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O que a advocacia pode aprender com os Beatles sobre governança - Parte 1

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Atualizado em 26 de agosto de 2025 12:27

And in the end,

the love you take

is equal to the love

you make.1

Os Beatles, a maior banda de todos os tempos, não tinham um líder único. Tinham múltiplas vozes, talentos e ideias que se alternavam, se chocavam e, por muitos anos, se completavam. John Lennon e Paul McCartney travaram uma disputa competitiva e altamente profícua trazendo uma liderança mais explícita, George Harrison e Ringo Starr lideravam à sua maneira, de forma mais silenciosa ou mais brincalhona.

Juntos, os quatro formavam um ecossistema criativo onde ninguém era maior que a banda e, justamente por isso, foram capazes de transformar a música para sempre.

O auge veio quando souberam liderar juntos, cada um com sua identidade, respeitando a função do outro. E o fim veio quando essa liderança compartilhada se rompeu: excesso de ego, desalinhamento de visão, falhas de comunicação. O talento permaneceu. A banda, não.

Nos escritórios de advocacia, o enredo se repete. Sociedades repletas de talento técnico, mas pobres em coesão estratégica. Sócios que se sobrepõem, outros que se omitem, lideranças que confundem senioridade com autoridade.

Liderar sem hierarquia não é ausência de liderança. É maturidade para entender que o coletivo, quando bem alinhado, é mais poderoso do que qualquer brilho individual.

Até a chegada dos Beatles, as bandas seguiam um modelo claro e vertical: um líder à frente, o frontman, e os músicos no fundo, dando suporte. A estrela decidia o repertório, conduzia a apresentação e concentrava a atenção. A banda, embora tecnicamente relevante, era invisível como estrutura decisória.

Essa lógica de liderança se espelhava em outros contextos: uma figura carismática, centralizadora, responsável por guiar o grupo e receber os aplausos, enquanto os demais sustentavam a performance em silêncio.

Mas os Beatles romperam esse padrão. John, Paul, George e Ringo alternavam os vocais, disputavam espaço criativo, assinavam composições em duplas, trios ou sozinhos. Não havia um "dono" do palco, havia um sistema complexo de lideranças compartilhadas que coexistiam em equilíbrio, inclusive na partilha dos lucros. A banda virou coletivo. E o coletivo virou potência.

Nos escritórios de advocacia, o paralelo é evidente. Durante anos, o sócio fundador pode ter sido o "vocalista principal". O que decidia tudo, liderava sozinho, centralizava contatos, contratos e controles. Os demais sócios orbitavam, muitas vezes sem voz estratégica. Esse modelo, embora possa parecer eficiente no início, com o tempo engessa o crescimento e bloqueia a inovação.

Hoje, o que se espera é outra coisa: um time onde diferentes líderes compartilham decisões, dividem protagonismo, sustentam juntos a cultura e criam um ambiente onde o talento pode circular sem depender da presença constante de uma única figura de autoridade.

Liderar sem hierarquia não é abdicar da liderança. Também não é transformar a sociedade em uma democracia ingovernável, onde todos opinam sobre tudo e nada avança.

O que esse modelo propõe é maturidade organizacional: uma estrutura que valoriza a escuta sem perder a direção. Que distribui poder sem dissolver responsabilidade. Que reconhece talentos sem se apegar à antiguidade.

Em escritórios que adotam esse tipo de liderança, temos:

  • Distribuição clara de papéis e responsabilidades: cada sócio conhece seu campo de atuação, suas entregas, e os indicadores pelos quais será avaliado. Ambiguidade vira exceção, não regra.
  • Decisões construídas com escuta qualificada, mas com critério e autoridade final definida: ouvir não é submeter-se a consenso. É ampliar o repertório antes de decidir com lucidez.
  • Autoridade legitimada por competência, consistência e visão, não por tempo de casa ou capital social: respeito é conquistado no cotidiano, não imposto pelo organograma.
  • Colaboração institucionalizada: reuniões com pauta, comitês temáticos, espaços formais para debate estratégico. Porque confiar no "espírito de equipe" sem estrutura é romantismo operacional.

Esse modelo exige mais dos sócios. Mais preparo emocional. Mais clareza de papel. Mais maturidade empresarial. Mais disposição para renunciar ao controle em nome da construção coletiva.

Por isso tantos resistem, mas também por isso tão poucos sustentam crescimento com cultura forte.

Liderança sem hierarquia não é mais fácil.

É apenas mais inteligente.

É como se o hino dos sócios fosse "With a Little Help from my Friends"2.

Mas essa é apenas parte do que é possível aprender com eles. Na parte 2 deste artigo, vamos entender quando a liderança compartilhada brilha e quando ela implode. E, mais do que isso, o que a sua advocacia pode fazer para não repetir o fim da maior banda da história.

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1 Tradução livre: E no final, o amor que você recebe é igual ao amor que você dá. [The End - The Beatles].

2 Disponível aqui.