COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Migalhas Securitárias

Análises e tendências do Direito do Seguro no Brasil, com foco em questões jurídicas e de mercado.

Ilan Goldberg e Gustavo de Medeiros Melo
Os contratos de seguro no Brasil são regidos pelas normas legais (até o momento, o Código Civil e outras legislações esparsas, como o decreto-lei 73/19661 e LC 126/20072) e infralegais, essas últimas publicadas, principalmente, pelo CNSP - Conselho Nacional de Seguros Privados e pela Susep - Superintendência de Seguros Privados. Com o advento da lei 15.040/24, a "lei do contrato de seguro", naturalmente, algumas resoluções e circulares precisarão ser adaptadas, ou até mesmo criadas, para regulamentar pontos da nova lei que demandam critérios e regras mais específicos. Em 2/7/25, a Susep divulgou ao mercado um ofício3 para informar que está atuando para adequar o seu marco regulatório à lei do contrato de seguro como parte do Plano de Regulação de 2025. Esclareceu que a regulamentação infralegal irá "elucidar alguns pontos necessários" e "editar complementos importantes", mas que a lei 15.040/24 deverá ser seguida para todos os fins. Mesmo sendo sabido que a lei do contrato de seguro deve ser cumprida integralmente a partir de sua vigência, em 11/12/25, alguns pontos devem ser adequadamente regulados pela Susep ou pelo CNSP, para atender a comandos legais ou evitar insegurança jurídica para o mercado. De modo a fortalecer o debate, trazemos a seguir cinco artigos da lei 15.040/24 que, no nosso entender, demandarão uma análise atenta da autarquia. 1 - Proposta de resseguro Art. 60. [...] § 1º O contrato de resseguro é funcional ao exercício da atividade seguradora e será formado pelo silêncio da resseguradora no prazo de 20 dias, contado da recepção da proposta. Atualmente, o resseguro é disciplinado pela resolução CNSP 451/22 e pela circular Susep 683/22, mas não há detalhamento, nestes normativos, sobre como deve ser realizada uma proposta para ofertar os riscos pela seguradora ao ressegurador. As normas se preocupam, principalmente, com o cumprimento da oferta preferencial, qual seja, o direito de preferência que os resseguradores locais possuem em relação aos demais resseguradores, e com a comprovação da insuficiência de oferta de capacidade dos resseguradores locais e estrangeiros para fins de transferência de riscos com resseguradores não autorizados a operar no país. Ambos os normativos não preveem, assim, o que constitui uma proposta de resseguro, quais as condições que devem ser apresentadas, qual seria o seu conteúdo mínimo ou o meio de envio da consulta formal. A lei do contrato de seguro também não elenca essas especificidades. Observa-se, portanto, que não há um regulamento específico sobre o modelo de envio da proposta aos resseguradores, porém, considerando que na dinâmica imposta pela nova lei o silêncio importará em anuência, previsão que não encontra similaridade nos países que possuem leis regulando o contrato de seguro,4 é razoável pensar que o envio de um simples e-mail pela seguradora com informações básicas sobre o risco, como é feito atualmente, pode não ser mais suficiente para dar início ao prazo de 20 dias para a análise do ressegurador. Nesse sentido, questiona-se: a proposta deverá ser formal e escrita? Deverá seguir algum modelo prévio? Eventualmente, pode ser elaborado um formulário que exija a apresentação de informações específicas? Quais informações deverão ser passadas na oferta aos resseguradores? Ditas informações serão iguais para resseguros automáticos e facultativos? A ordem firme deixará de ter natureza de proposta, como em alguns casos funciona hoje? Deverá haver algum destinatário previamente informado à Susep, para fins de estabelecimento dessa comunicação? Estes são alguns pontos que merecem ser debatidos com o mercado, por meio de consulta pública a ser promovida pela Susep, para traçar parâmetros acerca da realização da proposta. Essa necessidade advém, principalmente, da possibilidade de as seguradoras afirmarem ter se esvaído o prazo e o resseguro ter sido tacitamente aceito, e as resseguradoras argumentarem em sentido oposto, que, na realidade, o prazo não havia se iniciado devido à falta de informações para composição da proposta. 2 - Repositório de decisões arbitrais Art. 129. [...] Parágrafo único. A autoridade fiscalizadora disciplinará a divulgação obrigatória dos conflitos e das decisões respectivas, sem identificações particulares, em repositório de fácil acesso aos interessados. Uma obrigação da Susep, determinada pela própria Lei, é a criação de um repositório de decisões de resolução de conflitos por meios alternativos. Isso significa que todos os conflitos resolvidos extrajudicialmente pelos métodos de conciliação, mediação ou arbitragem, deverão ser disponibilizados à autarquia para serem inseridos nesse repositório, para fins de acesso pelos interessados. Necessário, portanto, que a Susep determine qual o meio de envio dessas decisões, quem são os interessados referidos na lei e se há alguma limitação a eles, uma vez que os sujeitos não poderão ser identificados, bem como a forma de acesso, se por autenticação via SEI, por exemplo, ou acesso público. A existência desse repositório de decisões irá reforçar teses jurídicas e aumentará as fontes de busca sobre o seguro, certamente enriquecendo as discussões judiciais. Porém, é preciso que a Autarquia discipline os mecanismos de envio e acesso, bem como a forma como as decisões serão disponibilizadas e quais trechos serão suprimidos, com vistas a evitar qualquer problema na confidencialidade dos dados. Considerando, no entanto, a especificidade das decisões e o baixo número de arbitragens envolvendo o mercado, é possível dizer que será um desafio para a Susep divulgar os documentos sem revelar as partes envolvidas na Arbitragem. Ainda quanto a esse dispositivo, vale dizer que a lei do contrato de seguro, de espécie ordinária, ampliou a competência da Susep, atributo que coube ao decreto-lei 73/1966, recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar. A lei do contrato de seguro, portanto, invadiu a competência estabelecida pela lei complementar. 3 - Pagamento de capital abandonado ao Funcap Art. 115. [...] § 4º Se a seguradora, ciente do sinistro, não identificar beneficiário ou dependente do segurado para subsistência no prazo prescricional da respectiva pretensão, o capital segurado será tido por abandonado, nos termos do inciso III do caput do art. 1.275 da lei 10.406, de 10/1/2002 (Código Civil), e será aportado no Funcap - Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil. O que é feito com o montante do capital segurado nos casos em que não é possível localizar o beneficiário de um seguro de vida? Inicialmente, paga-se metade ao cônjuge e metade aos herdeiros (art. 792 do Código Civil e art. 115 da lei do contrato de seguro). Se não existirem, o pagamento é destinado a quem provar que dependia economicamente do segurado (art. 792, § único, do Código Civil e art. 115, § 3º, da lei do contrato de seguro). A dúvida resiste, porém, nos casos em que não se localiza ninguém a quem o capital segurado deverá ser pago. Atualmente, o decreto-lei 5.384/1943 prevê que, nesse caso, a União será a beneficiária, mas não há qualquer menção sobre como será a forma desse pagamento. Ou seja, não são elencados órgãos específicos do Governo Federal a quem as quantias serão destinadas, o que dificulta o procedimento por parte das seguradoras. Sobre este tema, a lei 15.040/24 inovou e passou a determinar que o capital segurado será considerado abandonado, devendo ser destinado ao Funcap - Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil. O objetivo deste fundo é arrecadar recursos que permitam o auxílio da União em situações de calamidade, como as decorrentes de desastres naturais, de forma que o capital segurado "sem dono" deverá ser destinado para este fim. Nesse sentido, a lei cumpre com a determinação do decreto-lei 5.384/1943, ao prever que o valor será destinado à União, e busca sanar o problema sobre qual órgão deverá receber a quantia ao indicar a Funcap. Ocorre que a forma de aporte ao Funcap permanece sem regramento, de modo que deverá ser regulada pela Susep, com especial atenção para a caracterização do abandono do capital segurado a partir da obtenção de provas que permitam a caracterização do prazo prescricional de três anos, nos termos do art. 126, III, da lei do contrato de seguro. Esta questão poderá ganhar especial relevância para os casos de morte presumida do segurado, em que será preciso seguir os trâmites previstos no Código Civil. Nesse sentido, imagina-se que a Susep disciplinará, por meio de norma, como será a comprovação, pelas seguradoras, de que empreenderam todos os esforços na tentativa de localização do beneficiário. Além disso, também é aguardada a disciplina da forma de realização do referido aporte ao Funcap e sua comprovação à Susep, que poderá ser por meio do FIP, evitando-se o aumento de custos na operação das supervisionadas. Por fim, espera-se que a regulação também enfrente aspectos como a falta de documentação suficiente para a regulação e liquidação do sinistro, ainda que a seguradora esteja "ciente do sinistro". 4 - Critérios comerciais e técnicos de subscrição Art. 51. Os critérios comerciais e técnicos de subscrição ou aceitação de riscos devem promover a solidariedade e o desenvolvimento econômico e social, vedadas políticas técnicas e comerciais conducentes à discriminação social ou prejudiciais à livre iniciativa empresarial. Trata-se de uma norma programática, cujo conteúdo é propositalmente vago e, assim, é relevante que a Susep elabore norma para discipliná-la. É cabível que a autarquia determine o que pode configurar uma política que conduza à discriminação social ou prejudique a livre iniciativa, bem como quais seriam as formas de promover a solidariedade e o desenvolvimento econômico e social, uma vez que a aceitação de riscos está sujeita a esses critérios. As regras sobre taxonomia sustentável e a resolução CNSP 473/24, que trata de seguros sustentáveis, por exemplo, poderão ser alteradas ou utilizadas como base para o desenvolvimento de outros normativos, devendo todos eles estar em consonância com o previsto na lei do contrato de seguro. Ademais, também é relevante que sejam disciplinadas as consequências para os casos de não atendimento da norma, como multas e suspensão do produto. A título de ilustração, vale referir ao art. 15º da lei de seguros de Portugal (decreto-lei 72/2008), especialmente os numerais 2 e 3, no sentido de demonstrar um critério a propósito da licitude do que poderá ser feito pelas seguradoras em termos de subscrição: "Artigo 15.º Proibição de práticas discriminatórias 1 - Na celebração, na execução e na cessação do contrato de seguro são proibidas as práticas discriminatórias em violação do princípio da igualdade nos termos previstos no art. 13.º da Constituição. 2 - São consideradas práticas discriminatórias, em razão da deficiência ou em risco agravado de saúde, as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que violem o princípio da igualdade, implicando para as pessoas naquela situação um tratamento menos favorável do que aquele que seja dado a outra pessoa em situação comparável. 3 - No caso previsto no número anterior, não são proibidas, para efeito de celebração, execução e cessação do contrato de seguro, as práticas e técnicas de avaliação, selecção e aceitação de riscos próprias do segurador que sejam objectivamente fundamentadas, tendo por base dados estatísticos e actuariais rigorosos considerados relevantes nos termos dos princípios da técnica seguradora. 4 - Em caso de recusa de celebração de um contrato de seguro ou de agravamento do respectivo prémio em razão de deficiência ou em risco agravado de saúde, o segurador deve, com base nos dados obtidos nos termos do número anterior, prestar ao proponente informação sobre o rácio entre os factores de risco específicos e os factores de risco de pessoa em situação comparável mas não afectada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde, nos termos 3 a 6 do art. 178.º 5 - Para dirimir eventuais divergências resultantes da decisão de recusa ou de agravamento, pode o proponente solicitar a uma comissão tripartida que emita parecer sobre o rácio entre os seus factores de risco específicos e os factores de risco de pessoa em situação comparável mas não afectada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde. 6 - O referido parecer é elaborado por uma comissão composta por um representante do Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P., um representante do segurador e um representante do Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P. 7 - O segurador, através do seu representante na comissão referida nos n.os 5 e 6, tem o dever de prestar todas as informações necessárias com vista à elaboração do parecer, nomeadamente, indicando as fontes estatísticas e actuariais consideradas relevantes nos termos do n.º 3, encontrando-se a comissão vinculada ao cumprimento do dever de confidencialidade. 8 - O parecer emitido pela comissão, nos termos do n.º 6, não é vinculativo. 9 - A proibição de discriminação em função do sexo é regulada por legislação especial." 5 - Definição de prazos para a regulação e a liquidação de sinistros Art. 86. [...] § 5º A autoridade fiscalizadora poderá fixar prazo superior ao disposto no caput deste artigo para tipos de seguro em que a verificação da existência de cobertura implique maior complexidade na apuração, respeitado o limite máximo de 120 dias. Art. 87. [...] § 5º A autoridade fiscalizadora poderá fixar prazo superior ao disposto no caput deste artigo para tipos de seguro em que a liquidação dos valores devidos implique maior complexidade na apuração, respeitado o limite máximo de 120 dias. O principal ponto que a lei 15.040/24 deixa explicitamente pendente de regulação pela Susep diz respeito aos prazos para regulação e liquidação daqueles seguros cujos sinistros são mais complexos, o que se trata de uma referência implícita aos seguros de grandes riscos e outros que, por sua vultuosidade financeira ou operacional, também demandem prazos mais longos. Em casos de seguros para grandes obras, seguros marítimos, nucleares, que envolvam empresas mundialmente reconhecidas, além dos demais citados na resolução CNSP 407/21, natural que a regulação de um sinistro requeira maior atenção por parte da seguradora, de modo que os 30 dias previstos em lei podem ser insuficientes. Isso porque, além de serem sinistros complexos e muitas vezes de alto valor envolvido, também poderão demandar análises técnicas especializadas que superam a expertise dos analistas e reguladores normalmente contratados pela seguradora. Não se pode descuidar ainda daqueles casos em que a análise envolve a apuração de eventual fraude, o que deverá ser cuidadosamente avaliado na regulação devido aos impactos no custo dos prêmios, como já bem pontuado pelo STJ.5 Por essa razão, será dever da Susep indicar em quais seguros o prazo para a análise do sinistro e a apuração de eventuais valores devidos a título de indenização será superior, chegando ao máximo de 120 dias. O critério para a escolha dos seguros, bem como para a determinação dos prazos, é algo que demandará publicidade por parte da Autarquia, mas certamente renderá grandes discussões no mercado securitário. A título de sugestão, refere-se à diretiva europeia 2009/138, de 25/11/2009, e aos critérios nela estabelecidos. 6 - Conclusão     Diante de todo o exposto, observa-se que a lei do contrato de seguro inaugurou um marco normativo específico, mas também deixou aspectos ainda em aberto, que deverão ser detalhados e regulamentados pela Susep e pelo CNSP. Como informado pela Autarquia, em breve devem ser divulgadas consultas públicas para a atualização regulatória que possibilitem a participação ativa do mercado, com vistas a construir uma regulação mais clara e eficiente da lei 15.040/24. Por força do art. 128 da lei do contrato de seguro, a Susep, ao elaborar estes atos normativos, não poderá contrariar a lei e deverá atuar para a proteção dos interesses dos segurados e de seus beneficiários, devendo esta proteção estar atenta ao tipo de segurado que está sendo protegido. Se para os seguros massificados o interesse dos segurados é ter regras fixas e bem definidas, para os seguros de grandes riscos, por outro lado, o interesse do segurado é por maior liberdade negocial, o que deverá guiar a atuação da autarquia. Com este artigo, espera-se ter jogado luz em pontos que demandarão especial atenção da Susep, com o fim de auxiliar o mercado segurador na participação nas consultas públicas, esclarecendo algumas dificuldades que poderão surgir caso as normas legais não sejam adequadamente reguladas. ___________ 1 Dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, disciplina as operações de seguros e resseguros e as operações de proteção patrimonial mutualista e dá outras providências. 2 Dispõe sobre a política de resseguro, retrocessão e sua intermediação, as operações de co-seguro, as contratações de seguro no exterior e as operações em moeda estrangeira do setor securitário. 3 Ofício Circular Eletrônico nº 1/2025/SUPERINTENDENTE/SUSEP. 4 Como exemplo, citamos Portugal (Decreto-Lei nº 72/2008), Espanha (Lei nº 50/1980), Alemanha (Versicherungsvertragsgesetz - VVG, de 2008), França (Code des Assurance - Ordonnance nº 2015-378) e Argentina (Lei nº 17.418/1967). 5 STJ, REsp n. 1.836.910/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. em 27 set. 2022.
Judicialização Diante do aumento na judicialização de questões relacionadas ao direito médico e da saúde, a responsabilidade civil do médico ganha destaque no Direito contemporâneo, dado o impacto que eventuais falhas ou omissões na prestação dos serviços médicos podem causar à vida e à integridade dos pacientes. O profissional médico está cada vez mais exposto a riscos jurídicos crescentes. Os dados mais recentes do CNJ evidenciam uma intensa e contínua judicialização da saúde no Brasil, especialmente em ações relacionadas a tratamentos e erro médico. Em 2024, foram registrados 663.8641 novos processos na área da saúde, um aumento de 16,8% em relação a 2023. Especificamente, o tratamento médico-hospitalar lidera as disputas com 157.155 novas ações em 2024, e envolvem desde pedidos de tratamentos até indenizações por supostos erros profissionais. No primeiro trimestre de 2025 esta tendência se manteve forte, razão pela qual o pronunciamento do CNJ qualificou este número como "epidemia judicial"2. Esses dados evidenciam que o profissional médico está cada vez mais exposto a riscos jurídicos crescentes, o que reforça a necessidade de proteção e exige atenção e diligência não só para a aplicação da técnica mais adequada, como também para a produção de evidências necessárias para a melhor instrução do paciente e decisões a serem executadas.  Tal contexto origina-se diretamente do dever jurídico que se impõe ao médico de reparar os danos decorrentes de sua atuação, desde que comprovada a ocorrência de ato ilícito tipificado no art. 186 do CC, com nexo de causalidade entre sua conduta e o dano experimentado pelo paciente, além dos aspectos relacionados à culpabilidade - seja por negligência, imprudência ou imperícia. Mister destacar que essa responsabilidade tem por objetivo o restabelecimento do equilíbrio violado e a proteção de bens jurídicos fundamentais, como a saúde e a dignidade da pessoa humana, configurando-se, assim, como elemento essencial para a segurança tanto do paciente quanto do profissional. A responsabilidade civil do médico é subjetiva, de modo que há a necessidade de verificação da culpa relacionada ao ato médico praticado, especialmente no tocante à ação ou omissão negligente, imprudente ou imperita para sua configuração. Nesse sentido, em regra, a responsabilidade objetiva não se aplica à sua atividade profissional.  O ato médico pode ser definido, neste caso, como qualquer tipo de procedimento profissional que o médico preste a terceiros e seja inerente à prestação de serviços de saúde. Sua responsabilidade advém também do Código de Ética Médica3 com a previsão de que é vedado ao médico "causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência" (art. 1º). Em outras palavras, não será aplicável a presunção de culpa na atividade médica, restando necessária, portanto, para verificação de responsabilidade, a apuração da conduta praticada e em que medida referida conduta concorreu para a caracterização do evento danoso.  Consentimento informado Para que se compreenda integralmente a responsabilidade civil no contexto médico é imprescindível reconhecer que a mitigação dos riscos decorrentes do tratamento não se limita à análise de conduta culposa, mas também envolve a qualidade da comunicação entre médico e paciente. Nesse sentido deverá o paciente participar efetivamente da contextualização de seu tratamento e tomada das decisões que dizem respeito à sua saúde, e como resultado desta participação deverá consentir à atuação médica. Essa dimensão preventiva, centrada no respeito à autonomia e no fortalecimento do consentimento informado, reforça o caráter integral da responsabilidade civil médica. Desta feita, o profissional pode ser responsabilizado na medida em que não cumpre com seu dever de informar adequadamente o paciente acerca de seu diagnóstico, não expõe com clareza os procedimentos aos quais o paciente precisará ser submetido e não obtém do paciente seu consentimento na realização das etapas de seu tratamento. Neste sentido, sobre a definição de consentimento informado, ensinam Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Junior4: "O consentimento informado é capacidade de decisão do paciente quanto ao tratamento médico que receberá, decisão esta que só poderá ser tomada após detalhado esclarecimento médico e fornecimento de todas as informações relativas ao procedimento que foi eleito pelos médicos, como considerado o melhor e o mais eficaz. (...) O consentimento informado engloba a obrigação do médico de dar, antes de qualquer intervenção e por meio de linguagem compreensível ao paciente, informação adequada sobre sua condição de saúde, bem como dos métodos possíveis e disponíveis para o tratamento de sua doença. O médico deve indicar-lhe os resultados esperados, os riscos da intervenção pretendida, o custo desta intervenção e as alternativas que possam existir. O médico deve, também, dar ao paciente oportunidade para refletir e tomar sua decisão sem que sobre esta exerça qualquer tipo de pressão. Dizer que o médico necessita fornecer informação adequada ao paciente para que esse possa exteriorizar sua vontade consciente é necessariamente analisar que tipo de informação, e em que quantidade, deve o médico prover." Assim, o dever de informação busca proteger o paciente e evitar seja constrangido a submeter-se a tratamento em que desconheça os riscos envolvidos e sob quais condições poderão acontecer. Por outro lado, o profissional médico deve atentar-se para cumprir tal obrigação não somente porque lhe cabe tal dever, mas também porque lhe será extremamente útil, futuramente, em caso de eventual discussão, seja ela administrativa ou judicial. É essencial que o consentimento informado faça parte da documentação médica como salvaguarda de sua conduta. Situações como a ausência de consentimento informado, a falta de apresentação clara ao paciente acerca do diagnóstico, do prognóstico, das contraindicações do tratamento indicado e das possíveis complicações podem caracterizar erro médico, ensejando o dever de indenizar em razão da omissão de informações sobre riscos, além de ocasionar dano moral quando se verificam sequelas permanentes no paciente. Observa-se de julgamentos dos Tribunais e de doutrinas sobre o tema que o consentimento informado consubstancia a formalização obtida do paciente capaz e apto a entender as diretrizes que envolvem o procedimento a que será submetido, tendo avaliado os riscos expressamente explicados e traduzidos em linguagem leiga como forma de propiciar o correto entendimento. Em caso de eventual dano, de acordo com o art. 951 do CC,5 a indenização devida pelo médico que causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou ainda inabilitá-lo ao trabalho abrange (i) o pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; (ii) prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. Nos casos de lesão ou outra ofensa à saúde, a indenização abrange o pagamento das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. E, ainda, se a ofensa resultar em lesão pela qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou que lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, poderá incluir pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Observa-se assim o grande risco de eventual condenação a que estará sujeito o profissional médico quando, no exercício de sua profissão, causar dano a seu paciente. Daí a necessidade de uma boa gestão e controle dos riscos que envolvem sua atividade, de sorte que, em caso de eventual decisão judicial desfavorável, tenha proteção financeira adequada que permita o pagamento da condenação e a continuidade do exercício profissional. Seguro de responsabilidade civil profissional O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional médica proporciona a proteção financeira relacionada à ocorrência de evento incerto pelo qual o médico seja responsabilizado civilmente no exercício de sua atividade. Sua finalidade é respaldá-lo contra o risco de futura reclamação decorrente de erro profissional em que reste caracterizada a responsabilidade civil do médico pelo dano causado ao paciente. A contratação de seguro de responsabilidade civil profissional para atividade médica é condição indispensável a todo profissional que almeja segurança para o exercício de sua atividade. No Brasil, este seguro ainda não é amplamente contratado pelos profissionais. Já no exterior, nota-se grande preocupação com a efetiva necessidade de garantias complementares pelos profissionais. Principalmente nos Estados Unidos, em virtude da grande judicialização, o seguro conhecido como "medical malpractice insurance" é amplamente contratado pelos médicos, considerando que a maioria deles já se deparou com reclamação judicial em sua carreira. Os profissionais entendem que não há meios de desempenhar a atividade médica sem a contratação do referido seguro. A obrigatoriedade de sua contratação varia conforme o Estado, mas, em geral, é altamente estimulada. Extrai-se, portanto, a relevância da contratação do seguro para garantir maior segurança à atividade profissional do médico, inclusive em virtude de eventual insuficiência de seu patrimônio individual exposto a acidentes que originem sua responsabilização, e/ou ainda para mantê-lo indene. O princípio da boa-fé objetiva nos contratos de seguro é essencial no compartilhamento de informações com o fim de entender a dinâmica de trabalho do profissional da área médica e identificar a exposição relacionada não só à atividade profissional em si, carregada de suas características e particularidades, como também estudar o contexto da atividade na atuação individualizada do profissional. Portanto, identificado claramente o risco segurável, passa-se à proposta de seguro, que surge como documento inicial em busca de adequação aos produtos disponíveis para comercialização no mercado, atrelados à necessidade específica e muito particular de cada atividade profissional. Desta feita, as informações coletadas pela seguradora - como dados pessoais, qualificação profissional, existência de proteções securitárias, características exigidas para a apólice, histórico profissional e do exercício da atividade, inclusive eventuais demandas existentes, bem como fatos que possam ensejar reclamações futuras, especializações e demais elementos relevantes para o gerenciamento de risco - são essenciais para que a seguradora possa compreender com precisão o perfil do segurado e, assim, personalizar as coberturas e condições da apólice de forma justa e adequada à sua realidade, garantindo maior proteção e melhor custo-benefício. Nesse sentido, e atento ao princípio da boa-fé, o preenchimento do questionário de risco pelo proponente deverá conter toda a informação necessária, de forma transparente, clara e precisa, quanto ao cenário de risco envolvido por sua prática profissional, sem quaisquer omissões ou inexatidões importantes que possam ter reflexo, ainda que futuro, no escopo do contrato que se pactua.  Esta avaliação do cenário de risco permitirá não só à seguradora indicar as proteções mais adequadas a serem comercializadas como também viabilizará ao profissional estabelecer procedimentos efetivos para minimizar os riscos inerentes de sua atividade, e propiciará maior clareza em sua análise quanto à abrangência das proteções securitárias de seu interesse. No Brasil, o seguro de responsabilidade civil profissional para médicos oferece ampla cobertura contra danos materiais, corporais, morais e estéticos, além de incluir custos com defesa jurídica, honorários advocatícios e outras despesas emergenciais, tão importantes quanto os valores envolvidos em uma eventual indenização.  Trata-se, pois, de proteção vital para profissionais que, mesmo atuando com total diligência que a profissão requer, estão sujeitos a riscos decorrentes de alegações de erro, negligência ou omissão. Apesar de não ser obrigatório, o seguro proporciona tranquilidade para que os médicos possam focar no atendimento de qualidade, ao mesmo tempo em que ampara seu patrimônio frente às demandas judiciais crescentes no país. Nos Estados Unidos, as apólices oferecem coberturas mais amplas e customizáveis, abrangendo desde indenizações por danos civis até suporte robusto para defesa jurídica e consultoria preventiva. O mercado americano é maduro e competitivo, refletindo uma cultura consolidada de gestão de riscos e compliance que busca não só proteger o profissional, mas também evitar litígios através de práticas preventivas. Esse comparativo revela um cenário no qual o Brasil possui um mercado promissor e necessário, que ainda carece da ampla cultura de conscientização e proteção, já observada nos Estados Unidos. Para os profissionais brasileiros, a contratação do seguro de responsabilidade civil representa uma medida estratégica não apenas para resguardar seu patrimônio individual, mas para garantir a continuidade séria e segura do exercício da medicina num ambiente de crescente exposição a litígios. A experiência internacional demonstra que o seguro é um instrumento eficaz para mitigar riscos, proporcionando segurança jurídica e financeira, elementos essenciais para a valorização e estabilidade da carreira médica no Brasil.  Incentivar a adoção deste tipo de proteção torna-se indispensável diante do atual cenário de judicialização da saúde e da complexidade das demandas contra profissionais médicos, beneficiando o sistema de saúde como um todo, ao reduzir conflitos e promover soluções extrajudiciais mais céleres.  __________________ 1 Disponível aqui. Acesso em 15.07.2025. 2 Disponível aqui. Acesso em 15.07.2025. 3 Brasil. Código de Ética Médica. Disponível aqui. Acesso em 15.07.2025. 4 NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de Direito Civil. Direitos da Personalidade. São Paulo: RT, 2018, v. VII, p. 155.  5 CC, Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
A lei 15.040, de 9 de dezembro de 2024, "Lei de Seguros" como passou a ser chamada, inovou no ordenamento jurídico nacional ao introduzir 10 artigos específicos sobre os seguros de responsabilidade civil, antes referidos por apenas dois artigos no Código Civil de 2002. A importância deste segmento de seguros no Brasil se fez notar nos últimos vinte anos, diante da multiplicação dos tipos comercializados pelas seguradoras. Antes reservados aos riscos industriais e comerciais (existência da empresa criando riscos para a circunvizinhança; distribuição de produtos; prestação de serviços em locais de terceiros; shoppings centers; obras civis e instalações-montagens; condomínios), mais recentemente a expansão se voltou para os seguros de riscos profissionais (área da saúde; advogados; engenharia de projetos; corretores), também para a responsabilidade civil decorrente da gestão de empresas e fundos (diretores e administradores - D&O), riscos cibernéticos e riscos ambientais. A cobertura para a responsabilidade civil decorrente da circulação de veículos automotores terrestres tem sido contratada facultativamente no Brasil, através de ramo próprio, usualmente atrelada à apólice do Seguro Automóvel, sendo que este seguro passou a ter maior relevância em função da recente extinção do seguro obrigatório de danos pessoais pela circulação de veículos (DPVAT), sem um modelo substitutivo até o momento. Os brasileiros, precisamente os empresários e os profissionais autônomos, perceberam que a sociedade contemporânea é mais suscetível a reclamar os seus direitos, toda vez que sofre danos pela ação ou omissão deles. Aquela ideia de "dano injusto", propagada ainda nos anos 1980 pelo ilustre Orlando Gomes, conforme o giro conceitual proposto pelo doutrinador1, a partir do vetusto ato ilícito, tem prosperado na atualidade. A monetização dos riscos e dos prejuízos através dos contratos de seguros de responsabilidade civil tem alcançado patamar significativo. O fenômeno do incremento da comercialização dos referidos seguros segue uma ordem natural, motivada pelo interesse que os segurados têm de se protegerem contra a obrigação de indenizar terceiros em geral, incluindo clientes e pacientes nesta categoria amplificada, uma vez sobrevindo danos durante o desempenho de suas atividades. Eles têm não só adquirido os seus próprios seguros, como também, acreditando na natureza garantidora do seguro, passaram a exigir de terceiros contratados por eles a comprovação de que possuem apólices que possam beneficiá-los em caso de falhas na prestação dos serviços, provocando-lhes danos. É o fenômeno da horizontalização.2 Os seguros de responsabilidade civil no Brasil começaram a ser operacionalizados a partir de 1960 quando o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), no regime de monopólio estatal do resseguro, criou a Divisão de Responsabilidade Civil Geral. A intervenção do referido ressegurador foi fundamental para o desenvolvimento do segmento, sendo que ele oferecia, além da capacidade de resseguro para as seguradoras, também as condições contratuais e tarifárias dos diferentes tipos dos seguros. Esse modelo persistiu pelo longo período do monopólio (1939-2007), quando a LC 126, de 15/1/2007, desmonopolizou o resseguro no país. A Superintendência de Seguros Privados (Susep), em função da abertura, passou a padronizar os textos de coberturas, de 2007 até o final de 2020, quando através do movimento modernizador iniciado pela própria Autarquia, houve a liberalização para as seguradoras estabelecerem as respectivas bases de coberturas, cujo procedimento sempre foi praticado pelos mercados de seguros modernos e maduros e que finalmente chegou ao Brasil. Em razão desse cenário, ou seja, da forte presença condutora do Estado no estabelecimento das bases contratuais dos seguros de responsabilidade civil, com a acomodação das seguradoras privadas, os modelos praticados não se encontram atualizados, sequer nos moldes exigidos pelo Código Civil de 2002, com raríssimas exceções. Podem revelar, inclusive, determinados descompassos com o regramento previsto no Código de Defesa do Consumidor, apesar de ter sido promulgado pela lei 8.078, de 11/9/1990.  Feita essa digressão no tempo e de modo a situar o estado da arte das condições contratuais das diferentes apólices de seguros de responsabilidade civil no mercado brasileiro, convém destacar o novo enfoque dado pela lei 15.040/2024, a qual impõe atualizações pontuais em todos os modelos atualmente comercializados no país. Não bastasse essa inovação legislativa, o mercado de seguros terá de enfrentar, ainda, provavelmente em curto espaço de tempo, a reforma do Código Civil, que trará com ela uma verdadeira revolução no âmbito do instituto jurídico da responsabilidade civil. O Comitê de Juristas encarregado das propostas, para essa parcela do trabalho de revisão, deixou marcado no relatório final de apresentação ao Senado o escopo da atualização proposta: "A responsabilidade civil de 2023 se encontra em um momento muito distante do estado da arte dos anos setenta do século XX, época em que foi forjado o Código Civil. Não se trata apenas de um hiato de 50 anos, porém de meio século que transformou a vida humana e os seus costumes de modo mais significativo que os últimos 2.000 anos de civilização". (...) "Acresça-se a isso que, diferentemente da fertilidade legislativa atuante sobre vários setores do Direito Civil nos últimos 20 anos, na temática da responsabilidade civil não houve sequer uma inovação legal. Em resumo, verifica-se um desajuste temporal de mais de 100 anos". A modernização proposta é das mais amplas e coloca o ordenamento em sintonia com os riscos, os anseios e os interesses da sociedade pós-moderna. Para as mentes abertas e oxigenadas, sem apego a dogmas insepultos, o resultado do trabalho é não só estimulante, como alvissareiro em face do abandono dos velhos conceitos, carcomidos pelo tempo, deixando-os presos no passado. A atualização traz figuras já conhecidas da doutrina mais refinada e especializada, assim como da ainda claudicante jurisprudência dos tribunais. Figuras como "danos ao projeto de vida", "sanção pecuniária pedagógica", "dano social", "danos atuais e futuros", "perda de uma chance", "danos extrapatrimoniais indiretos ou reflexos", "ofensa à integridade física, psíquica ou psicológica" - "dano existencial", "dano ao meio ambiente", "responsabilidade civil preventiva", "fortuito interno", além da reafirmação do "princípio da indenização integral", acolhidos e positivados, espelham a grandiosidade do instituto da responsabilidade civil, guindando-o ao devido lugar de destaque na reforma do Código Civil. Evidencia-se, nas propostas, a hipervalorização dos danos extrapatrimoniais, que na verdade compreendem grande parte da vasta nomenclatura atribuída aos diferentes tipos de danos, representando parcelas contributivas para o quantum indenizatório e de modo a torná-lo o mais justo possível e com vistas na indenização integral das vítimas. O olhar dos juristas revisores também foi criterioso para identificar mecanismos mínimos para a valoração dos danos. Do patrimonialismo que se encontra presente no Código Civil de 2002, a reforma tem o condão de romper com esse pensamento oitocentista, recolocando o homem no centro do ordenamento e valorizando-o para além do "ser unicamente laboral". A indenização integral da vítima se espelhará nesse novo estágio valorativo, "do ter para o ser", sem o apego e a interferência de dogmas puramente civilistas, assim como a questão do enriquecimento injusto em face da vítima que se tornou completamente inválida, modificando drasticamente o seu projeto de vida. Os contratos de seguros devem acompanhar a evolução. As condições contratuais dos seguros de responsabilidade civil deverão sofrer, forçosamente, os impactos decorrentes das modificações do Código Civil, mesmo porque elas importam em maior grau de exposição para os segurados, requerendo a consequente garantia da cobertura das apólices. Em face do princípio da utilidade subsumido no contrato de seguro, os de responsabilidade civil deverão acolher essa exposição complementar que será determinada, de forma cogente, no Código Civil. As definições encontradas nas apólices brasileiras de seguros de responsabilidade civil, especialmente para a garantia de lesões corporais causadas a terceiros3, se mostram extremamente reduzidas e sequer acobertam de forma ampla, como deveriam garantir, na vigência do atual ordenamento. São encontradas limitações pontuais, assim como a exclusão de danos morais e estéticos, sendo que a cobertura para as respectivas parcelas é oferecida de forma adicional, com sublimitação da importância segurada; o dano estético, por sua vez, nem sempre é ofertado mesmo sob a condição de cobertura acessória. O dano moral fica circunscrito ao dano corporal, quando diretamente decorrente deste e exclusivamente sofrido pela pessoa diretamente lesada. A reforma do Código Civil não só revigora os danos extrapatrimoniais, como também deixa clara a abrangência das consequências reflexas para além da pessoa da vítima. Ao distinguir o dano atual do futuro, o ordenamento jurídico abre para os contratos de seguros de responsabilidade civil um novo parâmetro determinante do pagamento da indenização. Até o momento atual, a forma majoritária recai na liquidação realizada de uma única vez. A tendência, a partir da reforma, será a constituição de capital de renda, de modo a acompanhar a evolução da lesão da vítima. Os danos futuros estão relacionados, basicamente, com a majoração das sequelas deixadas pela lesão inicial, assim como a necessidade de uma nova cirurgia ou tratamento, troca de próteses e outras situações correlatas. Não há como negar que essa necessidade já existe na atualidade, mas o ordenamento vigente se mostra menos criterioso e detalhista, fato que motiva as seguradoras a adotar o procedimento menos trabalhoso. Essas e outras modificações inovadoras, a serem introduzidas pela reforma do Código Civil, repercutirão em todos os cidadãos, colocando-os diante de uma maior exposição ao risco de imputação de responsabilidade, com destaque nos empresários e nos profissionais autônomos. As apólices de seguros de responsabilidade civil já se apresentam como instrumento financeiro eficaz de proteção, na medida em que resguardam a indenidade dos segurados, em face do patrimônio que deixa de ser afetado, assim como os terceiros prejudicados, diante da garantia de indenização que é conferida a eles, conforme o disposto no art. 98 da lei 15.040/2024. A reforma do Código Civil reforçará ainda mais essa necessidade social, da contratação dos referidos seguros.  __________ 1 ORLANDO, Gomes. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. in: DI FRANCESCO, José Roberto Pacheco. (org.) Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 289-302. 2 POLIDO, Walter A. Horizontalização na contratação dos seguros de responsabilidade civil. in: PRADO, Camila Affonso. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. SOARES, Flaviana Rampazzo. ROSENVALD, Nelson. (coords.) Seguros e Responsabilidade Civil. São Paulo: Foco, 2024, p. 147-169. 3 POLIDO, Walter A. O estágio atual da cobertura para danos pessoais (corporais) nos contratos de seguros de responsabilidade civil no Brasil. Novos danos e/ou Novos direitos. São Paulo: Roncarati, 2020 [e-book gratuito, Último acesso em 31/5/2025].