A esperança em tempos de Páscoa cristã e judaica
terça-feira, 15 de abril de 2025
Atualizado às 07:29
Pensadores que convergem na denúncia do niilismo e na afirmação da transcendência.
Estamos na conjunção da Páscoa cristã e do Pessach judaico, datas que se relacionam não apenas à tradição, mas sobretudo nos seus significados históricos e espirituais mais profundos.
Permiti-me publicar um texto sobre o tema da esperança considerados os tempos difíceis sob os quais vivemos, para além da "Política, do Direito e da Economia", temas de minha coluna. Sigamos, então.
A multiplicidade de crises - ambientais, sociais, políticas, morais e espirituais - compõe um cenário que muitos têm denominado como um "fim de época", ou, como diria o Papa Francisco, uma "mudança de era". Não se trata apenas de problemas isolados, mas de uma transformação profunda das estruturas e, sobretudo, da percepção que o ser humano tem de si mesmo e do mundo. Entre o que está morrendo e o que ainda não nasceu, emerge a questão central que inspira esse texto: ainda é possível falar em esperança? Explorei alguns autores, de forma esparsa, e não necessariamente organizada, para refletir sobre esse tema.
O questionamento exige mais do que uma análise da realidade aparente, mas a escuta atenta aos fundamentos da cultura ocidental que moldaram a ideia de pessoa, de dignidade, de comunidade e de destino histórico. Tanto o cristianismo - em sua expressão teológica, moral e social - quanto o pensamento judaico - em sua tradição ética, sapiencial e profética - oferecem não apenas consolo, mas um sentido. Com suas diferenças e convergências, há respostas robustas à crise da esperança que caracteriza a modernidade tardia (e "líquida", como diz Bauman). Ou, ainda, como afirma Viktor Frankel (1905-1997), médico e filósofo judeu: "A busca do homem não é pelo prazer (como dizia Freud) nem pelo poder (como dizia Adler), mas por um sentido."
Esse vínculo profundo entre as duas tradições manifesta-se de forma emblemática nas celebrações da Páscoa cristã e do Pessach judaico. Ambas são festas da memória e de libertação, nascidas do encontro entre sofrimento vivido e promessa - no contexto atual, muito significativo esse vínculo. No Pessach, o povo judeu celebra a saída do Egito, a travessia do deserto e a fidelidade de Deus que escuta o clamor dos oprimidos. É uma festa de resistência, mas também de confiança: o Deus que libertou é o mesmo que caminha com seu povo na história. Já a Páscoa cristã, celebrando a ressurreição de Cristo, atualiza o triunfo da vida sobre a morte, do amor sobre o pecado e da esperança sobre o desespero. É a festa da nova criação, onde a cruz, instrumento de suplício, converte-se em sinal de vida renascida.
Ambas as festas, embora distintas em conteúdo teológico, compartilham a convicção de que a história não está fechada sobre si mesma. O pão sem fermento e o vinho pascal, o cordeiro e a travessia, o túmulo vazio e o anúncio da ressurreição - todos esses elementos compõem uma linguagem ritual que comunica algo essencial: há um sentido que sobrevive ao sofrimento, e há uma promessa que renasce no meio das ruínas.
Arnold Toynbee (1889-1975), célebre por sua seminal obra A Study of History, legou-nos uma leitura ampla das civilizações que se ergueram e tombaram ao longo dos milênios. Sua tese fundamental é provocativa: as civilizações não sucumbem por causas materiais, mas por esgotamento espiritual. É quando perdem a capacidade de responder criativamente aos desafios históricos - e, sobretudo, quando abandonam seu núcleo espiritual - que entram em colapso. Toynbee intuiu, sob muitas críticas de intelectuais, que as "minorias criativas", muitas vezes de natureza religiosa, são as únicas capazes de renovar uma cultura em decadência. Em seu diagnóstico do Ocidente moderno, ele não hesita em apontar para a falência espiritual como sinal da exaustão de um modelo civilizacional. Há coragem nas suas conclusões, como se pode verificar. Goste-se ou não.
Essa percepção encontra eco profundo no pensamento de Jean Guitton (1901-1999), filósofo francês que buscou articular razão e fé, ciência e espiritualidade, num tempo em que tais domínios pareciam cada vez mais cindidos, sobretudo na Europa. Guitton via no "silêncio de Deus" - e na angústia que esse silêncio provoca - um dos dramas centrais da modernidade. Não se trata, em sua visão, de "ausência ontológica de Deus", mas de uma "surdez cultural" que incapacita o homem moderno de escutar o divino. Para ele, "crer é continuar esperando quando tudo em volta parece desmentir a esperança", escreveu. Uma postura não de ingenuidade, mas de fidelidade mesmo diante do caos.
Mais do que qualquer outro pensador católico do século XX, Jacques Maritain (1882-1973) percebeu que a crise espiritual da modernidade precisava ser respondida com um novo modelo de civilização: nem a utopia totalitária (naqueles tempos, o comunismo), nem os excessos do individualismo liberal, mas uma civilização do amor, fundada na dignidade da pessoa e na responsabilidade social. Seu projeto (utópico, em sentido profundo, e não ideológico) de "democracia centrada na pessoa e na comunidade" não era sistema político propriamente, mas um ethos. A pessoa humana, para Maritain, é mais do que sujeito de direitos: é chamada à transcendência, à comunhão, à justiça. Sem esse fundamento espiritual, todo projeto político resvala na opressão ou no vazio. Daí sua célebre advertência: "Uma sociedade sem metafísica é uma sociedade sem alma".
Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) e C.S. Lewis (1898-1963), abordaram, cada um a seu modo, a crise do sentido com a literatura à mão, o humor e a inteligência crítica. Chesterton, um escritor popular e de proverbial sagacidade, identificou na perda do senso comum cristão a raiz de alguns dos males modernos. Para ele, o cristianismo é a resposta humana e razoável ao mistério da existência. Em Ortodoxia, ele argumenta que a fé cristã é o sistema que valoriza o indivíduo e, diante do mistério do mal, possibilita o milagre. C.S. Lewis, em A Abolição do Homem, a esperança cristã é inseparável da luta pela verdade - e a verdade é inseparável da presença de Deus.
Esses pensadores convergem na denúncia do niilismo e na afirmação da transcendência. Mas é no diálogo com o pensamento judaico que essa denúncia ganha contornos ainda mais especiais. Pois o século XX, o nazismo e seus campos de extermínio, obrigou o povo judeu a pensar o impensável: o mal absoluto, a ausência de Deus em meio à barbárie, a fé ferida pela história. E, no entanto, foi dessa ferida que emergiram alguns dos mais poderosos testemunhos de esperança, como os que se seguem.
Abraham Joshua Heschel (1907-1972), rabino polonês exilado nos Estados Unidos, é uma dessas vozes. Sua espiritualidade está nas entranhas, é profética e concreta. Heschel afirmava que "Deus não está ausente, mas insultado". Para ele, a fé não é um "sistema de crenças", mas uma atenção radical ao sagrado que se esconde no cotidiano. A oração, o shabat, a justiça - tudo isso são formas de tornar Deus presente no mundo. Sua crítica ao secularismo não é uma imposição, mas um chamado existencial: um mundo sem Deus é um mundo sem espanto, sem compaixão, sem memória, pronto a repetir crimes. Nada mais verdadeiro.
Essa dimensão ética também se encontra em Emmanuel Lévinas (1905-1995). Sobrevivente dos horrores do século XX, Lévinas construiu uma filosofia centrada no "rosto humano do outro". O rosto, diz ele, é epifania (manifestação): revela o infinito, convoca à responsabilidade, proíbe matar. Não há justiça sem o outro; não há liberdade sem vínculo - um aviso primevo aos "libertários" das fake news e do anarquismo social. Essa ética da alteridade aproxima-se da teologia cristã da caridade, na qual cada rosto é potencialmente o rosto de Cristo. O encontro com o outro torna-se, assim, espaço de revelação e de juízo.
Martin Buber (1878-1965), em sua obra Eu e Tu, completa essa tríade com uma "antropologia do encontro". O ser humano só se realiza na relação (seria o rosto de Lévinas?), e essa relação só é autêntica quando é livre de dominação. Quando digo "Tu", não estou nomeando um objeto, mas abrindo-me ao mistério (seria o "chamado existencial" de Hecshel?). Deus, para Buber, é o "Eterno Tu". E cada encontro verdadeiro com o próximo é uma antecipação do encontro com o Absoluto. Essa visão humana e transcendental ressoa na tradição cristã do amor como dom e comunhão.
Por fim, o Nobel de Literatura Elie Wiesel (1928-2016), com a rara sobriedade dos que conheceram o abismo, sugere que a esperança, para ser digna, tem de nascer da dor. Sobre o Holocausto, Wiesel recusa "tanto o cinismo quanto o consolo fácil". Ele insiste na fidelidade da memória, na vida e na responsabilidade que nasce do sofrimento. "O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença." Em meio ao abandono de tantos, uma mensagem forte.
Essa última citação de Wiesel resume o espírito deste pequeno ensaio: a esperança não é um "estado de espírito" centrado no ego, mas uma decisão moral, um compromisso espiritual, uma recusa ativa da indiferença em relação aos homens e a Deus.
Feliz Páscoa, Chag Pessach Semeach!