COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Ordem na Banca

Melhores práticas na gestão de escritórios de advocacia: Estratégia, sociedade, liderança, pessoas, produção jurídica e finanças.

Lara Selem
quarta-feira, 18 de junho de 2025

Sua advocacia precisa de gestão

"Meu pai me disse uma vez: Michael, nunca diga a ninguém fora da família o que você está pensando."Don Vito Corleone, em O Poderoso Chefão  Michael Corleone não era apenas o filho de um poderoso mafioso. Ele era o herdeiro de um império - um sistema operado com base em lealdade, segredo e comando centralizado. A família Corleone tinha sua própria lógica de funcionamento, seus códigos internos, seus ritos. E, acima de tudo, uma gestão concentrada em um núcleo duro, onde a palavra do chefe era lei. Isso te soa familiar?  Pois é. O retrato de muitos escritórios de advocacia no Brasil ainda se parece muito mais com a Família Corleone do que com uma advocacia profissional. Decisões tomadas em cafés informais, papéis sobrepostos, informações guardadas a sete chaves, e um organograma que só existe na cabeça do sócio fundador. O que falta é o que sobra nas grandes empresas: gestão.  A toga é o símbolo da nossa dignidade profissional. Mas ela não pode vestir também a maneira como gerimos negócios. Está na hora de tirar a toga da gestão.  A lógica do clã  Durante anos, escritórios de advocacia cresceram na base do esforço pessoal e da reputação individual de seus fundadores. Numa época em que a concorrência era menor, o volume de demandas mais previsível e o marketing jurídico ainda inexistente, bastava ser bom tecnicamente para manter uma estrutura em pé.  Nesse modelo, os sócios fundadores acumulavam funções: advogavam, decidiam, contratavam, treinavam, cuidavam das finanças, escolhiam a cor da cadeira da recepção e ainda escreviam o cartão de Natal do escritório. Tudo girava em torno deles - e apenas deles.  Quem estava ao redor aprendia por osmose. E, claro, por lealdade. O modelo funcionava - até certo ponto. Mas era frágil, concentrado, insustentável. Com a modernização do mercado jurídico, esse tipo de estrutura mostra suas rachaduras.  E é aqui que mora o primeiro problema: muitos líderes ainda confundem estrutura com tradição. Preservar o que funciona não significa manter o que atrasa. O afeto pela história do escritório não pode ser um álibi para manter uma gestão artesanal e imprecisa.  O que é, afinal, gestão?  Gestão é a capacidade de organizar recursos (pessoas, tempo, dinheiro, conhecimento) para gerar resultados consistentes. Isso exige clareza de metas, papéis bem definidos, processos estruturados e indicadores objetivos.  Nos escritórios que operam como "família", decisões são tomadas com base em sentimentos: "acho que fulano merece", "vamos manter isso porque sempre fizemos assim", "não vamos falar disso agora porque pode gerar conflito".  Já nas empresas, decisões são tomadas com base em dados e estratégia: "o custo-benefício desse serviço está desajustado", "o processo de onboarding precisa melhorar", "nosso funil de captação está falhando na conversão".  A diferença entre os dois mundos não está no afeto - está na maturidade. Em empresas, inclusive as bem-sucedidas, há espaço para afeto. Mas ele não é o critério principal.  A mágica da profissionalização: casos que inspiram  Recentemente, acompanhei a trajetória de um escritório médio que decidiu profissionalizar a gestão. O primeiro passo foi simples: mapear os serviços oferecidos e entender quais eram realmente lucrativos.  Para isso, precisaram implantar um sistema básico de indicadores. Descobriram, por exemplo, que uma área adorada pelos sócios - e de altíssimo prestígio no meio jurídico - era a que mais consumia horas e gerava o menor retorno financeiro. Em outras palavras: prestavam um serviço nobre, mas que comprometia a saúde do negócio.  A decisão foi difícil. Reduziram a atuação naquela área e redirecionaram os melhores talentos para setores mais estratégicos. Com isso, conseguiram aumentar o lucro sem contratar ninguém - apenas reorganizando o time e os fluxos.  Essa é a mágica da gestão: ela não precisa ser imediatista nem radical. Mas precisa ser racional.  O medo de "virar empresa"  Muitos advogados têm receio de que, ao adotar ferramentas de gestão, estejam "vendendo a alma do negócio". "Nosso trabalho é humano", dizem. "Não dá pra medir tudo", defendem. E têm razão: nem tudo é mensurável. Mas muita coisa é.  Não se trata de transformar o escritório numa startup de tecnologia com pufes coloridos e dashboards a cada canto. Trata-se de criar uma estrutura previsível, eficiente e escalável - onde as pessoas saibam o que precisam entregar, a quem recorrer, como medir progresso, como se desenvolver.  E, sim, onde os sócios possam parar de apagar incêndios para pensar o negócio com mais profundidade.  Comece com o essencial Você não precisa implantar um ERP robusto ou contratar um CEO externo amanhã. Gestão começa com perguntas incômodas:  Por que fazemos o que fazemos do jeito que fazemos? Quem decide o quê no nosso escritório? Como sabemos se estamos indo bem? O que acontece quando alguém erra? Nossos lucros vêm de onde? Quem é responsável por desenvolver as pessoas da equipe?  As respostas dessas perguntas criam o embrião de um plano de ação. Depois, sim, vêm os indicadores, os fluxos, a revisão de papéis, o desenho de metas, o uso de tecnologia.  Mas tudo começa com uma decisão: deixar de gerenciar pelo instinto e começar a liderar pelo propósito.  O preço de não mudar  Os escritórios que resistem à profissionalização geralmente enfrentam sintomas silenciosos: sócios sobrecarregados, advogados talentosos que vão embora, crescimento estagnado, conflitos mal resolvidos e decisões arrastadas.  É como um carro potente com o freio de mão puxado. Ele anda, mas gasta mais, força o motor e desgasta os pneus antes do tempo.  Pior: corre o risco de perder o timing do mercado. Outros escritórios mais leves, mais ágeis, mais estruturados começam a capturar os clientes e os talentos que antes estavam ali.  E tudo isso sem necessariamente serem melhores tecnicamente. São apenas melhores como empresas.  A diferença entre dono e gestor  Todo sócio é dono - mas nem todo dono é gestor.  O gestor é aquele que entende o todo, distribui responsabilidades, acompanha resultados, corrige desvios e fomenta desenvolvimento. Ele não tem todas as respostas, mas sabe fazer as perguntas certas. E, principalmente, sabe delegar.  Na lógica do clã, o dono centraliza. Na lógica empresarial, o gestor potencializa.  Na lógica do clã, confiança é pessoal. Na lógica empresarial, confiança é construída com base em processos, métricas e clareza de papéis.  Florença ou Palermo?  Voltando à metáfora que abre este artigo: a gestão à la Corleone pode ser sedutora. Existe glamour na figura do líder central (com um gatinho no colo), que resolve tudo, conhece todos e mantém as rédeas firmes. Mas essa centralidade cobra um preço: o da limitação.  Se você quiser fazer do seu escritório uma obra de longo prazo - algo como as catedrais de Florença - precisa pensar como arquiteto, não como capataz.  A pergunta que fica é: você quer construir uma dinastia ou manter a dependência?  Conclusão - A provocação final  Tirar a toga da gestão não é perder a alma da advocacia. É salvá-la.  É garantir que ela continue existindo amanhã - com mais impacto, mais eficiência e mais equilíbrio. Porque escritório bom não é o que depende do brilho de um sócio. É o que continua brilhando mesmo quando ele sai de cena.  Fecho esse artigo cantarolando as primeiras notas da música-tema do filme: sol-dó-mi-ré-dó-mi-dó-ré-dó-lá-si-sol. Tenho certeza que você sabe do que eu estou falando.