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Descarbonização do setor marítimo - As inovações e os desafios da recente alteração da legislação internacional

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Atualizado em 10 de setembro de 2025 13:20

O Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho da Organização Marítima Internacional (IMO) aprovou, durante a sua 83ª sessão (MEPC 83), ocorrida entre 7 e 11 de abril de 2025, o texto preliminar do chamado IMO Net-Zero Framework (ou Marco de Emissões Líquidas Zero), que será incluído no Anexo VI da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL).

O texto preliminar das emendas ao Anexo VI da MARPOL foi encaminhado para consideração dos Estados Membros e deverá ser formalmente adotado em uma sessão extraordinária do MEPC em outubro de 2025, entrando em vigor em 2027.

O objetivo da nova regulamentação, que será aplicável a navios com 5 mil toneladas brutas (GT) ou mais, é reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) provenientes do transporte marítimo internacional o mais rápido possível, cumprindo as metas de redução já estabelecidas na Estratégia da IMO de 2023 para Redução de Emissões de GEE de Navios e promovendo efetivamente, assim, a transição energética do setor marítimo.

Para tanto, os navios sujeitos a essa nova regulamentação deverão reduzir de forma anual e contínua a intensidade de GEE dos combustíveis utilizados, conforme as metas anuais de intensidade estabelecidas. Vale notar que não há qualquer imposição de tecnologia específica a ser utilizada pelas embarcações para fins de redução da intensidade de carbono. Tal liberdade tem como fim o incentivo à inovação tecnológica e a novos projetos de redução de emissão de GEE e de transição energética no setor.

As novas regras preveem, ainda, (i) a precificação de emissões de GEE, impondo, àqueles que descumprirem as metas, a aquisição de unidades corretivas, a transferência de unidades excedentes de outras embarcações ou a utilização das acumuladas previamente para equilibrar as suas emissões; e, de outro lado, (ii) o recebimento de recompensas financeiras pela adoção de tecnologias, combustíveis e/ou fontes de energia com emissões zero ou quase zero de GEE.

Para apoiar a implementação das medidas nele previstas, o Marco de Emissões Líquidas Zero também prevê a criação do Fundo IMO Net-Zero, que receberá e gerenciará as contribuições financeiras relacionadas à precificação de emissões de GEE, bem como distribuirá os recursos arrecadados para recompensar navios que utilizem tecnologias limpas, apoiar países em desenvolvimento na transição energética e financiar infraestrutura, capacitação, planos nacionais e mitigação de impactos negativos.

A nosso ver, todavia, as obrigações trazidas pela MEPC 83 não serão facilmente concretizadas e cumpridas, especialmente se mantido o cenário atual. Há diversos desafios, tanto brasileiros quanto mundiais, para o atingimento das metas estabelecidas. Dentre os desafios, pode-se elencar:

i. o convencimento dos operadores, que ainda se mostram resistentes às novas tecnologias, como as embarcações elétricas ou a hidrogênio;

ii. o alto preço para construção e afretamento de embarcações sustentáveis (que comportam ao menos um tipo de tecnologia sustentável ou combustível alternativo);

iii. o preço dos combustíveis alternativos, superior ao dos combustíveis tradicionais;

iv. a falta de mercado consumidor diverso e amplo para incentivar a produção de combustíveis alternativos;

v. o limite tecnológico, cuja superação é incerta;

vi. a ausência de infraestrutura adequada nos portos e terminais portuários, dentre outros.

No Brasil, em especial, para que o país se adeque às normas internacionais de descarbonização do setor marítimo, será necessária, antes de tudo, a realização de estudos para conhecer a sua realidade, a fim de possibilitar a implementação de políticas públicas eficazes e adequadas para o atingimento das metas estabelecidas pela IMO.

Some-se a tudo isso, como mais um obstáculo ou desafio à aplicação da norma, a própria política internacional, que vive momento conturbado relativamente à temática ambiental. Recentemente, os Estados Unidos posicionaram-se contrariamente à MEPC 83, afirmando, inclusive, que atuariam em conjunto com outros países para que a norma não fosse adotada.

Diante desse cenário, é evidente que a efetiva descarbonização do setor marítimo exigirá não apenas avanços tecnológicos e investimentos robustos, mas também um esforço coordenado entre os Estados Membros da IMO, operadores privados e organismos multilaterais. A construção de consensos diplomáticos será essencial para garantir a adoção e a implementação eficaz do IMO Net-Zero Framework, respeitando as diferentes realidades econômicas e estruturais dos países envolvidos. Somente por meio de diálogo construtivo, políticas públicas bem fundamentadas e incentivos à inovação será possível transformar os desafios atuais em oportunidades concretas para uma transição energética justa e sustentável no transporte marítimo internacional.