Condomínio arbitragem no Brasil
terça-feira, 20 de maio de 2025
Atualizado em 19 de maio de 2025 09:26
"Precisamos aprender a escutar, escutar de verdade. Porque o barulho do mundo está nos deixando surdos."
Pepe Mujica
Recentemente, tornei-me síndico do meu prédio. Como acontece com a maioria das pessoas, isso nunca foi um objetivo de vida, tampouco é algo que eu recomendaria como vocação. Mas assumir essa função me fez refletir sobre os desafios de gerir algo coletivo, onde todos os usuários são, ao mesmo tempo, donos de uma parte do todo.
Essa reflexão, no entanto, não é sobre o meu condomínio. É sobre a arbitragem no Brasil. E falo a partir de uma posição privilegiada: a de quem observa a arbitragem do lado de dentro, mas sem nunca ter sido ator em procedimentos. Há mais de vinte anos, sou um funcionário desse "condomínio", e não um de seus condôminos.
A arbitragem, como todos sabemos, pertence às partes. Mas é operada por uma comunidade: a chamada comunidade arbitral. Para efeito de raciocínio, proponho tratá-la como um grande condomínio. Seus "moradores" são os advogados das partes, os árbitros, as câmaras, os peritos, os experts e os pareceristas. Todos exercem na arbitragem uma atividade profissional e todos têm um interesse legítimo em que esse condomínio funcione bem, esteja bem conservado e com boa aparência. Afinal, isso valoriza o ativo coletivo e fortalece a credibilidade do instituto.
Mas, como síndico, descobri a maior mazela dessa função: o sujeito indeterminado. "Alguém precisa resolver a questão da guarita nova". Alguém quem? Se todos moramos no mesmo prédio, cabe a todos nós mantê-lo funcionando.
Na arbitragem, não é diferente. Ela é uma construção coletiva. E todos os seus operadores - por interesse e não por altruísmo - devem protegê-la. A arbitragem brasileira é exercida por uma elite profissional altamente qualificada: renomados juristas que atuam como árbitros, os melhores escritórios, as câmaras mais sérias, os peritos mais sofisticados, e o mais importante, as partes envolvidas são empresas sofisticadas, nacionais e internacionais.
Mas, de tempos em tempos, um procedimento arbitral é maculado. E isso é como se alguém jogasse um papel no chão do prédio. Se ninguém limpar, ele permanece lá - visível para todos. Buscar o melhor resultado para o cliente é, claro, um dever do advogado. Mas, quando vemos as famosas táticas de guerrilha sendo usadas apenas com fins protelatórios, é como um morador que estaciona o carro de forma atravessada, sem se importar com o prejuízo à coletividade. E por vezes a imprensa faz o tenebroso papel do grupo de WhatsApp do prédio.
Ações anulatórias existem e são legítimas. Fazem parte do sistema. E é prudente e necessário que existam. Mas, quando estamos lidando com os mais experientes (e, por vezes, mais criativos) advogados contenciosos do país, precisamos saber diferenciar a legítima busca pelo direito das chicanas processuais. Porque estas últimas sujam o nosso "hall de entrada".
Falo isso como uma espécie de zelador. Alguém que mora nesse condomínio, mas não é dono de unidade. Que admira os moradores, às vezes se mete um pouco em suas vidas, mas depende - mais do que ninguém - do bom funcionamento do edifício. Meu papel é criar condições para que o diálogo flua, para que o elevador social e o de serviço estejam impecavéis.
Como um economista entre advogados, dou-me o benefício da ignorância honesta: posso sempre perguntar. E é isso que faço aqui. Existe um caminho coletivo para mantermos a imagem da arbitragem brasileira imaculada? A comunidade arbitral será capaz de resistir à tentação da polarização e encarar, com maturidade, a necessidade do diálogo?
É verdade, reuniões de condomínio são sempre enfadonhas. Mas essa comunidade já dedica tempo a essas discussões - e eu, como otimista incorrigível, seguirei incentivando o diálogo. Porque acredito na arbitragem. E mais ainda: acredito na arbitragem no Brasil.
Afinal, se o nosso condomínio deixar de funcionar, as partes - os moradores da cobertura - vão se mudar para condomínios no exterior. Com isso, levarão não somente suas arbitragens, mas tembém os recursos e as mentes que fazem esse sistema ser o que é. Não podemos deixar isso acontecer.