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A lei do contrato de seguro e a regulação pela Susep e pelo CNSP

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Atualizado às 15:12

Os contratos de seguro no Brasil são regidos pelas normas legais (até o momento, o Código Civil e outras legislações esparsas, como o decreto-lei 73/19661 e LC 126/20072) e infralegais, essas últimas publicadas, principalmente, pelo CNSP - Conselho Nacional de Seguros Privados e pela Susep - Superintendência de Seguros Privados. Com o advento da lei 15.040/24, a "lei do contrato de seguro", naturalmente, algumas resoluções e circulares precisarão ser adaptadas, ou até mesmo criadas, para regulamentar pontos da nova lei que demandam critérios e regras mais específicos.

Em 2/7/25, a Susep divulgou ao mercado um ofício3 para informar que está atuando para adequar o seu marco regulatório à lei do contrato de seguro como parte do Plano de Regulação de 2025. Esclareceu que a regulamentação infralegal irá "elucidar alguns pontos necessários" e "editar complementos importantes", mas que a lei 15.040/24 deverá ser seguida para todos os fins.

Mesmo sendo sabido que a lei do contrato de seguro deve ser cumprida integralmente a partir de sua vigência, em 11/12/25, alguns pontos devem ser adequadamente regulados pela Susep ou pelo CNSP, para atender a comandos legais ou evitar insegurança jurídica para o mercado. De modo a fortalecer o debate, trazemos a seguir cinco artigos da lei 15.040/24 que, no nosso entender, demandarão uma análise atenta da autarquia.

1 - Proposta de resseguro

Art. 60. [...] § 1º O contrato de resseguro é funcional ao exercício da atividade seguradora e será formado pelo silêncio da resseguradora no prazo de 20 dias, contado da recepção da proposta.

Atualmente, o resseguro é disciplinado pela resolução CNSP 451/22 e pela circular Susep 683/22, mas não há detalhamento, nestes normativos, sobre como deve ser realizada uma proposta para ofertar os riscos pela seguradora ao ressegurador. As normas se preocupam, principalmente, com o cumprimento da oferta preferencial, qual seja, o direito de preferência que os resseguradores locais possuem em relação aos demais resseguradores, e com a comprovação da insuficiência de oferta de capacidade dos resseguradores locais e estrangeiros para fins de transferência de riscos com resseguradores não autorizados a operar no país. Ambos os normativos não preveem, assim, o que constitui uma proposta de resseguro, quais as condições que devem ser apresentadas, qual seria o seu conteúdo mínimo ou o meio de envio da consulta formal. A lei do contrato de seguro também não elenca essas especificidades.

Observa-se, portanto, que não há um regulamento específico sobre o modelo de envio da proposta aos resseguradores, porém, considerando que na dinâmica imposta pela nova lei o silêncio importará em anuência, previsão que não encontra similaridade nos países que possuem leis regulando o contrato de seguro,4 é razoável pensar que o envio de um simples e-mail pela seguradora com informações básicas sobre o risco, como é feito atualmente, pode não ser mais suficiente para dar início ao prazo de 20 dias para a análise do ressegurador.

Nesse sentido, questiona-se: a proposta deverá ser formal e escrita? Deverá seguir algum modelo prévio? Eventualmente, pode ser elaborado um formulário que exija a apresentação de informações específicas? Quais informações deverão ser passadas na oferta aos resseguradores? Ditas informações serão iguais para resseguros automáticos e facultativos? A ordem firme deixará de ter natureza de proposta, como em alguns casos funciona hoje? Deverá haver algum destinatário previamente informado à Susep, para fins de estabelecimento dessa comunicação? Estes são alguns pontos que merecem ser debatidos com o mercado, por meio de consulta pública a ser promovida pela Susep, para traçar parâmetros acerca da realização da proposta. Essa necessidade advém, principalmente, da possibilidade de as seguradoras afirmarem ter se esvaído o prazo e o resseguro ter sido tacitamente aceito, e as resseguradoras argumentarem em sentido oposto, que, na realidade, o prazo não havia se iniciado devido à falta de informações para composição da proposta.

2 - Repositório de decisões arbitrais

Art. 129. [...] Parágrafo único. A autoridade fiscalizadora disciplinará a divulgação obrigatória dos conflitos e das decisões respectivas, sem identificações particulares, em repositório de fácil acesso aos interessados.

Uma obrigação da Susep, determinada pela própria Lei, é a criação de um repositório de decisões de resolução de conflitos por meios alternativos. Isso significa que todos os conflitos resolvidos extrajudicialmente pelos métodos de conciliação, mediação ou arbitragem, deverão ser disponibilizados à autarquia para serem inseridos nesse repositório, para fins de acesso pelos interessados.

Necessário, portanto, que a Susep determine qual o meio de envio dessas decisões, quem são os interessados referidos na lei e se há alguma limitação a eles, uma vez que os sujeitos não poderão ser identificados, bem como a forma de acesso, se por autenticação via SEI, por exemplo, ou acesso público. A existência desse repositório de decisões irá reforçar teses jurídicas e aumentará as fontes de busca sobre o seguro, certamente enriquecendo as discussões judiciais. Porém, é preciso que a Autarquia discipline os mecanismos de envio e acesso, bem como a forma como as decisões serão disponibilizadas e quais trechos serão suprimidos, com vistas a evitar qualquer problema na confidencialidade dos dados.

Considerando, no entanto, a especificidade das decisões e o baixo número de arbitragens envolvendo o mercado, é possível dizer que será um desafio para a Susep divulgar os documentos sem revelar as partes envolvidas na Arbitragem.

Ainda quanto a esse dispositivo, vale dizer que a lei do contrato de seguro, de espécie ordinária, ampliou a competência da Susep, atributo que coube ao decreto-lei 73/1966, recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar. A lei do contrato de seguro, portanto, invadiu a competência estabelecida pela lei complementar.

3 - Pagamento de capital abandonado ao Funcap

Art. 115. [...] § 4º Se a seguradora, ciente do sinistro, não identificar beneficiário ou dependente do segurado para subsistência no prazo prescricional da respectiva pretensão, o capital segurado será tido por abandonado, nos termos do inciso III do caput do art. 1.275 da lei 10.406, de 10/1/2002 (Código Civil), e será aportado no Funcap - Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil.

O que é feito com o montante do capital segurado nos casos em que não é possível localizar o beneficiário de um seguro de vida? Inicialmente, paga-se metade ao cônjuge e metade aos herdeiros (art. 792 do Código Civil e art. 115 da lei do contrato de seguro). Se não existirem, o pagamento é destinado a quem provar que dependia economicamente do segurado (art. 792, § único, do Código Civil e art. 115, § 3º, da lei do contrato de seguro). A dúvida resiste, porém, nos casos em que não se localiza ninguém a quem o capital segurado deverá ser pago.

Atualmente, o decreto-lei 5.384/1943 prevê que, nesse caso, a União será a beneficiária, mas não há qualquer menção sobre como será a forma desse pagamento. Ou seja, não são elencados órgãos específicos do Governo Federal a quem as quantias serão destinadas, o que dificulta o procedimento por parte das seguradoras.

Sobre este tema, a lei 15.040/24 inovou e passou a determinar que o capital segurado será considerado abandonado, devendo ser destinado ao Funcap - Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil. O objetivo deste fundo é arrecadar recursos que permitam o auxílio da União em situações de calamidade, como as decorrentes de desastres naturais, de forma que o capital segurado "sem dono" deverá ser destinado para este fim. Nesse sentido, a lei cumpre com a determinação do decreto-lei 5.384/1943, ao prever que o valor será destinado à União, e busca sanar o problema sobre qual órgão deverá receber a quantia ao indicar a Funcap.

Ocorre que a forma de aporte ao Funcap permanece sem regramento, de modo que deverá ser regulada pela Susep, com especial atenção para a caracterização do abandono do capital segurado a partir da obtenção de provas que permitam a caracterização do prazo prescricional de três anos, nos termos do art. 126, III, da lei do contrato de seguro. Esta questão poderá ganhar especial relevância para os casos de morte presumida do segurado, em que será preciso seguir os trâmites previstos no Código Civil.

Nesse sentido, imagina-se que a Susep disciplinará, por meio de norma, como será a comprovação, pelas seguradoras, de que empreenderam todos os esforços na tentativa de localização do beneficiário. Além disso, também é aguardada a disciplina da forma de realização do referido aporte ao Funcap e sua comprovação à Susep, que poderá ser por meio do FIP, evitando-se o aumento de custos na operação das supervisionadas.

Por fim, espera-se que a regulação também enfrente aspectos como a falta de documentação suficiente para a regulação e liquidação do sinistro, ainda que a seguradora esteja "ciente do sinistro".

4 - Critérios comerciais e técnicos de subscrição

Art. 51. Os critérios comerciais e técnicos de subscrição ou aceitação de riscos devem promover a solidariedade e o desenvolvimento econômico e social, vedadas políticas técnicas e comerciais conducentes à discriminação social ou prejudiciais à livre iniciativa empresarial.

Trata-se de uma norma programática, cujo conteúdo é propositalmente vago e, assim, é relevante que a Susep elabore norma para discipliná-la. É cabível que a autarquia determine o que pode configurar uma política que conduza à discriminação social ou prejudique a livre iniciativa, bem como quais seriam as formas de promover a solidariedade e o desenvolvimento econômico e social, uma vez que a aceitação de riscos está sujeita a esses critérios.

As regras sobre taxonomia sustentável e a resolução CNSP 473/24, que trata de seguros sustentáveis, por exemplo, poderão ser alteradas ou utilizadas como base para o desenvolvimento de outros normativos, devendo todos eles estar em consonância com o previsto na lei do contrato de seguro. Ademais, também é relevante que sejam disciplinadas as consequências para os casos de não atendimento da norma, como multas e suspensão do produto.

A título de ilustração, vale referir ao art. 15º da lei de seguros de Portugal (decreto-lei 72/2008), especialmente os numerais 2 e 3, no sentido de demonstrar um critério a propósito da licitude do que poderá ser feito pelas seguradoras em termos de subscrição:

"Artigo 15.º

Proibição de práticas discriminatórias

1 - Na celebração, na execução e na cessação do contrato de seguro são proibidas as práticas discriminatórias em violação do princípio da igualdade nos termos previstos no art. 13.º da Constituição.

2 - São consideradas práticas discriminatórias, em razão da deficiência ou em risco agravado de saúde, as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que violem o princípio da igualdade, implicando para as pessoas naquela situação um tratamento menos favorável do que aquele que seja dado a outra pessoa em situação comparável.

3 - No caso previsto no número anterior, não são proibidas, para efeito de celebração, execução e cessação do contrato de seguro, as práticas e técnicas de avaliação, selecção e aceitação de riscos próprias do segurador que sejam objectivamente fundamentadas, tendo por base dados estatísticos e actuariais rigorosos considerados relevantes nos termos dos princípios da técnica seguradora.

4 - Em caso de recusa de celebração de um contrato de seguro ou de agravamento do respectivo prémio em razão de deficiência ou em risco agravado de saúde, o segurador deve, com base nos dados obtidos nos termos do número anterior, prestar ao proponente informação sobre o rácio entre os factores de risco específicos e os factores de risco de pessoa em situação comparável mas não afectada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde, nos termos 3 a 6 do art. 178.º

5 - Para dirimir eventuais divergências resultantes da decisão de recusa ou de agravamento, pode o proponente solicitar a uma comissão tripartida que emita parecer sobre o rácio entre os seus factores de risco específicos e os factores de risco de pessoa em situação comparável mas não afectada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde.

6 - O referido parecer é elaborado por uma comissão composta por um representante do Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P., um representante do segurador e um representante do Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P.

7 - O segurador, através do seu representante na comissão referida nos n.os 5 e 6, tem o dever de prestar todas as informações necessárias com vista à elaboração do parecer, nomeadamente, indicando as fontes estatísticas e actuariais consideradas relevantes nos termos do n.º 3, encontrando-se a comissão vinculada ao cumprimento do dever de confidencialidade.

8 - O parecer emitido pela comissão, nos termos do n.º 6, não é vinculativo.

9 - A proibição de discriminação em função do sexo é regulada por legislação especial."

5 - Definição de prazos para a regulação e a liquidação de sinistros

Art. 86. [...] § 5º A autoridade fiscalizadora poderá fixar prazo superior ao disposto no caput deste artigo para tipos de seguro em que a verificação da existência de cobertura implique maior complexidade na apuração, respeitado o limite máximo de 120 dias.

Art. 87. [...] § 5º A autoridade fiscalizadora poderá fixar prazo superior ao disposto no caput deste artigo para tipos de seguro em que a liquidação dos valores devidos implique maior complexidade na apuração, respeitado o limite máximo de 120 dias.

O principal ponto que a lei 15.040/24 deixa explicitamente pendente de regulação pela Susep diz respeito aos prazos para regulação e liquidação daqueles seguros cujos sinistros são mais complexos, o que se trata de uma referência implícita aos seguros de grandes riscos e outros que, por sua vultuosidade financeira ou operacional, também demandem prazos mais longos.

Em casos de seguros para grandes obras, seguros marítimos, nucleares, que envolvam empresas mundialmente reconhecidas, além dos demais citados na resolução CNSP 407/21, natural que a regulação de um sinistro requeira maior atenção por parte da seguradora, de modo que os 30 dias previstos em lei podem ser insuficientes. Isso porque, além de serem sinistros complexos e muitas vezes de alto valor envolvido, também poderão demandar análises técnicas especializadas que superam a expertise dos analistas e reguladores normalmente contratados pela seguradora. Não se pode descuidar ainda daqueles casos em que a análise envolve a apuração de eventual fraude, o que deverá ser cuidadosamente avaliado na regulação devido aos impactos no custo dos prêmios, como já bem pontuado pelo STJ.5

Por essa razão, será dever da Susep indicar em quais seguros o prazo para a análise do sinistro e a apuração de eventuais valores devidos a título de indenização será superior, chegando ao máximo de 120 dias. O critério para a escolha dos seguros, bem como para a determinação dos prazos, é algo que demandará publicidade por parte da Autarquia, mas certamente renderá grandes discussões no mercado securitário. A título de sugestão, refere-se à diretiva europeia 2009/138, de 25/11/2009, e aos critérios nela estabelecidos.

6 - Conclusão    

Diante de todo o exposto, observa-se que a lei do contrato de seguro inaugurou um marco normativo específico, mas também deixou aspectos ainda em aberto, que deverão ser detalhados e regulamentados pela Susep e pelo CNSP. Como informado pela Autarquia, em breve devem ser divulgadas consultas públicas para a atualização regulatória que possibilitem a participação ativa do mercado, com vistas a construir uma regulação mais clara e eficiente da lei 15.040/24.

Por força do art. 128 da lei do contrato de seguro, a Susep, ao elaborar estes atos normativos, não poderá contrariar a lei e deverá atuar para a proteção dos interesses dos segurados e de seus beneficiários, devendo esta proteção estar atenta ao tipo de segurado que está sendo protegido. Se para os seguros massificados o interesse dos segurados é ter regras fixas e bem definidas, para os seguros de grandes riscos, por outro lado, o interesse do segurado é por maior liberdade negocial, o que deverá guiar a atuação da autarquia.

Com este artigo, espera-se ter jogado luz em pontos que demandarão especial atenção da Susep, com o fim de auxiliar o mercado segurador na participação nas consultas públicas, esclarecendo algumas dificuldades que poderão surgir caso as normas legais não sejam adequadamente reguladas.

___________

1 Dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, disciplina as operações de seguros e resseguros e as operações de proteção patrimonial mutualista e dá outras providências.

2 Dispõe sobre a política de resseguro, retrocessão e sua intermediação, as operações de co-seguro, as contratações de seguro no exterior e as operações em moeda estrangeira do setor securitário.

3 Ofício Circular Eletrônico nº 1/2025/SUPERINTENDENTE/SUSEP.

4 Como exemplo, citamos Portugal (Decreto-Lei nº 72/2008), Espanha (Lei nº 50/1980), Alemanha (Versicherungsvertragsgesetz - VVG, de 2008), França (Code des Assurance - Ordonnance nº 2015-378) e Argentina (Lei nº 17.418/1967).

5 STJ, REsp n. 1.836.910/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. em 27 set. 2022.