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A publicidade nas arbitragens público-privadas*: Precisamos avançar

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Atualizado às 15:31

A presença da Administração Pública no território arbitral como meio de solução de controvérsias é não apenas aceitável, mas desejável em muitos dos contratos envolvendo entes públicos, e exige um rearranjo por parte dos gestores públicos bem como por parte do próprio instituto. A imperatividade, inerente à forma de atuação do Poder Público, passa a ser substituída pela participação e pela consensualidade, objetivando aprimorar a governabilidade e gerar mais eficiência, legitimidade e responsabilidade para a Administração Pública, abrindo espaço para o uso da arbitragem para solução de determinados litígios.

A Administração Pública como player no processo arbitral demanda a adequação do instituto de Direito Privado às regras e aos princípios de Direito Público. Sendo uma das partes o Poder Público, a própria lei 9.307/96 afasta a liberdade das partes de convencionarem a confidencialidade do processo arbitral. Nos termos do § 3º do art. 2º da lei de arbitragem, a liberdade de negociar a reserva de informações processuais não é dada à Administração Pública.

Isso porque a publicidade processual nas arbitragens público-privadas tem por objetivo a proteção dos interesses públicos. A divulgação das informações processuais é baseada na noção de que o público em geral é parte significativamente interessada na discussão travada na jurisdição privada, na medida em que os interesses concebivelmente em jogo tratam, normalmente, de preocupações com a alocação de recursos públicos.

No contexto atual, verifica-se que, diante da imprecisão da regra do § 3º do art. 2º da lei de arbitragem, a concretização do princípio da publicidade nas arbitragens público-privadas tem se dado de forma difusa e limitada. É inadequada, posto que incompleta, a tendência existente de limitar a sua publicização a determinados atos processuais e em determinada fase do processo arbitral.

Com efeito, o regramento da publicidade processual deve prever um desenho processual mínimo no conteúdo da convenção de arbitragem (seja na cláusula, seja no compromisso arbitral), bem como no termo de arbitragem, incluindo: (i) a lista de informações e atos processuais a serem publicados na rede mundial de computadores, de forma ativa; (ii) o prazo para a referida divulgação, contado da juntada do documento ao processo arbitral; (iii) a definição do responsável pela publicização; (iv) indicação quanto à possibilidade de obtenção dos demais atos e documentos de forma passiva, por meio de requerimento.

Ademais, diante das questões de interesse público relevantes, como proteção do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável, do patrimônio público, do combate à corrupção e implementação de políticas governamentais, inspirando-se nas UNCITRAL Transparency Rules1, é imprescindível que sejam ainda divulgadas informações relativas à instauração da arbitragem, incluindo as partes e custos envolvidos no processo, de forma ativa, na rede mundial de computadores, em um prazo razoável.

Isso porque o conhecimento por terceiro da arbitragem, logo nos seus primeiros atos processuais, propicia a participação de terceiros (não partes), como nos casos de amicu curiae e intervenção da anômala. Esta primeira fase do processo arbitral (antes mesmo da constituição do tribunal arbitral) revela-se, no âmbito das arbitragens público-privadas, momento relevante para a participação de terceiros que pretendam integrar ou contribuir para o deslinde da demanda. O conhecimento da pretensão que desaguará numa arbitragem, de plano, atrai o olhar curioso da sociedade.

Assim, entende-se que, para o efetivo cumprimento do princípio da publicidade processual inscrita no § 3º do art. 2º da Lei n. 9.307/1996, devem ser igualmente divulgadas as informações relativas à instauração da arbitragem, bem como o pedido de instauração do processo e a resposta ao pedido apresentada pela contraparte, sob pena de prejudicar eventual a participação dos terceiros em fases anteriores à instituição da arbitragem.

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*Adota-se esta nomenclatura "arbitragem público-privada" aos processos arbitrais no qual figuram como parte as pessoas jurídicas de direto público (Administração Pública direta e outras entidades da Administração Pública indireta, como por ex. as agências reguladoras) e as pessoas jurídicas de Direito Privado (por ex. sociedades comerciais: sociedade simples, sociedade limitada, sociedade em nome coletivo, dentre outras; bem como as empresas públicas e sociedade de economia mista).

UNCITRAL. UNCITRAL Rules on Transparency in Treaty-based Investor-State Arbitration. Nova Iorque: UNCITRAL, 2014. Disponível aqui. Acesso em: 14 jul. 2024.