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Trump e a democracia em suspensão

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Atualizado às 07:07

A ameaça que um governo Trump representa não está apenas em suas políticas específicas, mas em sua capacidade de redefinir os limites da soberania.

A ameaça representada por um novo governo Trump não reside apenas em suas políticas específicas, mas principalmente em sua capacidade de redefinir os limites da soberania e transformar crises em instrumentos de poder. Donald Trump é um fenômeno político singular do século XXI. Embora retorne ao poder em um segundo mandato não consecutivo, não se espera uma simples repetição de suas políticas anteriores. Sua administração passada foi apenas um "ensaio" das estratégias que agora parecem mais claras e direcionadas.

As últimas eleições demonstraram que a sociedade americana está aberta a uma nova fase de populismo trumpista, marcada pela desigualdade econômica e pela insatisfação com a globalização. Trump obteve vitórias significativas em 68% dos condados mais pobres dos Estados Unidos, indicando que o descontentamento socioeconômico continua sendo um motor para sua ascensão. Tal cenário remete a processos históricos em que líderes populistas, como os regimes fascista e nazista, utilizaram o descontentamento popular, a promessa de estabilidade e o combate ao "inimigo comum" para consolidar poder.

Carl Schmitt, em sua obra "Teologia Política" (1922), afirmou que "soberano é aquele que decide sobre o estado de exceção". Essa ideia encontra ressonância na abordagem de Trump, que frequentemente flerta com a suspensão de normas democráticas e a centralização do poder. Para Schmitt, a soberania se manifesta na capacidade de tomar decisões excepcionais em momentos de crise, uma dinâmica que pode justificar ações autoritárias sob o pretexto de proteger a ordem.

No entanto, essa perspectiva também alerta para os perigos de governos que operam à margem da normalidade constitucional, utilizando crises reais ou fabricadas para consolidar poder. Durante sua primeira administração, Trump testou os limites das instituições democráticas, desafiando normas estabelecidas e enfraquecendo a confiança pública em pilares essenciais, como a imprensa livre e o sistema eleitoral. Agora, em um segundo mandato, espera-se que essas táticas sejam intensificadas, especialmente diante da polarização crescente e do apoio fiel de sua base.

Os democratas, por sua vez, contribuíram para o fortalecimento de Trump ao perderem o apoio de eleitores brancos da classe trabalhadora e ao enfatizarem pautas identitárias que alienaram setores conservadores e moderados. Essa desconexão foi particularmente evidente em estados do Meio-Oeste, onde a retórica populista de Trump encontrou terreno fértil. A ênfase democrata em questões culturais e sociais, embora importante, negligenciou preocupações econômicas e culturais de muitas comunidades, permitindo que Trump se apresentasse como o defensor dos "esquecidos".

Outro fator crucial foi a erosão do suporte democrata entre minorias. Trump conseguiu aumentar seu apelo entre eleitores latinos e negros em regiões estratégicas, enfraquecendo ainda mais a base progressista. Esse fenômeno reflete não apenas as falhas democratas em comunicar suas propostas, mas também o impacto das redes sociais e da desinformação, que amplificaram mensagens simplistas e emocionalmente carregadas.

Os riscos associados a um novo governo Trump incluem desmonte institucional, radicalização política, erosão de direitos humanos e aumento do isolacionismo internacional. Suas políticas, embora possam prometer ganhos econômicos de curto prazo, como investimentos em infraestrutura e subsídios, têm o potencial de intensificar desigualdades, fomentar divisões sociais e prejudicar alianças diplomáticas cruciais. Ademais, a emergência climática pode ser agravada por desregulamentações ambientais e pela exploração desenfreada de recursos naturais.

Historicamente, governos populistas reacionários oferecem uma sensação inicial de estabilidade e resgate de valores nacionais, mas frequentemente resultam em crises institucionais, econômicas e sociais. O "novo" em Trump não é sua retórica ou estilo de liderança, mas sua habilidade em amplificar as tensões existentes e explorar vulnerabilidades democráticas de maneira eficaz. Sua relação com as elites econômicas também destaca um paralelismo preocupante com regimes passados. Durante a ascensão do fascismo e do nazismo, as elites viam esses regimes como instrumentos úteis para proteger seus interesses. Agora, a elite tecnológica e o mercado financeiro demonstram um comportamento semelhante, mesmo que paradoxalmente aliados a segmentos vulneráveis.

A percepção de que "uma coisa são as eleições, outra é o governo" reflete um entendimento superficial do impacto da soberania em regimes populistas. Como Schmitt indicou, a soberania não está apenas na capacidade de governar dentro da lei, mas em suspender as leis em nome de um suposto bem maior. Sob esse prisma, Trump simboliza a tensão constante entre a normalidade institucional e a exceção.

Essa dinâmica também é evidenciada em suas propostas econômicas e sociais. Políticas protecionistas, aumento de tarifas e incentivos para indústrias nacionais podem gerar benefícios temporários, mas com o risco de isolar os Estados Unidos no cenário global. Além disso, a retórica de "América Primeiro" reforça uma visão unilateral que dificulta colaborações internacionais em áreas como mudanças climáticas, direitos humanos e segurança global.

No campo social, um segundo mandato Trump pode significar um retrocesso em direitos conquistados, como a liberdade de imprensa e os direitos das minorias. Seu discurso polarizador, aliado à capacidade de mobilização em massa, representa um desafio significativo para a coesão social. A intensificação das tensões entre "nós" e "eles" é um elemento comum em regimes populistas e contribui para a fragmentação interna.

Por fim, o legado de Trump dependerá não apenas de suas ações, mas da resiliência das instituições democráticas, da sociedade civil e da oposição política. Sua capacidade de redefinir os limites da democracia americana coloca em questão não apenas a ordem interna, mas também o papel dos Estados Unidos como um modelo de governança para o mundo.

Assim, o principal risco de um novo governo Trump está em sua habilidade de tensionar a democracia até o limite, utilizando as ideias de soberania e exceção descritas por Carl Schmitt como ferramentas de um projeto político que pode comprometer o futuro das instituições democráticas e dos valores universais de liberdade e igualdade.