Trump: O fim da era dos acionistas nos EUA?
quinta-feira, 6 de março de 2025
Atualizado às 07:52
A redução da transparência e da responsabilidade corporativa pode diminuir a confiança dos investidores
As recentes mudanças na governança corporativa nos EUA, sob o presidente Donald Trump têm originado debates significativos sobre o equilíbrio de poder entre investidores e conselhos de administração, bem como sobre as práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) das empresas. Essas alterações contrastam, inclusive, com o modelo brasileiro de governança corporativa, particularmente no que tange aos segmentos de listagem da B3, como o Novo Mercado.
Com Trump, observou-se uma série de iniciativas que impactaram diretamente a governança corporativa das empresas americanas e repercutiu globalmente. Dentre as principais mudanças destaca-se a revisão das políticas de diversidade e inclusão. Empresas influentes eliminaram políticas que exigiam diversidade nas suas governanças. Essa mudança reflete uma tendência mais ampla de redução das iniciativas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) nos EUA, especialmente após ordens executivas visando desmantelar programas DEI tanto no setor público quanto no privado. Fato grave.
A rejeição das políticas de inclusão pela administração Trump tem sido amplamente debatida na academia americana, com diversas universidades analisando os impactos dessa mudança na governança corporativa e no desempenho financeiro das empresas. Pesquisadores demonstram que empresas que adotam políticas de diversidade tendem a apresentar maior inovação e desempenho financeiro mais robusto, pois equipes diversas trazem perspectivas variadas para a resolução de problemas complexos. Algumas instituições reforçam essa perspectiva, argumentando que ambientes corporativos inclusivos contribuem para a retenção de talentos e a redução do turnover, fatores essenciais para a estabilidade e crescimento sustentável das empresas.
Estudos norte-americanos indicam que a governança corporativa moderna deve considerar a diversidade como um fator de mitigação de riscos. Empresas mais diversas são menos propensas a escândalos financeiros e problemas de conformidade regulatória, pois a pluralidade de perspectivas reduz a complacência e fortalece os mecanismos de controle interno. Além disso, há indicações de que a rejeição das políticas de inclusão pode resultar em litígios e desafios jurídicos para as empresas, pois acionistas e grupos de defesa dos direitos civis têm utilizado a via judicial para contestar decisões empresariais que excluem a diversidade.
Outra mudança relevante refere-se às alterações nas regras da Securities and Exchange Commission (SEC). Sob a nova liderança, a SEC implementou políticas que transferiram poder dos investidores para os conselhos corporativos. Vale notar que os diretores executivos normalmente controlam os conselhos de administração nos EUA Assim, essas mudanças facilitaram que os conselhos bloqueassem resoluções de acionistas e impuseram requisitos mais rigorosos para fundos passivos, limitando a capacidade de comunicação dos investidores. Tais alterações dificultam iniciativas relacionadas a políticas climáticas e diversidade na força de trabalho, reduzindo a influência das considerações ESG nas decisões corporativas.
Além disso, as políticas comerciais da administração Trump, incluindo a imposição de tarifas significativas, contribuíram para a volatilidade do mercado e incerteza entre investidores e executivos. Essa instabilidade resultou em uma desaceleração nas atividades de fusões e aquisições (M&A) nos EUA, afetando a confiança dos investidores e o valor das ações de instituições financeiras que atuam com M&A.
As mudanças mencionadas têm implicações profundas para as empresas e seus diversos stakeholders. Isso pode levar a um desalinhamento entre as expectativas dos investidores e as ações das empresas, potencialmente afetando retornos e aumentando riscos reputacionais. No que tange ao mercado de capitais, a redução da transparência e da responsabilidade corporativa pode diminuir a confiança dos investidores no mercado de capitais americano, resultando em menor liquidez e aumento do custo de capital para as empresas. Embora a flexibilização regulatória possa reduzir custos operacionais das empresas a curto prazo, a falta de foco em práticas sustentáveis e inclusivas pode prejudicar a competitividade a longo prazo, especialmente em um mercado global que valoriza cada vez mais as iniciativas ESG. Afora, os efeitos climáticos e sociais ao redor da Terra.
Os princípios da moderna governança corporativa, conforme desenvolvidos em algumas das principais universidades norte-americanas, fornecem uma lente acadêmica para a compreensão dessas mudanças. Pesquisas destacam a importância da centralidade dos acionistas e a necessidade de maior accountability dos conselhos de administração. Há argumentos de que a transferência excessiva de poder para os conselhos pode levar a práticas empresariais desalinhadas com os interesses dos investidores de longo prazo (e.g. fundos de pensão). Da mesma forma, estudos têm abordado a relação entre governança e desempenho corporativo, destacando que práticas mais transparentes e voltadas para ESG resultam em melhor retorno ajustado ao risco.
Pesquisadores também exploram a relação entre a eficiência do mercado e a governança corporativa, sugerindo que uma governança fraca pode gerar ineficiências e distorções na alocação de capital. Algumas análises enfatizam a inovação e a adaptação como fatores-chave na governança moderna, destacando que empresas que incorporam governança dinâmica tendem a se adaptar melhor às mudanças regulatórias e às pressões de mercado.
No Brasil, a governança corporativa evoluiu significativamente nas últimas três décadas, culminando na criação de segmentos de listagem diferenciados na B3, sendo o Novo Mercado o mais destacado. Este segmento estabelece padrões de governança, exigindo que as empresas emitam apenas ações ordinárias com direito a voto, ampliem os direitos dos acionistas e adotem práticas de transparência e prestação de contas. As principais diferenças entre o modelo brasileiro e as recentes mudanças nos EUA incluem a proteção dos direitos dos acionistas, transparência e governança robusta. Enquanto nos EUA há uma tendência de centralizar o poder nos conselhos, no Brasil, especialmente no Novo Mercado, busca-se ampliar os direitos dos acionistas, garantindo maior influência nas decisões corporativas, pelo menos do ponto de vista da regulação. Ademais, as empresas listadas no Novo Mercado são obrigadas a adotar práticas robustas de divulgação de informações, alinhadas às melhores práticas internacionais, reforçando a confiança dos investidores. Temos de agir para que esses padrões não sejam influenciados por Trump.
Por fim, as mudanças na governança corporativa nos EUA sob a administração Trump representam uma inflexão nas práticas estabelecidas, com potenciais impactos negativos para acionistas e o mercado de capitais. Em contraste, o modelo brasileiro, exemplificado pelo Novo Mercado da B3, enfatiza a proteção dos direitos dos acionistas, transparência e práticas de governança robustas, servindo como referência para mercados que buscam equilibrar eficiência corporativa com responsabilidade social e ambiental. Falta apenas tornar a cada dia essa regulamentação uma prática efetiva e democrática.