As tarifas do governo Trump contra o Brasil: Impactos econômico-jurídicos no agro e reflexos nas arbitragens internacionais
terça-feira, 29 de julho de 2025
Atualizado em 28 de julho de 2025 13:28
1. Introdução
Em julho de 2025, o governo dos Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump por mais um mandato, anunciou a imposição de tarifas adicionais de 50% sobre uma série de produtos brasileiros, com entrada em vigor prevista para 1/8 do mesmo ano. A medida foi justificada, na carta de Trump, como resposta a um relacionamento comercial injusto e sem reciprocidade, por parte do Brasil, nas transações havidas historicamente entre os países. Na carta, o presidente dos EUA também justifica a imposição das tarifas por conta de questões eminentemente internas do país (como alguns julgamentos do STF, incluindo o de Jair Bolsonaro).
Tal decisão do governo estadunidense impacta significativamente setores estratégicos do agronegócio brasileiro, em especial os mercados de suco de laranja, café, carne bovina e frutas frescas, nos quais o Brasil é um dos principais fornecedores ao mercado dos EUA. Além das consequências econômicas, esta medida levanta importantes questões jurídicas quanto à sua compatibilidade com normas da OMC - Organização Mundial do Comércio, bem como seus efeitos sobre contratos internacionais e disputas comerciais no âmbito da arbitragem privada.
2. Alguns impactos setoriais do tarifaço de Trump:
2.1 Suco de laranja
O setor de suco de laranja é um dos mais atingidos, dada sua alta dependência do mercado norte-americano, que absorve aproximadamente 80% das exportações brasileiras do produto. A tarifa de 50% se soma à já existente taxa fixa de US$ 415 por tonelada, tornando as exportações brasileiras economicamente inviáveis para diversos importadores. Projeta-se, com isso, uma queda drástica na competitividade do produto brasileiro, além de consequências diretas para os produtores, com redução da demanda e provável queda nos preços internos.
No plano judicial, merece destaque a ação movida pela empresa estadunidense Johanna Foods, baseada em New Jersey, perante a Court of International Trade, em Nova Iorque, em que se questiona a legalidade da imposição tarifária por decreto presidencial. A argumentação central reside na ausência de autorização legislativa específica e na desproporcionalidade da medida, que resultaria em aumento de até 25% no preço final ao consumidor norte-americano.
Em reportagem da Agência Brasil, o CEPEA aponta dados importantes sobre as consequências do tarifaço no mercado interno dos EUA e nas exportações de suco de laranja do Brasil: Segundo o Cepea, os Estados Unidos importam atualmente cerca de 90% do suco que consomem, sendo que o Brasil é responsável por aproximadamente 80% desse total. "Essa instabilidade ocorre justamente em um momento de boa safra no estado de São Paulo e triângulo mineiro: 314,6 milhões de caixas projetadas para 2025/26, crescimento de 36,2% frente ao ciclo anterior. Com o canal norte-americano sob risco, o acúmulo de estoques e a pressão sobre as cotações internas tornam-se prováveis", avaliou a professora da Esalq/USP Margarete Boteon, pesquisadora da área de citros do Cepea.
2.2 Café
O café brasileiro representa cerca de 25% das importações do produto pelos Estados Unidos. Como os EUA não produzem café internamente, tal medida certamente impactará fortemente as cadeias internas de fornecimento dos EUA, que é o maior consumidor do mundo do grão e, em especial, do café arábica. A imposição de tarifas adicionais também compromete posição de liderança do Brasil no fornecimento aos EUA, ao tornar o produto brasileiro menos competitivo em relação a países como Colômbia, Vietnã e Etiópia, que não foram alvo das mesmas medidas. Toda a cadeia de produção e fornecimento do café brasileiro, inclusive o seu trânsito no mercado estadunidense, já vem enfrentando uma fase de renegociações contratuais e até interrupções que certamente poderão ensejar um aumento nos litígios arbitrais e judiciais.
2.3 Carne bovina
A carne bovina brasileira, que compõe cerca de 23% das importações norte-americanas do setor, será igualmente impactada. Os EUA são, atualmente, o segundo maior comprador de carne bovina brasileira, sendo superado apenas pela China. A tarifa de 50% compromete a rentabilidade das operações e pode levar à suspensão de contratos em vigor, especialmente no caso de contratos com margens estreitas e prazos rígidos. Há relatos de empresas brasileiras estudando redirecionar seus embarques para mercados asiáticos, embora isso envolva novos desafios regulatórios e logísticos.
2.4 Frutas frescas
Frutas tropicais como manga, mamão e abacaxi, que vinham ampliando sua presença nos Estados Unidos, também estão entre os produtos afetados. A exportação de manga, em especial, pode sofrer efeitos severos, pois sua janela coincide com o início da vigência das novas tarifas impostas. A perda de acesso competitivo ao mercado norte-americano deve gerar excedente de produção, queda de preços internos e, eventualmente, necessidade de suporte governamental para absorção da produção excedente. Além disso, um cenário como este também poderá dar ensejo a uma série de renegociações e litígios, o que é sempre muito preocupante para qualquer setor em que as margens são estreitas e os fluxos são limitados.
3. Repercussões no âmbito das resoluções internacionais de controvérsias
3.1 Contencioso na OMC
O Brasil, por meio de sua missão junto à OMC, já sinalizou a intenção de questionar a legalidade das novas tarifas. A medida norte-americana, ao incidir de forma abrupta e seletiva sobre produtos de um único país, certamente configura violação às disposições do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, notadamente no que tange à cláusula da nação mais favorecida e à proibição de medidas discriminatórias sem base em critérios objetivos e multilateralmente aceitos.
Caso as consultas iniciais não resultem em solução amigável, o Brasil poderá requerer a instalação de um painel de solução de controvérsias. Contudo, com a longeva crise do Órgão de Apelação da OMC, esvaziado por iniciativa do primeiro governo de Trump, inclusive, a resolução da controvérsias na OMC pode acabar em appeals into the void. Para se evitar isto, foi constituído o MPIA - Multi Party Interim Appeal Arbitration Arrangement, órgão provisório do qual o Brasil participa mas os EUA, como era mesmo de se esperar, não. Diante deste cenário, é muito importante que a delegação brasileira procure negociar com a norte-americana uma forma de solução de controvérsias específica para a questão, por meio da indicação de um centro de arbitragem específico e neutro (CPA, ICC, LCIA, etc) para resolver o litígio como se fosse o próprio órgão de apelação da OMC. Tal missão, no entanto, não é nada fácil.
3.2 Litígios judiciais e arbitragens privadas
No plano contratual, a introdução abrupta de tarifas dessa magnitude caracteriza um evento capaz de gerar significativa instabilidade nas relações comerciais internacionais. Exportadores brasileiros, diante da onerosidade excessiva e da quebra de expectativa legítima, podem buscar invocar cláusulas de força maior ou hardship, previstas em contratos internacionais, com vistas à revisão ou resolução das obrigações contratuais.
A previsão de cláusulas compromissórias em contratos internacionais de exportação é comum, e espera-se aumento no número de arbitragens comerciais administradas por instituições como a ICC - International Chamber of Commerce, ICDR - International Center of Dispute Resolution, LCIA - London Court of International Arbitration e CAM-CCBC - Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá.
A jurisprudência arbitral, embora sabidamente restritiva à intervenção nos contratos, admite em casos excepcionais a revisão de contratos, mas sempre observando a alocação de riscos pactuada, a intenção comum das partes e a existência ou não de cláusulas de hardship, bastante comuns em contratos internacionais. Quando há uma alteração do cenário econômico deste porte, decorrente de ato soberano de um dos países envolvidos, o reequilíbrio contratual pode ser perseguido. A depender do grau de desequilíbrio gerado, dos mecanismos contratuais existentes e da lei aplicável à avença havida entre as partes, pode-se admitir a revisão judicial ou arbitral do contrato, desde que demonstrada a boa-fé concreta do contratante lesado.
4. Considerações finais
A adoção de tarifas adicionais de 50% pelo governo norte-americano representa um novo capítulo nas complexas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Os impactos econômicos são imediatos e profundos, em especial sobre cadeias produtivas altamente integradas ao mercado americano. No entanto, é no plano jurídico que surgem os maiores desafios, com potencial multiplicação de disputas tanto no âmbito da OMC quanto no campo das arbitragens privadas internacionais.
Diante desse cenário, é fundamental que empresas brasileiras atuem com planejamento jurídico estratégico, reavaliando seus contratos internacionais, analisando a possibilidade de renegociação com base em cláusulas específicas e, se necessário, recorrendo a mecanismos adequados de solução de controvérsias. A atenção contínua à evolução do contencioso na OMC e ao ambiente regulatório e judicial nos EUA será essencial para a proteção de direitos e preservação de interesses comerciais brasileiros de curto, médio e longo prazos.