O sigilo profissional nas arbitragens público-privadas
terça-feira, 26 de agosto de 2025
Atualizado em 25 de agosto de 2025 08:27
O modelo de publicidade processual arbitral abrangendo todas as fases do processo arbitral, desde o pedido de instauração da arbitragem até a sentença arbitral final, - nos termos defendidos no artigo - diz respeito aos atos processuais produzidos durante a tramitação da arbitragem.
Tornar acessíveis as manifestações das partes já protocoladas no processo arbitral não se confunde com publicidade dada aos processos administrativos nos quais são discutidas estratégias de defesa do ente público. É comum, no exercício da advocacia pública, se deparar com pedidos de acesso aos procedimentos administrativos nos quais são discutidos, internamente, a viabilidade e os elementos de defesa que serão apresentados no procedimento arbitral.
Assim como ocorre na advocacia privada, é necessário cuidado com a preservação do sigilo dos documentos, pareceres, e-mails e demais trocas de informações, cujo conteúdo se volta muitas vezes à delimitação da estratégia a ser utilizada, devendo ser acessíveis apenas aos que representam ou colaboram com a defesa da parte representada no processo arbitral.
Trata-se, pois, do sigilo profissional, que está resguardado no art. 5º, incisos XIII e XIV, da Constituição da República ao prever, respectivamente, que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer"; bem como "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional". Este sigilo está atrelado à ética e à moral da profissão e compreende que o advogado (no caso, advogado público) mantenha em segredo tudo o que vier a tomar conhecimento em relação ao seu cliente.
No âmbito infraconstitucional, o sigilo profissional está previsto no CPC/15, em seu art. 388, II, determinando não ser a parte obrigada a depor sobre fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
A restrição ao acesso aos processos administrativos relacionados à defesa do ente público encontra amparo no direito de sigilo inerente ao exercício da advocacia previsto na lei 8.906/1994, o Estatuto da OAB:
Art. 7º São direitos do advogado:
[...]
II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional;
[...]
Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.
Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos
disciplinares.
Art. 34. Constitui infração disciplinar:
[...]
VII - violar, sem justa causa, sigilo profissional;
[...].
Por sua vez, para o Código de Ética e Disciplina da OAB, "[o] sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa" (art. 25). Dessa forma, "[a]s confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte" (art. 27). Ademais, "presumem-se confidenciais as comunicações epistolares entre advogado e cliente, as quais não podem ser reveladas a terceiros" (parágrafo único do art. 27).
O dever de sigilo profissional assegura ao advogado a inviolabilidade de seu escritório profissional, dos seus instrumentos de trabalho (computadores, servidores etc.) e de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica, desde que, claro, relacionadas ao exercício da advocacia.
Assim, todas as comunicações do advogado, incluindo os advogados públicos, com quem quer que seja, no âmbito do exercício profissional, nacional ou internacional, e todas as informações a que ele teve acesso em razão da representação judicial ou arbitral, são alvo de sigilo, independentemente de onde tramitar o processo.
Especificamente quanto à atuação da advocacia pública, o tema foi objeto do parecer 00015/2020/CONJUR-CGU/CGU/AGU1, exarado pela Consultoria Jurídica junto à Controladoria Geral da União, o qual analisou a aplicação da publicidade administrativa, como regra prevista na lei 12.527/11, e a hipótese de sigilo profissional no âmbito da advocacia pública federal.
Para o opinativo, "[o] sigilo profissional justifica-se porque em determinadas profissões se faz necessário que haja um compartilhamento de informações sensíveis entre o detentor da informação e o profissional que irá prestar o respectivo serviço". Os advogados públicos são igualmente titulares de direitos, deveres e prerrogativas inerentes aos advogados privados, dentre os quais se encontra o sigilo profissional das suas manifestações públicas.
O parecer, ainda, conclui que "a proteção do sigilo profissional recai não apenas diretamente sobre a pessoa do advogado (que não pode ser forçado a testemunhar em juízo sobre fato de que teve conhecimento profissionalmente, EOAB art. 7º, XIX, e que tem direito de comunicação reservada mesmo com o cliente preso, inciso III), mas sobre todos os materiais, documentos, comunicações, insumos e produtos de seu trabalho que sejam relativos à atividade de advocacia, ainda que estes materiais se encontrem na posse do cliente, ou por ele tenham sido produzidos, e independentemente do repositório formal em que estejam contidos (papéis, bases de dados, arquivos, e-mails, planilhas, áudios, sistemas de informação, etc.)".
Assim, os processos administrativos que contenham informações ou documentos relacionados à defesa do ente público, em demandas judiciais ou arbitrais, devem ser considerados sigilosos em razão da necessidade de não restar revelada a estratégia de defesa.
No que toca especificamente à Advocacia-Geral da União, a portaria AGU 529, de 23 de agosto de 20162, buscou fazer o cotejo entre a inviolabilidade profissional dos membros da advocacia pública e o interesse público no acesso à informação, enumerando, por meio do art. 19, excepcionalmente, hipóteses nas quais se restringiria o acesso à informação:
Art. 19. Poderão ter acesso restrito na AGU e na PGF, em decorrência da inviolabilidade profissional do advogado, prevista no art. 7º, inciso II, da lei 8.906, de 4 de julho de 1994, e independentemente de classificação, na forma do art. 22 da lei 12.527, de 2011, as informações, documentos e dados que versem sobre:
I - processos administrativos em relação aos quais não se tenha encerrado o ciclo aprobatório da manifestação jurídica ou técnica, especialmente, propostas de acordos para pagamento de créditos e débitos da União e de suas autarquias e fundações públicas, demais acordos, termos de ajustamento de conduta, termos de conciliação ou instrumentos congêneres;
[...]
III - verificação técnica e estratégica, quanto à forma e o modo de intervenção em processos judiciais ou extrajudiciais;
[...]
V - expedientes oriundos de outros órgãos e entidades da Administração Pública, com repercussão dos interesses públicos em juízo;
[...]
VIII - manifestações jurídicas ou técnicas não aprovadas, quando sua divulgação possa repercutir, justificadamente, de modo negativo na defesa ou promoção de interesses públicos em juízo ou outro foro;
[...]
XIII - elaboração de cálculo para defesa da União na esfera judicial ou extrajudicial;
[...]
XVII - segredo industrial, nos termos do art. 22, da lei 12.527, de 29 de dezembro de 2011;
[...]
§ 1° O rol acima possui natureza exemplificativa, sem prejuízo da aplicação da restrição a demais situações legalmente previstas.
§2º Faculta-se a remoção da restrição de acesso prevista neste artigo, após ultimado o ciclo aprobatório das manifestações jurídicas ou técnicas, ou após o encerramento dos processos administrativos ou judiciais, a critério do responsável pela informação.
Assim, no âmbito federal, os processos administrativos relacionados à verificação técnica e estratégica, quanto à forma e ao modo de intervenção em processos extrajudiciais, nos quais se incluem os processos arbitrais, são de acesso restrito ao público, facultada a remoção da restrição de acesso após ultimado o ciclo aprobatório das manifestações jurídicas ou técnicas, ou após o encerramento do processo arbitral, a critério do responsável pela informação.
Portanto, em apertada síntese, a publicidade do processo arbitral, a cargo da instituição arbitral e eventualmente ampliada pelo Estado parte na arbitragem, não se confunde com a publicidade administrativa dos atos dos dossiês internos da Advocacia Pública relacionados à sua atuação na defesa do ente público. As correspondências eletrônicas, análises jurídicas, solicitação de provas a órgãos técnicos do governo e debates internos, muitas vezes informais, sobre a estratégia processual a ser adotada são protegidos pela garantia do sigilo profissional previsto na lei 8.906/1994.
_______
1 AGU. Parecer 00015/2020/CONJUR-CGU/CGU/AGU. Assuntos: Direito administrativo e outras matérias de Direito público. Brasília: AGU, 2019. Disponível aqui.
2 AGU. Portaria AGU 529, de 23 de agosto de 2016. Regulamenta, no âmbito da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral Federal, o procedimento de acesso à informação e estabelece diretrizes relativas ao sigilo profissional decorrente do exercício da advocacia pública e à gestão da informação de natureza restrita e classificada. Brasília: AGU, 2016. Disponível aqui.