O "esquadrão da derrota"
terça-feira, 27 de maio de 2025
Atualizado em 26 de maio de 2025 14:54
Para aqueles que estão enveredados no universo infantil, sabem que experimentar os sabores de uma perda pode ser algo difícil para uma criança de 5 anos. Não são raros os choros estridentes após a constatação da perda num simplório jogo de tabuleiro. Saber perder não é um sentimento inato do ser humano. Pelo contrário, é preciso aprender que, às vezes se perde, e outras tantas se ganha, embora os "coaches" de bem-estar advoguem a possibilidade de uma vida seguida de vitórias sucessivas.
O universo das disputas empresariais não é muito diverso disso, apesar de as controvérsias não serem tão simplórias assim. É preciso aprender a perder, o que implica sobreviver à dor de ouvir de um terceiro que não se tem razão sobre algo que se imaginava ter.
Quando esse terceiro é um árbitro e não um juiz estatal, a dificuldade de se lidar com a perda é particularmente agravada porque, como se sabe, a arbitragem constitui uma forma extrajudicial de se resolver definitivamente os conflitos - com igual status da jurisdição estatal - em única e última instância. Ou seja, confia-se a alguém - podem ser uma ou três pessoas, sempre em número ímpar - o destino de um determinado tema, sem possibilidade de uma segunda chance de se rever o mérito da questão.
Assim, escolher arbitragem para um contrato redunda em, necessariamente, aceitar que determinadas pessoas decidirão o resultado de todas as questões oriundas daquele contrato, sem possibilidade de recurso. Parece óbvio, mas não são raros os casos em que um cliente indaga quais são as opções para se esquivar do cumprimento após o recebimento de uma sentença arbitral negativa aos seus interesses.
Um advogado sincero deveria responder: nenhuma! Explica-se ao cliente que existe a ação anulatória, mas que nela não se revisa mérito, não se devolvendo o reexame da matéria. Esclarece-se, ainda, que, em não sendo sucedâneo recursal e estando os tribunais estatais cientes disso, não se estimula, nem se recomenda a via da ação anulatória, ainda mais porque suscetível de sucumbência representativa, feita para dissuadir a litigância desarrazoada. Lembra-se, por fim, que a recalcitrância em cumprir espontaneamente o julgado pode ensejar multa de dez por cento e honorários advocatícios em igual patamar, à luz do art. 523, §1º do CPC.
Feitas essas explicações, ouvem-se, em réplica, as reclamações dos clientes - por vezes, justas, admite-se - sobre o entendimento exarado pelos julgadores e se encerra a discussão. Isso porque, se o advogado sincero tivesse encontrado, no caso concreto, uma nesga de presença de alguma das estritas causas de nulidade previstas no art. 32 da lei de arbitragem, teria advertido ao cliente que havia alguma chance de desconstituição daquele julgado, deixando o cliente decidir se assumiria ou não o risco da sucumbência. Se não o fez, é porque não encontrou qualquer fresta.
Infelizmente, muitos são os colegas que não param por aí. Como ninguém gosta de ser o portador de más notícias, ainda mais para clientes, há aqueles que não só aventam uma ação anulatória, mas decidem investir contra um ou mais integrantes do tribunal arbitral: investigação criminal, ação de responsabilidade civil contra árbitro, toda a sorte de artimanha. Vendem-se serviços jurídicos associados à esperança de causar tanto tumulto a ponto de forçar um acordo, ou, talvez, somente postergar o cumprimento, permitindo que o cliente tenha a sua "pequena vingança" em face da contraparte vencedora. Trata-se do "esquadrão da derrota".
O "esquadrão da derrota" desconhece - ou parece desconhecer - que o padrão da responsabilidade civil dos árbitros é o mesmo dos juízes estatais, a teor do caput do art. 14 da lei de arbitragem. Também ignora - ou parece ignorar - o fato de que, a rigor, mesmo que haja eventual falha do árbitro, em qualquer aspecto de um procedimento arbitral, dificilmente existiria um ilícito penal associado a tal falha, a começar pela falta de tipo penal específico. E justamente porque o "Esquadrão" não trabalha com as amarras da honestidade intelectual, nem da razoabilidade, procura se apegar a algum crime genérico de falso, mesmo quando diante de um fato para o qual o direito penal não foi concebido1.
Para compor o "esquadrão da derrota", não basta simplesmente ajuizar uma ação anulatória fundamentada. Não é disso que se trata aqui. É preciso ter a insidiosa intenção de achincalhar um prestador de serviços, o árbitro, fazendo pouco caso dos mecanismos institucionais previstos em lei como remédio para os desvios que possam ocorrer em arbitragens. A intenção é clara: desqualifica-se o árbitro, com o objetivo último de privar de efeitos o fruto de seu trabalho, a sentença arbitral, embora a lei tenha, cuidadosamente, previsto limitadas hipóteses de controle da arbitragem.
Trocando em miúdos e retornando à analogia que inspirou esses breves comentários, o "esquadrão da derrota" assemelha-se aos pais que, ao final do jogo de tabuleiro e diante da derrota de seu filho de 5 anos, brindam os jogadores com a informação de que o jogo não valia nada, dispostos a apagar o evento da memória de todos os envolvidos. Tentam reescrever a história à fórceps para ver um sorriso bonito no rosto de sua cria. Criam um alívio imediato da dor do filho, despreparando a criança para enfrentar algo inerente à vida.
Assim como ninguém quer ser o responsável pela criança mimada, nenhum colega advogado deveria se predispor a compor o "esquadrão da derrota". Até porque todo empresário conhece - ou deveria conhecer - os riscos dos negócios que faz, dentre eles o risco associado a se convencionar arbitragem, diversamente das crianças que estão no momento da vida propício ao aprendizado desse tipo de desafio. Perder é um desgosto terrível, mas faz parte do jogo. Simples assim!
1 Nota Técnica do Prof. David Tangerino ao Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) sobre o tema, disponível aqui. Acesso em 3/5/25.