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O que não vira manchete

terça-feira, 24 de junho de 2025

Atualizado em 23 de junho de 2025 08:59

Na última semana, me deparei com um artigo no Estadão, de Katherine Kam para o Washington Post, que falava sobre a nossa tendência a fixar nas experiências negativas. Segundo a reportagem, inspirada em estudos de psicologia comportamental, o cérebro humano responde com mais intensidade aos eventos que nos prejudicam do que àqueles que nos beneficiam. Somos condicionados a prestar atenção no que deu errado - como mecanismo de sobrevivência. E por isso, mesmo quando tudo corre bem, é o tropeço que vai parar na manchete.

Foi inevitável fazer um paralelo com a arbitragem.

A maioria das arbitragens no Brasil funciona bem, e até mesmo por isso seguem em sigilo. Procedimentos que seguem o devido processo legal, com árbitros qualificados, câmaras organizadas, sentenças respeitadas e executadas. Mas essa maioria silenciosa raramente vira notícia. O que circula são os poucos e ruidosos casos anulados, as sentenças inexequíveis, as decisões polêmicas, os incidentes com árbitros ou pareceristas. E, como diria o artigo, é aí que o nosso cérebro se agarra.

Essa lógica cria um ruído perigoso: passamos a acreditar que o sistema arbitral brasileiro está em crise, quando na verdade ele está em pleno funcionamento, é o que comprova ano a ano a pesquisa coordenada pela professora Selma Lemes em conjunto com o Canal Arbitragem. O efeito das exceções começa a contaminar a percepção sobre a regra.

O problema não é novo. A imprensa (e também os bastidores jurídicos) funciona como os grupos de WhatsApp do condomínio - como escrevi em outro artigo. Se um morador deixa lixo no hall, todos comentam. Mas ninguém posta no grupo um "parabéns" ao zelador porque o elevador está funcionando.

Claro que a crítica é legítima - e necessária. A arbitragem, como qualquer sistema humano, está sujeita a erros, desvios e falhas de conduta. E quando eles ocorrem, precisam ser discutidos e corrigidos. Mas há uma diferença entre fazer autocrítica e alimentar um viés negativo coletivo, que reforça a ideia de que "nada funciona" ou que "esta tudo errado".

É curioso: na tentativa de proteger o instituto, acabamos por fragilizá-lo. Replicamos as histórias ruins, expomos os problemas, desconfiamos dos profissionais e exigimos reformas que, muitas vezes, nascem mais do medo do que da análise racional.

O estudo citado no Estadão nos dá um alerta: esse tipo de comportamento é previsível. Mas não é imutável. Existem formas de treinar o olhar, reconhecer os bons exemplos e equilibrar o peso das narrativas. A arbitragem não precisa ser blindada - ela precisa ser entendida com maturidadepor todos os seus atores.

Portanto, fica aqui o convite: antes de replicarmos a próxima crítica - seja à arbitragem, à política, a uma instituição ou mesmo a alguém próximo - vale o exercício de pensar em quantas experiências bem-sucedidas deixamos de registrar. Por que elas não ocupam o mesmo espaço na nossa memória? Talvez, como comunidade jurídica - e como sociedade - precisemos praticar mais a arte de reconhecer o que funciona. Não para esconder o que está errado. Mas para não esquecer o que está certo.

Assim como no cérebro humano, na arbitragem e na vida, é preciso equilíbrio. E algum esforço consciente para que a exceção não contamine a regra.