interno, que concerne às condições que fixa cada Estado para outorgar o uso de seu pavilhão e
- o aspecto atinente ao Direito Internacional e que, coincidentemente, condensa um recurso técnico que visa organizar a juridicidade no alto-mar, atrelando a conduta nos navios ao ordenamento do Estado da bandeira.
Considerando as condições e pressupostos adotados pelos diversos países, os registros das embarcações podem ser classificados em Registros Nacionais e em Registros Abertos.
Nos Registros Nacionais, o Estado que concede a bandeira mantém um efetivo controle sobre os navios nele registrados, mantendo-os atrelados à sua legislação.
Especificamente quanto ao registro nacional brasileiro, as embarcações estão sujeitas à inscrição nas capitanias dos portos, delegacias ou agências, que são os órgãos de inscrição, ou no Tribunal Marítimo, conforme o seu tipo e dimensões, excetuando-se as abaixo relacionadas:
- as da Marinha do Brasil;
- as embarcações miúdas, sem propulsão a motor;
- os dispositivos flutuantes infláveis, sem propulsão, destinados a serem rebocados, com até 10 m de comprimento.
Por ocasião do registro/inscrição será emitida a PRPM - Provisão de Registro de Propriedade Marítima ou o TIE - Título de Inscrição de Embarcação, respectivamente. Enquanto o processo de registro estiver tramitando no Tribunal Marítimo será emitido o DPP - Documento Provisório de Propriedade.
Os Regimes Abertos se dividem em Registros de Bandeira de Conveniência e Segundos Registros.
Os BDC - Registros Abertos de Bandeiras de Conveniência se caracterizam por oferecerem total facilidade para registro, incentivos de ordem fiscal e a não imposição de vínculo efetivo entre o Estado de registro e o navio. Ademais, tais Estados, em muitas situações, não exigem e nem fiscalizam, com o devido rigor, o cumprimento e a adoção das normas e regulamentos nacionais ou internacionais sobre as embarcações neles registradas.
Cabe registrar, desde logo, que a expressão "bandeira de conveniência" possui certa carga pejorativa, no sentido de que tal instituto seria apenas uma "fuga" das regulamentações presentes nos ordenamentos estatais e internacional. Tal crítica, no entanto, deve ser relativizada, uma vez que, ao menos em tese, é possível instituir regimes mais favoráveis, especialmente sob o ponto de vista tributário e regulatório, sem prejuízo à segurança da navegação e do meio ambiente. A maior evidência desta afirmação está no fato de que, como será visto adiante, muitos Estados com forte tradição marítima criaram o "segundo registro", como forma de flexibilizar as exigências legais e evitar a perda de sua frota para países que concedem "bandeiras de conveniência".
Por outro lado, o Segundo Registro ou Registro Internacional ("Second Register" ou "Off Shore Register"), foi criado em alguns países visando resguardar a sua frota mercante, oferecendo vantagens similares às bandeiras de conveniência. O Segundo Registro é concedido por países que já possuem registro nacional, a navios de sua nacionalidade ou de outras, oferecendo vantagens similares às concedidas por bandeiras de conveniência. Submete o navio a todas as leis e convenções internacionais concernentes à segurança da navegação, excetuando, em alguns países, as leis trabalhistas, subvenções e incentivos concedidos aos navios do registro nacional.
Alguns países, como Dinamarca, Portugal, Bélgica, Inglaterra, Alemanha e Brasil, permitem um segundo registro quando o navio registrado em um país é afretado a casco nu a empresa de outro país. Destarte, o país da empresa afretadora pode permitir o uso de sua bandeira, desde que não haja incompatibilidade de leis entre o país de origem e o país da empresa afretadora.
Há somente dois tipos principais de registros de navios: ou ele é registrado como de bandeira nacional ou ele está no registro aberto.
Há sutis diferenças entre um segundo registro e entre uma bandeira de conveniência, porém ambos são registros abertos.
O Segundo Registro tem suas particularidades, que variam de nação a nação, porém numa coisa eles diferem das bandeiras de conveniência, que é o grau de exigências, quanto a níveis e padrões de operação e segurança.
Para perceber a ideia da importância destes institutos, tome-se como exemplo a Alemanha: os armadores alemães detêm a maior frota mundial de navios porta-contêineres, sua parcela do mercado mundial é de 37,2%. A marinha mercante alemã controla 3.011 navios e está entre as mais modernas e seguras do mundo. Entretanto, somente 570 deles (aproximadamente 19%) navegam com bandeira alemã, os demais o fazem sob bandeiras de conveniência.
A vasta maioria das Unidades MODU (Plataformas de petróleo, FPSO, Navios Sonda, e barcaças), estão sob registros de conveniência, inclusive no Brasil.
Segundo Registro: Características, exemplos e países que o adotam
Como regra geral, o navio só pode ter uma única nacionalidade, cujas exigências de registro são determinadas pelo Estado que concederá o pavilhão.
O segundo registro foi criado em alguns países, visando resguardar sua frota mercante e o oferecimento de vantagens similares às bandeiras de conveniência. Esse tipo de registro geralmente é concedido por países que já possuem registro nacional a navios de sua nacionalidade ou de outras, e que auferem vantagens similares às concedidas por bandeiras de conveniência.
Nesse sentido, vale registrar que países que antigamente tinham grande frota mercante e viram seus navios transferirem-se para bandeiras de conveniência resolveram criar um segundo registro, que denominaram registro internacional, em comparação com o normal, chamado de registro nacional ou primeiro registro. O objetivo é que, oferecendo quase as mesmas vantagens de bandeiras de conveniência, os navios de propriedade de armadores de sua nacionalidade voltassem a se inscrever no país, nesse segundo registro.
A inscrição em segundo registro não suprime o registro de propriedade marítima e tem caráter complementar. É a orientação que se extrai, por exemplo, da lei 9432/97, em seu art. 11, § 11, e da lei 7.652/88. Todavia, a adoção de segundo registro não consagra a dupla nacionalidade do navio. O registro inicial, isto é, o primeiro registro, o registro nacional da propriedade marítima, será suspenso e o navio passa a integrar a frota mercante do Estado de segundo registro.
Entretanto, é possível citar a existência de opinião doutrinária em sentido contrário, que assevera que o segundo registro importa em dupla nacionalidade do navio, a saber:
"o navio de dupla nacionalidade é um caso mais raro; como exemplo, um navio é registrado num país e depois afretado a casco nu para empresa de outro país. Havendo compatibilidade das leis, o país da empresa afretadora pode permitir o uso de sua bandeira, sendo, neste caso, o navio registrado em particular em departamento referente aos afretamentos a caso nu1 (...). Alguns autores consideram como navio de dupla nacionalidade aquele em que o elo de ligação navio-Estado é muito fraco, como ocorre com os navios de bandeira de conveniência."2
Em regra, o segundo registro submete o navio a todas as leis e convenções internacionais concernentes à segurança da navegação, excetuando, em alguns países, as leis trabalhistas, as subvenções e os incentivos concedidos aos navios do registro nacional. Alguns países, como Dinamarca, Portugal, Bélgica, Inglaterra e Alemanha permitem um segundo registro, v.g., o navio registrado em um país e afretado a casco nu a empresa de outro país. Destarte, o país da empresa afretadora pode permitir o uso de sua bandeira, desde que não haja incompatibilidade de leis entre o país de origem e o país da empresa afretadora.
O navio que navegar com mais de um pavilhão é considerado, pelas convenções de Genebra sobre alto-mar (CNUDM I e II) e pela a CNUDM III, como um navio apátrida, sem nacionalidade.
Os segundos registros de maior importância no cenário mundial são o NIS - Registro de Navio Internacional Norueguês (Norwegian International Register) e o DIS - Registro de Navio Internacional Alemão (Deutshe International Register).
O Brasil também instituiu o segundo registro - denominado REB - Registro Especial Brasileiro, pela lei 9.432/97. O Brasil ampara a hipótese de embarcações estrangeiras adotarem a bandeira brasileira sob contrato de afretamento a casco nu, por empresa brasileira de navegação, condicionado à suspensão provisória de bandeira no país de origem.
Podem ser listadas como as principais vantagens do REB os seguintes fatores:
- O financiamento à empresa brasileira de navegação para construção, conversão, modernização e reparação de embarcação pré-registrada no REB com taxa de juros semelhantes à de embarcação para exportação, a ser equalizada pelo Fundo da Marinha Mercante;
- a garantia às empresas brasileiras de navegação da contratação, no mercado internacional, de cobertura de seguro e resseguro de cascos, máquinas e de responsabilidade civil para suas embarcações registradas no REB, desde que o mercado interno não ofereça tais coberturas ou preços compatíveis com o mercado internacional;
- a desconsideração pelas empresas brasileiras de navegação das remunerações recebidas pelas tripulações das embarcações inscritas no REB; no montante que servirá de base ao pagamento da contribuição para o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo;
- a não integração do frete aquaviário internacional, produzido por embarcação de bandeira brasileira registrada no REB, como base de cálculo para tributos incidentes sobre importação e exportação de mercadorias pelo Brasil;
- a isenção das embarcações inscritas no REB do recolhimento da taxa do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo;
- a equiparação de construção, conservação, modernização e reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no REB à operação de exportação;
- a isenção de contribuições atinentes ao PIS/PASEP e ao Cofins sobre a receita do frete de mercadorias transportadas entre o país e o exterior;
- a autorização de restabelecimento de registro brasileiro como de propriedade da mesma empresa nacional de origem, sem incidência de impostos ou taxas pelas empresas brasileiras de navegação, com subsidiárias integrais proprietárias de embarcações construídas no Brasil, transferidas de sua matriz brasileira.
Além das vantagens já enunciadas, destaca-se, ainda, a vantagem relativa à nacionalidade da tripulação. Nas embarcações registradas no REB serão necessariamente brasileiros apenas o comandante e o chefe de máquinas.
Trata-se de vantagem comemorada pelos armadores, por se entender que não haveria a necessidade de contratação de marítimos sob a égide da legislação trabalhista brasileira, o que representaria relevante redução de custos. Todavia, inobstante a permissividade da lei no que tange à contratação apenas do comandante e do chefe de máquinas brasileiros, a norma aplicável aos contratos de trabalho continua sendo a legislação do Estado de Bandeira, in casu, CLT e normas correlatas.
Na próxima coluna, em prosseguimento, abordarei as chamadas "bandeiras de conveniência".
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1 Afretamento a casco nu é o contrato de afretamento em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação. Nesse sentido, ver Lei n. 9.432/97, artigos 2º, 3º e 9º.
2 ANJOS, J. Haroldo dos, GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.