Arbitragem marítima no Brasil: Precisamos de regras específicas?
quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Atualizado em 3 de dezembro de 2025 09:53
Na minha mais recente participação nesta coluna1, em 23/10/2025, fiz uma breve análise da arbitragem marítima no Brasil, tratando da sua evolução recente, especialização de árbitros e câmaras, e também fazendo algumas previsões para o futuro. Hoje, pretendo tratar de outro ponto, de certa forma complementar àquele, que é a necessidade, ou não, de ter regras específicas para a arbitragem marítima.
Como se sabe, o procedimento arbitral é em grande parte definido pelas próprias partes, observados a lei aplicável (no Brasil, a lei 9.307/1996), os regulamentos da entidade arbitral (salvo no caso de arbitragem ad hoc) e os elementos constantes da cláusula compromissória.
No artigo anterior, tratei da arbitragem marítima no exterior, noticiando a existência de várias câmaras (ou associações) consolidadas, como a LMAA - London Maritime Arbitrators Association, a SMA - Society of Maritime Arbitrators, New York, a SCMA - Singapore Chamber of Maritime Arbitration, o Maritime Arbitration Group, da Hong Kong Ship Owners Association e o EMAC - Emirates Maritime Arbitration Centre. Todas estas entidades, mesmo aquelas estruturadas sob a forma de associação de árbitros, possuem regras para os procedimentos, que, obviamente, observam as peculiaridades da arbitragem marítima. Portanto, no exterior, essa questão não oferece maiores dificuldades.
No Brasil, como dito no texto anterior, a situação mais comum ainda é a de administração de arbitragens marítimas por centros generalistas, sob os mesmos regulamentos que regem as demais arbitragens. Os órgãos especializados, como a Câmara de Arbitragem da ABDM e a Câmara Marítima, por sua vez, têm regras específicas, mas ainda não respondem por uma parcela significativa das arbitragens marítimas no Brasil.
A reflexão que se impõe, portanto, é se caberia a criação, pelas câmaras generalistas, de regras específicas para a arbitragem marítima, ou, ao menos, de alguns adendos ou capítulos específicos para esse tema especializado.
Penso que a resposta não deve ser peremptória, mas formulada nos seguintes termos: as regras específicas não são indispensáveis, sendo plenamente possível o desenvolvimento de uma arbitragem marítima sob as regras comuns de uma câmara arbitral, sem que isso comprometa significativamente seu andamento. No entanto, a adoção de regulamentos específicos pode contribuir para maior efetividade, rapidez e segurança da arbitragem marítima.
Alguns exemplos podem ajudar na compreensão dessa afirmação. Um dos institutos mais essenciais, e ao mesmo tempo dos mais sensíveis no contencioso marítimo é o arresto de embarcações2, seja sob o aspecto teórico (necessário conhecimento do magistrado sob as peculiaridades desse instituto do Direito Marítimo), seja sob o aspecto prático (necessidade de rápido e eficiente cumprimento da medida, antes que o navio deixe o porto). É plenamente possível a determinação do arresto de embarcação em arbitragem, de modo a garantir a efetividade da decisão, como lembram Luís Cláudio Furtado Faria e Luísa Burity Paulino Soares de Souza3. Assim, parece de todo recomendável que o regulamento que rege uma arbitragem marítima seja compatível com a decretação dessa medida pelo tribunal arbitral.
No âmbito da Câmara Arbitral do CIESP/FIESP, conforme referi no artigo anterior, foi recentemente submetido a consulta pública um regulamento específico para as arbitragens marítimas. Sobre as medidas cautelares, a minuta colocada em consulta dispõe o seguinte:
"14.1. O Tribunal Arbitral tem competência para determinar as medidas cautelares, coercitivas e antecipatórias necessárias para o correto desenvolvimento do procedimento arbitral, notadamente considerando as especificidades do Direito Marítimo e Portuário, com especial atenção à segurança da navegação e preservação do meio ambiente."
Outro instituto bastante específico do Direito Marítimo é a sobrestadia ou demurrage, sobre a qual escrevi recentemente neste espaço4. Neste contexto, o Regulamento de Arbitragem da ABDM, atualizado em 2025, dispõe de seção específica sobre litígios a respeito desse tema, com a seguinte disposição inaugural:
"Nas arbitragens cujos litígios se restrinjam a detention ou demurrage de containers envolvam, o requerimento de arbitragem, além dos requisitos referidos no art. 21 acima, deverá indicar também desde logo os fundamentos de fato e de direito e o pedido e deverá ser acompanhado de toda a prova documental relativamente aos fundamentos de fato e de direito invocados pela parte requerente."
Como se percebe, há um espaço possível de regras específicas para a arbitragem marítima, seja no âmbito de câmaras generalistas, seja no âmbito de câmaras especializadas, que, se bem aproveitado, em muito contribuirá para a efetividade e celeridade do procedimento, impulsionando ainda, sob o ponto de vista global, o seu desenvolvimento no Brasil.
Portanto, respondendo à pergunta que dá título a este breve texto: precisar, não precisamos, mas regras específicas para a arbitragem marítima serão muito bem-vindas e trarão grandes benefícios ao instituto.
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1 "Arbitragem Marítima no Brasil: onde estamos e para onde vamos?" Migalhas Marítimas, 26/10/2025.
2 "É princípio universal de direito marítimo que as embarcações respondem com seu corpo pelos privilégios marítimos que as gravam. Também é fato sabido e admitido que os navios constituem a única garantia dos credores naqueles locais onde os proprietários não detêm outros patrimônios com que assegurar o cumprimento de suas responsabilidades legais. Daí, seja por um desses motivos ou já por ambos, sujeitam-se as embarcações a medidas de constrição mundo afora, sob os mais diferentes sistemas jurídicos." GALANTE, Luís Felipe. O Risco de Dano Reverso no Embargo Cautelar de Embarcações, disponível aqui.
3 "A respeito das medidas cautelares, tem sido debatida entre os agentes do setor a possibilidade de o árbitro ou Tribunal Arbitral conceder uma ordem de arresto de embarcação, caso a medida seja necessária para preservar o resultado útil do procedimento arbitral e esteja presente a plausibilidade do direito alegado. A análise do cabimento ou não dessa medida deverá ser realizada caso a caso, mas é importante destacar, a respeito do assunto, que o Código de Processo Civil de 2015, ao extinguir as cautelares nominadas, revogou os artigos 813 e 814 do Código de Processo Civil de 1973, que continham requisitos específicos para a concessão das medidas cautelares de arresto, os quais tornavam razoavelmente complexa a concessão daquela medida. Essa alteração, aliada aos novos artigos 22-A e 22-B, parágrafo único, da Lei de Arbitragem, anteriormente citados, pode favorecer o manejo dessa medida constritiva, muitas vezes fundamental à eficaz satisfação do direito contrariado." (Direito Marítimo e Arbitragem, Migalhas Marítimas 16/09/2021),
4 "Breves reflexões sobre entendimento firmado pela ANTAQ no acórdão 521/25 e a cobrança de sobrestadia de contêineres" Migalhas Marítimas, 09/10/2025.

