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A resolução normativa 129/25 da ANTAQ: Novidades no afretamento de embarcações

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Atualizado em 6 de agosto de 2025 09:56

No dia 10 de junho de 2025, a ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários editou a nova RN 129/25, substituindo a então resolução 1/15 da Agência, a fim de adequar a norma sobre afretamento de embarcações às mudanças introduzidas pela lei 14.301/22, também chamada de "BR do Mar".

A nova RN trouxe diversas inovações e alterações importantes para o setor de cabotagem, mas também para os demais modais de navegação, ou seja, apoio portuário, apoio marítimo e longo curso. Sob o aspecto formal, a nova norma apresenta uma estrutura mais detalhada, com capítulos, seções e artigos mais extensos, além de definições mais precisas e atualizadas, introduzindo conceitos e procedimentos de forma mais clara e sistematizada.

De início, a RN 129/25 trouxe um esclarecimento na definição do que seria uma "embarcação brasileira" para fins da norma (art. 2º, XV). A partir de agora, a definição passa a se referir a todas as "embarcações de bandeira brasileira", no que se incluem não somente as inscritas no Registro de Propriedade Marítima, mas também as estrangeiras que, inscritas no Registro Especial Brasileiro sob contrato de afretamento a casco nu por Empresa Brasileira de Navegação, passem a arvorar bandeira brasileira com suspensão da sua bandeira de origem. Confira-se:

 

Redação RN 1/15

 

Redação RN 129/25

 

Art. 2º, XXII - embarcação de bandeira brasileira: a que tem o direito de arvorar bandeira brasileira, conforme a legislação em vigor.

 

Art. 2º, XV - embarcação de bandeira brasileira: a que tem o direito de arvorar bandeira brasileira, podendo ser embarcação de registro brasileiro, entendida como a inscrita no Registro de Propriedade Marítima, de propriedade de pessoa física residente e domiciliada no País ou de empresa brasileira, ou podendo ser embarcação estrangeira, inscrita no REB - Registro Especial Brasileiro sob contrato de afretamento a casco nu por EBN, condicionado à suspensão provisória de bandeira no país de origem.

O ajuste redacional no art. 2º, XV, confere maior clareza sobre conceitos que, por vezes, geravam dúvidas em sua aplicação. A norma agora prevê que o conceito de embarcação de bandeira brasileira abrange (i) as embarcações propriamente brasileiras e (ii) as embarcações estrangeiras inscritas no REB, com suspensão da bandeira de origem. A alteração é salutar e oportuna para evitar dúvidas na aplicação dos conceitos.

Ainda a título introdutório, a norma corrobora a prática de centralização dos procedimentos de afretamento no SAMA - Sistema de Gerenciamento de Afretamento na Navegação Marítima e de Apoio, o que representa um avanço significativo na modernização e desburocratização do setor de navegação brasileiro. Para o leitor da coluna menos familiarizado com o assunto, o SAMA funciona como uma plataforma única e informatizada para o gerenciamento de todas as etapas do afretamento, desde a solicitação inicial até o encerramento do contrato, eliminando a necessidade de múltiplos canais de comunicação e tornando o processo mais transparente para todas as partes envolvidas.

A obrigatoriedade de acesso ao SAMA para verificação de consultas e andamento dos processos (resolução 129/25, art. 24) garante que todas as informações estejam centralizadas e disponíveis em um único ambiente digital, acessível de qualquer localidade, reduzindo deslocamentos, custos operacionais e a dependência de atendimento presencial.

Adentrando nos pontos centrais da norma, o prazo de até 15 dias para registro do afretamento na ANTAQ foi mantido, mas a nova norma detalha as informações obrigatórias e amplia a exigência de envio de documentos por Reconhecimento Óptico de Caracteres ou OCR (art. 4º, §§ 5º e 6º e art. 16). A nova norma reforça também a obrigatoriedade do envio do contrato de afretamento em até 60 dias, com possibilidade de solicitação de tradução juramentada pela ANTAQ.

Em relação às hipóteses de afretamento, o afretamento de embarcação de bandeira brasileira continua dispensado de autorização. Já em relação ao afretamento de embarcação estrangeira, a nova norma detalha e amplia as hipóteses em que o afretamento de embarcação estrangeira independe de autorização, especialmente para navegação de longo curso, apoio marítimo e cabotagem, e traz limites mais claros para tonelagem e prazos.

Aqui, é necessário abrir um parêntese para mencionar as situações específicas previstas para a chamada Empresa Brasileira de Investimento na Navegação ou, simplesmente, Ebin. A Ebin é uma figura introduzida pela BR do Mar e agora prevista na resolução ANTAQ 129/25, sendo distinta da EBN - Empresa Brasileira de Navegação tradicional. Enquanto a EBN tem como objeto principal o transporte aquaviário de carga ou pessoas, a Ebin tem como finalidade o fretamento de embarcações para empresas brasileiras ou estrangeiras de navegação, atuando como investidora e intermediária no mercado de afretamento (art. 2º, XVIII e XIX).

A principal diferença está no limite e na forma de utilização do direito de afretamento de embarcações estrangeiras. A Ebin pode afretar embarcação estrangeira por tempo, na proporção de até 200% (duzentos por cento) da tonelagem de porte bruto da embarcação em construção em estaleiro brasileiro, durante o período de construção (art. 4º, § 12). Todavia, caso a Ebin não utilize esse direito, pode transferi-lo onerosamente para EBNs, criando um mercado secundário de direitos de tonelagem (art. 4º, § 13). Os direitos de tonelagem das embarcações fretadas por Ebin são transferidos para a EBN afretadora, permitindo que esta contabilize a tonelagem como própria para fins regulatórios (art. 4º, § 14).

Em relação às EBNs tradicionais, o afretamento de embarcação estrangeira a casco nu, nas navegações de apoio marítimo, cabotagem e longo curso, continua limitado ao dobro da tonelagem de porte bruto das embarcações de tipo semelhante encomendadas pela EBN a estaleiro brasileiro, durante o período máximo de 36 meses de construção (art. 4º, III). Dependendo do tipo de navegação, pode-se adicionar a esse limite metade da tonelagem de porte bruto das embarcações de registro brasileiro de sua propriedade ou da tonelagem de porte bruto das embarcações de tipo semelhante de sua propriedade.

Entretanto, não há previsão para que a EBN tradicional transfira direitos de tonelagem para terceiros. Em resumo, ao contrário da Ebin, que atua como investidora e intermediária, podendo negociar direitos de afretamento, a EBN tradicional fica restrita ao uso próprio dos direitos de afretamento, sem possibilidade de negociação secundária.

A resolução ANTAQ 129/25, ainda na esteira da BR do MAR, prevê uma flexibilização progressiva para o afretamento de embarcações estrangeiras a casco nu, com suspensão de bandeira, na navegação de cabotagem. Essa flexibilização visa ampliar gradualmente o acesso das EBNs a embarcações estrangeiras, independentemente de contrato de construção vigente ou de propriedade de embarcação de registro brasileiro, conforme limites temporais estabelecidos na norma.

Em apertada síntese, o art. 4º, inciso IV, da resolução estabelece que o afretamento de embarcação estrangeira a casco nu, com suspensão de bandeira, na navegação de cabotagem, pode ser realizado independentemente de contrato de construção vigente ou de propriedade de embarcação de registro brasileiro, observando-se os limites quantitativos definidos no § 10 do mesmo art.. Esse parágrafo detalha os marcos temporais para a ampliação do número de embarcações estrangeiras que podem ser afretadas a casco nu na cabotagem.

Importante destacar que a verificação da quantidade de embarcações afretadas considera o grupo econômico da empresa afretadora, conforme o conceito previsto no art. 5º-A da resolução ANTAQ 62/21 (art. 4º, § 11). Além disso, as embarcações afretadas sob essa flexibilização não podem ser utilizadas para comprovar existência ou disponibilidade de embarcação de bandeira brasileira para fins de bloqueio em processos de circularização (art. 9º, § 7º).

Em resumo, tal como previsto na BR do Mar, a nova norma estabelece uma abertura gradual para o afretamento de embarcações estrangeiras a casco nu na cabotagem, com marcos temporais bem definidos: três embarcações a partir de janeiro de 2024, quatro a partir de janeiro de 2025 e liberdade total a partir de janeiro de 2026. Essa flexibilização representa uma mudança significativa no regime regulatório, promovendo maior competitividade e flexibilidade operacional para as EBNs no setor de cabotagem.

A resolução 129/25 reforça, ainda, a responsabilização das EBNs e terceiros pelas informações prestadas e prevê sanções mais claras para o descumprimento dos procedimentos, incluindo a possibilidade de suspensão de acesso ao SAMA e multas (arts. 21, 22, 28).

Por fim, embora essa alteração não estivesse prevista na BR do Mar, a nova Resolução acabou trazendo uma alteração relevante na definição do conceito de bloqueio parcial, conforme previsto ao art. 2º, inciso X. Neste caso, houve o acréscimo de uma hipótese para o exercício do bloqueio parcial, que, se antes era por tempo ou por tonelagem, também poderá ser agora por "parte da operação requerida". Confira-se:

 

Redação RN 1/15

 

Redação RN 129/25

 

Art. 2º, X - bloqueio parcial: quando o bloqueio se faz com parte da capacidade em tonelagem requerida, ou por parte do tempo requerido, diante da indisponibilidade de embarcações brasileiras para o bloqueio completo.

 

Art. 2º, X - bloqueio parcial: bloqueio que se faz com parte da capacidade em tonelagem requerida, parte da operação requerida, ou por parte do tempo requerido, diante da indisponibilidade de embarcações de bandeira brasileira para o bloqueio completo.

Nesse particular, a alteração na definição poderá representar grandes impactos à indústria de navegação, na medida em que amplia a margem para o exercício do referido bloqueio por embarcações brasileiras.

A temática dos bloqueios, como já deve ter notado o leitor dessa coluna em publicações anteriores, é um tema bastante relevante para indústria de exploração de óleo e gás offshore que traz impactos operacionais e econômicos muito sensíveis.

Como se sabe, os contratos firmados nesse setor são complexos e costumam exigir planejamento e previsibilidade quanto ao seu escopo. Há, assim, justificado receio de que o bloqueio parcial por parte da operação requerida acabe ocasionando insegurança jurídica e instabilidade nos projetos em curso e nos que ainda irão se iniciar. Nessa modalidade, a embarcação inicialmente empregada no contrato poderá ter que ser substituída no curso do contrato para realização de parte da operação por outra embarcação, ocasionando insegurança jurídica e operacional, com perda de tempo e recursos de todos os envolvidos.

A introdução da nova hipótese também tem sido alvo de críticas no setor tendo em vista o trâmite processual que resultou na alteração. Em princípio, a agenda regulatória da própria ANTAQ previa que o assunto somente seria analisado na agenda de 2025-2028, e não na agenda anterior. Nesse contexto, a alteração para inclusão da possibilidade de bloqueio por parte da operação pode demandar uma maior participação dos agentes da indústria que serão por ela afetados. O debate efetivo sobre as consequências das alterações na norma nesse particular, envolvendo os entes regulados e ANTAQ, poderá contribuir para o aperfeiçoamento da resolução.

Em conclusão, a nova RN 129/25 da ANTAQ trouxe diversas inovações e alterou de forma considerável a regulação impressa na ora revogada resolução 1 de 2015. Em diversos aspectos, como visto, a norma aprimora conceitos relevantes, reduz a burocracia e introduz abordagens mais modernas e flexíveis. Entretanto, algumas das alterações promovidas, em especial a permissão de bloqueios parciais por parte da operação, parecem demandar maior reflexão e diálogo com os agentes envolvidos, buscando um ponto de equilíbrio que promova um ambiente regulatório que seja, ao mesmo tempo, atrativo para as empresas nacionais e estrangeiras, eficiente e também seguro em todos os seus campos de aplicação.