Domando gatos: A arte e o desafio de liderar advogados
quarta-feira, 10 de setembro de 2025
Atualizado em 9 de setembro de 2025 14:29
Eu aprendi com meu professor da Harvard, Jay Lorsch, um ditado curioso: "liderar advogados é como domar gatos".
A imagem é irresistível e quem já tentou conduzir um grupo de advogados em um mesmo projeto sabe exatamente o que isso significa.
Gatos são independentes. Não vêm quando você chama, a não ser que queiram. Não gostam de imposição. Escolhem onde dormir, quando caçar, como brincar. Não pedem permissão para explorar novos territórios.
Isso soa familiar? Pois é.
Na advocacia, a independência é cultivada desde a formação (temos inclusive um artigo na nossa Constituição Federal garantindo isso). O advogado é treinado para questionar, analisar, argumentar, desconfiar. Sua ferramenta de trabalho é o raciocínio próprio, não a obediência cega. E isso, que é uma das grandes forças da profissão, também é um dos maiores desafios para quem precisa liderar um grupo de advogados dentro de um mesmo escritório.
E por que advogados são como gatos? Algumas razões.
Primeiro, pela independência intelectual. Advogados não seguem ordens apenas porque "sempre foi assim". Querem entender a razão, avaliar a lógica, medir as consequências. Sem convencimento, não há engajamento.
Depois tem o territorialismo profissional. Cada advogado tende a proteger seu território: clientes, casos, métodos de trabalho. Qualquer tentativa de interferência pode ser vista como invasão.
Conte também com instinto crítico. Advogados são naturalmente treinados para encontrar falhas. É o que os torna bons litigantes, negociadores e estrategistas - mas também pode tornar reuniões intermináveis se não houver método.
Por fim, baixa tolerância a microgestão. Assim como gatos se afastam quando tentamos controlá-los demais, advogados se fecham diante de supervisão excessiva. Sentem-se sufocados e reagem com resistência velada.
Agora, se a ideia é ter uma equipe jurídica e se todos trabalham de forma isolada, o escritório corre risco de se fragmentar:
- A visão estratégica não é compartilhada;
- As decisões se tornam pontuais, reativas;
- O cliente percebe falta de alinhamento entre os advogados;
- A cultura se dilui em práticas individuais, não institucionais.
O pior cenário é o da "liderança simbólica": um sócio nominalmente responsável, mas sem influência real sobre as decisões e prioridades dos demais. Nesse modelo, o "líder" não lidera, ele apenas observa.
Literalmente, o pulo do gato tem mais a ver com conduzir do que com controlar.
Advogados respeitam líderes que sabem para onde estão indo, que dominam seu ofício e que, ao mesmo tempo, dão espaço para que cada profissional exerça sua autonomia com responsabilidade.
A liderança felina eficaz nesse contexto se sustenta em alguns pilares:
Clareza de visão. Nenhum gato segue um assobio, mas eles seguem um caminho se perceberem segurança, comida e abrigo. Advogados se engajam quando entendem o destino e confiam que o líder sabe a rota.
Convite, não imposição. Em vez de ordens verticais, convide à construção conjunta. A participação genuína na decisão aumenta o comprometimento com a execução.
Estrutura mínima, liberdade máxima. Regras demais sufocam, ausência de regras cria caos. O equilíbrio é ter processos claros para o que precisa ser padronizado (prazo, controle de qualidade, comunicação com cliente) e liberdade para que cada advogado desenvolva sua forma de trabalhar dentro desse quadro.
Reconhecimento com critério. Elogios vazios não funcionam. Reconheça o mérito real e mostre como isso contribuiu para o resultado do escritório. É sobre valorizar a entrega, não alimentar vaidades.
É aí que precisa entrar em cena a "coleira invisível" da governança.
Ocorre que gatos não usam coleiras. Mas, no mundo dos escritórios, a governança cumpre esse papel: ela alinha comportamento e decisões sem necessidade de comando constante.
Comitês, reuniões de pauta definida, políticas claras e critérios objetivos funcionam como essa "coleira invisível" que mantém todos no mesmo rumo. Assim, mesmo advogados muito independentes sabem o que se espera deles, quais são os limites e como suas ações impactam o coletivo.
O segredo para "domar os gatos" está no equilíbrio: permitir que cada um tenha seu estilo, mas dentro de uma estrutura comum que garanta consistência e resultados.
Quando advogados trabalham juntos por escolha, e não por obrigação, o engajamento é mais profundo. Eles se sentem parte de algo maior, e não apenas peças de um maquinário jurídico.
Isso exige três tipos de catnips1:
- Cultura de responsabilidade compartilhada;
- Escuta estruturada, para que críticas e ideias circulem antes que virem crises;
- Clareza de indicadores, para que todos saibam como o desempenho é medido.
Já percebemos que liderar advogados não é transformá-los em cães obedientes. Afinal, são felinos e não caninos. É orquestrar os talentos independentes para que os miados aconteçam no mesmo tom.
Quando a liderança respeita a autonomia, mas oferece direção clara e mecanismos de alinhamento, o escritório deixa de ser um conjunto de profissionais isolados e se transforma em um time coeso, capaz de entregar mais, com mais qualidade e menos fricção.
No fim, a grande lição é esta: bons líderes de advogados não tentam domar gatos, mas sim aprendem a guiá-los na mesma direção, sem que eles percam a elegância de andar sozinhos.
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1 Catnip, cientificamente denominada Nepeta cataria, também conhecida como erva do gato, é uma planta in natura que possui a capacidade de modificar o comportamento de gatos domésticos e, inclusive, de felinos selvagens como leões, tigres, leopardos e jaguatiricas.