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O anexo VI da Convenção MARPOL e as metas de descarbonização no transporte marítimo: O risco de taxação Internacional e a urgência de investimentos em infraestrutura sustentável nos portos brasileiros

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Atualizado em 28 de maio de 2025 13:58

A crescente preocupação com as mudanças climáticas provocadas pela emissão de gases de efeito estufa tem mobilizado esforços internacionais para a redução de carbono em diversos setores da economia. No caso da navegação, o transporte marítimo responde por cerca de 3% das emissões globais.

O transporte marítimo internacional é vital para o comércio global, movimentando mais de 80% do volume de bens comercializados mundialmente. Entretanto, é também um setor que contribui significativamente para as emissões de gases de efeito estufa, sendo que a maioria das embarcações utiliza combustíveis fósseis de baixo grau de refino, como o óleo combustível pesado, que contém alta concentração de enxofre e gera grandes volumes de carbono, óxidos de nitrogênio, óxidos de enxofre e material particulado. Os impactos ambientais vão além da contribuição para o aquecimento global, afetando também a saúde humana, especialmente em áreas portuárias densamente povoadas.

Neste ensaio, o objetivo é lançar luz sobre os potenciais impactos para a indústria naval, especialmente no contexto brasileiro, os riscos de taxação internacional decorrentes do não cumprimento das metas de descarbonização, considerando a necessidade urgente de investimentos em infraestrutura portuária sustentável, para que o Brasil possa atender às exigências ambientais e se manter competitivo no cenário global.

Como consequência desse cenário temos o avanço das políticas ambientais globais e o endurecimento das normas internacionais sobre emissões de gases de efeito estufa, impondo ao setor marítimo uma transformação sem precedentes. A Convenção MARPOL e seus desdobramentos, especialmente no Anexo VI, impõem limites rigorosos à emissão de poluentes pelos navios, com impactos diretos sobre as rotas comerciais e a competitividade dos países exportadores.

Nesse contexto, o Brasil, que depende fortemente da navegação para escoamento das suas commodities, encontra-se diante de dois grandes desafios: evitar as barreiras comerciais decorrentes do descumprimento ambiental e preparar a sua infraestrutura portuária para atender às exigências técnicas de uma frota cada vez mais limpa.

A IMO - Organização Marítima Internacional tem promovido diretrizes progressivas para reduzir a intensidade de carbono na navegação, destacando-se o CII - Carbon Intensity Indicator e o EEXI - Energy Efficiency Existing Ship Index. Desde 2023, navios são classificados com base no seu desempenho ambiental, o que pode influenciar a autorização de entrada em determinados portos.

Além disso, propostas em tramitação no âmbito da União Europeia e de outras jurisdições preveem a imposição de taxas ou tarifas sobre navios e cargas oriundas de países que não cumprirem com os padrões internacionais de emissões, como parte do mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM, na sigla em inglês). Países como o Brasil correm o risco de ver seus produtos taxados, caso os seus portos não estejam habilitados para dar suporte aos navios de baixo carbono.

O mecanismo de CBAM - Ajuste de Carbono na Fronteira da União Europeia, em vigor desde outubro de 2023 em fase transitória, impõe a partir de 2026 a obrigatoriedade de compra de certificados de carbono por importadores de produtos intensivos em emissões, tais como aço, ferro, alumínio, cimento, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. O preço desses certificados será equivalente ao do EU ETS - Sistema de Comércio de Emissões da UE, que em 2023 variava entre 80 e 100 euros por tonelada de CO2.

A frota global é composta por diferentes tipos de navios (petroleiros, graneleiros, porta-contêineres, entre outros), com perfis operacionais variados. Isso dificulta a padronização das medidas de eficiência e das tecnologias disponíveis. De fato, nem todos os armadores têm acesso à tecnologia e ao capital necessário para a modernização das suas embarcações ou para adaptá-las às suas operações. A substituição de motores, instalação de sistemas de limpeza de gases (scrubbers) e aquisição de combustíveis alternativos impõem altos custos de transição. Além disso, a operacionalidade também se tornará mais cara, pois o combustível fóssil ainda largamente utilizado representa um custo muito menor do que aqueles considerados verdes.

A transição energética mundial traz consigo a exigência de investimentos de grande monta, estimando-se atualmente que até 2030 serão necessários US$ 7,3 trilhões, considerando todos os setores da economia, não limitado ao setor portuário e de navegação aqui analisado.

Para o Brasil, que não possui uma política nacional de precificação de carbono, isso significa que os exportadores não poderão deduzir valores pagos localmente, aumentando o custo de seus produtos no mercado europeu. Estimativas indicam que o aço brasileiro poderá enfrentar uma taxa adicional de aproximadamente 3,3 euros por tonelada exportada para a União Europeia, o que impactará sobremaneira a competitividade da produção brasileira no cenário internacional.

Os novos parâmetros de exigência para o controle de emissão de gases de efeito estufa representam uma grande mudança no papel desempenhados pelos portos, que deixarão de ser unicamente um apoio logístico para o comércio exterior e o transporte marítimo, para assumir protagonismo como estruturas de suporte ao controle mundial de emissão de poluentes.

A atual infraestrutura portuária brasileira apresenta grandes lacunas para o atendimento de navios com demandas ambientais mais exigentes. Ainda são poucos os portos que contam com instalações de cold ironing - sistema que permite ao navio desligar seus motores e conectar-se à rede elétrica terrestre - ou dutos e armazenagem para combustíveis sustentáveis como GNL (gás natural liquefeito), metanol verde ou amônia verde.

A ausência desses recursos não apenas compromete o atendimento aos novos padrões da MARPOL, como também expõe o país a sanções indiretas, como a recusa de escalas, aumento de prêmios de seguros e o encarecimento logístico para os exportadores brasileiros.

Para evitar a marginalização nos fluxos comerciais internacionais, o Brasil precisa implementar uma política coordenada de investimentos em infraestrutura portuária verde. Isso inclui:

  • Instalações de abastecimento (bunkering) para combustíveis de baixa emissão;
  • Sistemas de fornecimento de energia elétrica limpa nos cais;
  • Equipamentos para captação e tratamento de emissões de navios atracados;
  • Incentivos fiscais e financiamento público-privado para modernização dos terminais.

No âmbito regulatório, a ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários pode e deve atuar como catalisadora dessa transição, ajustando as normas de outorga e fiscalização para privilegiar empreendimentos alinhados às diretrizes ambientais.

Além disso, a introdução de parâmetros ambientais nos contratos de arrendamento e concessão é urgente, vinculando o cumprimento de metas sustentáveis à renovação contratual e à autorização de obras de expansão.

A falta de conformidade ambiental poderá gerar custos ocultos para o comércio exterior brasileiro. Produtos agrícolas, minérios e manufaturas que partem de portos sem infraestrutura sustentável poderão ser rotulados como "de alto carbono", impactando acordos comerciais com parceiros como União Europeia e Japão, que exigem rastreabilidade ambiental das cadeias produtivas. A visão acerca do tema precisa ser ampla, merecendo atenção também para a chegada da carga aos portos, privilegiando modais menos poluentes para o escoamento da produção.

Uma alternativa estratégica é a criação de green corridors, rotas marítimas sustentáveis conectando portos brasileiros a hubs internacionais que já operam com combustíveis limpos. Parcerias com países desenvolvidos e adesão a iniciativas como o Green Shipping Challenge podem atrair recursos e acelerar a descarbonização do setor. Portos como Roterdã, Hamburgo, Los Angeles e Xangai já investem fortemente nessa direção.

Diferentemente do que está em desenvolvimento em diversos países e regiões do mundo, não temos ainda no Brasil um plano unificado, reunindo todos os players do setor em torno da discussão acerca da transição energética, objetivando a descarbonização no âmbito da navegação. Estamos diante de movimentos individualizados, sem a coordenação e integração por uma política nacional abarcando os interesses e objetivos individuais, mas em prol de um bem comum e essencial.

O Brasil precisa reagir com celeridade às exigências da MARPOL e às iminentes políticas de taxação ambiental internacional. O risco de exclusão dos fluxos marítimos sustentáveis é real e crescente, e somente com uma infraestrutura moderna, regulação eficaz e planejamento estratégico será possível garantir a competitividade do setor portuário nacional.

Investir em sustentabilidade não é apenas uma obrigação legal ou moral, mas uma condição essencial para proteger os interesses econômicos brasileiros no comércio marítimo global.
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IMO (International Maritime Organization). MARPOL - Annex VI: Prevention of Air Pollution from Ships. Disponível aqui.

União Europeia. EU Emissions Trading System (EU ETS) for Shipping. European Commission. 2023.

Ministério dos Transportes (Brasil). Plano Nacional de Logística Portuária Sustentável (PNLP-S). Documentos técnicos, 2024.

LIMA, P.; SOUSA, R. Política Ambiental Internacional e a Taxação de Emissões no Comércio Marítimo. Revista de Direito Marítimo, v. 12, n. 3, 2023.

MACHADO, Alexandre. A Revisão do Anexo VI da MARPOL (2025): Governança Ambiental do Transporte Marítimo e os Desafios Logísticos do Brasil. Disponível aqui.