O dever de revelação por árbitros que compõem tribunal arbitral em outra arbitragem: Brevíssimos apontamentos sobre o art. 3.2.13 das diretrizes da International Bar Association sobre Conflitos de Interesses na Arbitragem Internacional, versão 2024
terça-feira, 30 de setembro de 2025
Atualizado em 29 de setembro de 2025 09:40
I - A inserção do art. 3.2.13 nas IBA Guidelines
Em 25 de maio de 2024, a IBA - International Bar Association1, organização fundada em 1947, voltada aos profissionais do direito internacional, divulgou a segunda revisão às IBA Guidelines - Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration, originalmente publicada em 2004, com primeira revisão em 2014.
Para a segunda revisão das IBA Guidelines, criou-se força-tarefa encarregada de pesquisar junto aos profissionais da arbitragem em que medida a primeira revisão das IBA Guidelines de 2014 mantinha-se útil e eficaz, bem como em quais áreas seria necessário aprimoramento. Antes da publicação das IBA Guidelines de 2024, o texto proposto foi submetido à consulta pública, com participação de instituições de arbitragem em todo o mundo, chegando-se à versão final do documento2.
Manteve-se o inovador sistema inspirado na sinalização semafórica, de 2004, que inaugurou as denominadas Application Lists ("Lista Vermelha", "Lista Laranja" e "Lista Verde"), com o objetivo de ilustrar suas normas gerais, auxiliar os árbitros a divulgarem informações relevantes e as partes a avaliar se as informações divulgadas criam dúvidas quanto à independência e imparcialidade do árbitro3.
Para situações constantes da Lista Vermelha4, entende-se existir obrigatoriedade de revelação e ensejar conflito de interesses, que pode, ou não, ser renunciado pelas partes em disputa, a depender do impacto causado à imparcialidade e à independência do julgador. As relações da Lista Laranja podem, a depender das circunstâncias do caso concreto, suscitar dúvidas aos olhos das partes, pelo que devem ser objeto de divulgação pelo potencial árbitro. Por fim, as hipóteses da Lista Verde são amplamente difundidas como não sendo capazes de gerar conflito de interesse nem aparência de conflito5.
Em meio à revisão, foi inserido dispositivo inédito à Lista Laranja das IBA Guidelines. Trata-se do art. 3.2.13, que estabelece o dever de revelação do árbitro se ele e o(s) seu(s) coárbitros atuarem como árbitros em outra arbitragem. Lê-se, assim, no original: "3.2.13 An arbitrator and their fellow arbitrator(s) currently serve together as arbitrators in another arbitration"6.
II - Breves considerações a respeito do art. 3.2.13 das IBA Guidelines
Nos comentários ao texto revisado das IBA Guidelines de 2024, destacou-se que a inovação não constava na versão original da minuta divulgada para consulta pública, mas teria sido posteriormente incorporada em resposta aos comentários remetidos ao texto proposto. Segundo lá consta, em diversas jurisdições a falta de revelação a respeito da circunstância abarcada pelo art. 3.2.13 estaria sendo utilizada como fundamento para o ajuizamento de ações anulatórias. A consulta pública teria revelado preocupações somente quanto às atuações contemporâneas dos árbitros - e não passadas, que podem exigir revelação em circunstâncias particulares7.
Especificamente quanto ao art. 3.2.13, conquanto o tema ainda seja embrionário e ainda passível de muitos estudos, questiona-se a existência de fundamento jurídico e/ou fático razoável para se exigir dos julgadores que revelem estarem atuando, na qualidade de árbitros, em outro procedimento em curso. É que, sob um prisma objetivo, a relação abarcada pelo regramento não teria o condão de incutir nas partes, ou em um terceiro, dúvida razoável quanto à independência e imparcialidade dos árbitros.
Carlos Eduardo Stefen Elias faz crítica pertinente à inovação do art. 2.3.13 ao destacar que o dever de revelação pelo simples fato de que o árbitro compõe outro painel arbitral com um ou mais de seus pares foge da missão das IBA Guidelines porque não objetiva evitar ou mitigar conflito de interesses, dúvidas razoáveis aos olhos das partes quanto à imparcialidade do árbitro, muito menos diminuir a assimetria informacional entre as partes e o árbitro/painel arbitral8.
O entendimento é amparado e exemplificado por, pelo menos, dois julgados que trataram do tema.
No primeiro, Transit Casualty Company et al. v. Trenwick Reinsurance Company Ltd., a parte autora ajuizou ação anulatória de sentença arbitral alegando, dentre outras questões, que dois dos árbitros do painel arbitral não cumpriram suas obrigações de revelação perante as regras da AAA - American Arbitration Association9.
Segundo narrou a autora, a parte ré indicou Thomas D. Crittenden que, em conjunto com o árbitro por ela nomeado, indicaram Arthur E. Fanning como presidente do tribunal arbitral. Contudo, Thomas D. Crittenden e Arthur E. Fanning teriam falhado em revelar que, após o início do procedimento arbitral, passaram a compor outro painel arbitral, mas, dessa vez, Arthur E. Fanning foi quem indicou Thomas D. Crittenden para presidir o tribunal arbitral, gerando dúvidas na parte autora quanto à imparcialidade dos árbitros e uma possível "troca de influências"10.
A decisão, que afastou a pretensão anulatória, ressaltou que as alegações de Transit Casualty Company não passavam de inferência, não comprovada, de troca de influências entre os árbitros. Segundo a Corte do Distrito Sul de Nova York, a situação narrada não passaria de um pretexto tardio da parte perdedora, inconformada com o resultado da arbitragem, visando a reverter o desfecho da disputa11.
No segundo caso, Grupo Unidos por el Canal S.A. et al. v. Autoridad del Canal de Panama, discutiu-se a validade de uma sentença arbitral em razão de um dos árbitros que compunha o painel arbitral ter nomeado seu colega coárbitro para atuar como presidente em outra arbitragem, uma posição que poderia render honorários relevantes e teria o condão de influenciar o profissional nomeado em outro procedimento a adotar uma mesma posição que seu colega como forma de retribuição12.
Para a Corte do Distrito Sul da Flórida, a tentativa de anular a sentença arbitral pelo fato de que os árbitros atuaram juntos em outro caso significaria reconhecer que a simples indicação de profissionais exporia indícios razoáveis de parcialidade, o que não seria adequado supor nem encontra amparo em outros casos julgados pela Corte13.
Ambos os exemplos colacionados acima evidenciam que não há razão para supor que a participação de árbitro em outro painel, no qual também atua um ou mais de seus pares, seja, por si só, capaz de gerar dúvidas aos olhos das partes quanto à sua imparcialidade, muito menos ser a ausência de revelação motivo de sua remoção do encargo ou, no limite, para anulação da sentença arbitral14.
A arbitragem é um ambiente extremamente seletivo e especializado, sendo comum que os mesmos profissionais sejam indicados repetidamente para diferentes procedimentos em razão de sua reconhecida expertise. Não é incomum que as partes e instituições encarregadas da nomeação voltem os olhos a profissionais com profundo conhecimento jurídico na matéria objeto do conflito, usualmente professores universitários, autores de livros e reconhecidos especialistas do ramo.
III - Notas conclusivas
Ao inserir o dispositivo 3.2.13 na Lista Laranja sob o pretexto da transparência, corre-se o risco de criar sem razão uma nova causa para impugnação da imparcialidade do árbitro mediante abuso da Lista Laranja, incentivando o comportamento da parte perdedora que busca meios alternativos para reverter uma decisão desfavorável.
Se o intuito do art. 3.2.13 é aumentar a transparência das relações entre árbitros, uma forma de alcançar esse objetivo seria, em primeiro lugar, estabelecer número de atuações conjuntas em dado período que justificariam eventual revelação e, em segundo lugar, transferir o art. para a Lista Verde.
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1 INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. About the IBA. Disponível aqui. Acesso em: 21 ago. 2025.
2 INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration. Londres: International Bar Association, mai. 2024, p. 2. Disponível aqui. Acesso em: 21 ago. 2025
3 INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration. Londres: International Bar Association, mai. 2024, p. 4. Disponível aqui. Acesso em: 21 ago. 2025.
4 A Lista Vermelha divide-se entre situações conflituosas renunciáveis (Waivable Red List) ou irrenunciáveis (Non-Waivable Red List). Na primeira hipótese, ainda que o conflito exista e conste da Lista Vermelha, desde que as partes, os demais árbitros e a câmara arbitral tenham conhecimento do conflito, as partes podem concordar com a manutenção do árbitro no encargo, desde que o façam de maneira expressa. Na segunda hipótese, em razão da seriedade do conflito, há uma superação do princípio da autonomia privada em detrimento do princípio de que ninguém pode ser juiz de si próprio, pelo que a manifestação de vontade das partes pela manutenção do árbitro ao encargo será tida como inválida, devendo o árbitro em conflito renunciar ao seu encargo imediatamente (INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration. Londres: International Bar Association, mai. 2024, p. 9-14. Disponível aqui.). Acesso em 21 ago. 2025.
5 INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration. Londres: International Bar Association, mai. 2024, p. 4. Disponível aqui. Acesso em: 21 ago. 2025.
6 As IBA Guidelines de 2024 foram traduzidas para português (PT), cujo artigo 3.2.13 dispõe: "3.2.12. O árbitro e um mandatário de uma das partes intervêm, presentemente, como árbitros noutra arbitragem."
7 INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. Commentary on the revised text of the 2024 IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration. [S.d.]. Disponível aqui. Acesso em 21 ago. 2025.
8 "Embora a medida seja louvável no que diz respeito à transparência, ela nada tem a ver com conflito de interesses - o mote das Guidelines -, ou com assimetria informacional entre as partes ou com qualquer outra circunstância que possa ensejar, mesmo aos olhos das partes, dúvidas quanto à imparcialidade do árbitro" (ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. A versão 2024 das IBA guidelines on conflicts of interest in international arbitration: alguns comentários. Porto Alegre. Revista Brasileira de Arbitragem, v. 21, n. 84, p. 129-130, out.-dez. 2024).
9 Transit Cas. Co. v. Trenwick Reins. Co., 659 F.Supp. 1346, 1351-52 (S.D.N.Y. 1987).
10 Transit Cas. Co. v. Trenwick Reins. Co., 659 F.Supp. 1346, 1351-52 (S.D.N.Y. 1987).
11 "Transit relies principally on its intimation that Fanning, the party-arbitrator in that dispute, and Crittenden traded influence in the respective cases to sustain its contention that the majority was biased against it. The association alleged here, however, is precisely the sort that the Second Circuit has observed may not serve as a basis for a finding of bias lest disgruntled parties gain a pretext for tardy challenges to an award" (Transit Cas. Co. v. Trenwick Reins. Co., 659 F.Supp. 1346, 1351-52 [S.D.N.Y. 1987]).
12 Grupo unidos por el Canal S.A. et al. v. Autoridad del Canal de Panama, No. 21-14408 (C. A. 11th. 2023).
13 "But to the extent that Grupo Unidos seeks to have the entire arbitral awards vacated under this standard simply because the arbitrators worked with each other and with related parties elsewhere, Grupo Unidos finds itself on much shakier footing. To rule for Grupo Unidos, we would need to hold, in essence, that mere indications of professional familiarity are reasonably indicative of possible bias" (Grupo Unidos por el Canal S.A. et al. v. Autoridad del Canal de Panama, No. 21-14408 [C. A. 11th. 2023]).
14 Em Ayat Nizar Raja Sumrain et al. V. State of Kuwait, os requerentes pleitearam a desqualificação do presidente do tribunal arbitral nomeado pelos coárbitros, assim como do coárbitro indicado pela parte requerida, dentre outras razões, pelo fato de que eles atuaram juntos em outras três arbitragens administradas pelo ICSID. Ainda segundo os requerentes, houve falha no dever de revelar esses fatos pelo coárbitro indicado pela contraparte, gerando dúvida justificável na mente de um terceiro informado em relação à sua imparcialidade, o que seria suficiente para satisfazer sua desqualificação com base no artigo 14(1) da Convenção da ICSID, que estabelece a necessidade do árbitro demonstrar ser pessoa confiável para exercer um julgamento independente e imparcial. Em sua decisão, o Presidente do Conselho Administrativo do ICSID arrazoou que o simples fato do presidente do tribunal arbitral e coárbitro terem atuado em outros painéis arbitrais não indica que houve falta de independência ou imparcialidade, inclusive, porque os árbitros chegaram a conclusões diferentes quando atuaram juntos em outros casos (Ayat Nizar Raja Sumrain, Eshraka Nizar Raja Sumrain, Alaa Nizar Raja Sumrain And Mohamed Nizar Raja Sumrain v. State of Kuwait, ICSID Case No. ARB 19/20, 02.01.2020. Disponível aqui. Acesso em 21 ago. 2025).

