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Educação brasileira: A crônica do subdesenvolvimento premeditado (1500-até hoje)

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Atualizado em 28 de maio de 2025 14:18

Poucas coisas no Brasil são tão antigas quanto a desculpa esfarrapada de que "agora não há verba" para a escola - a contenção orçamentária de agora é história antiga. Muito antiga.

Desde a queda do Império - quando Dom Pedro II já se lamentava de que livros chegavam mais devagar que navios negreiros - o poder público vem aperfeiçoando a arte de driblar a sala de aula. "A educação é o grande equalizador das condições dos homens", bradou o abolicionista e educador norte-americano Horace Mann em 1848; por aqui, a frase soou subversiva demais para ser levada a sério. O resultado é um país que vive de fichário em punho, contando ilusões em vez de cadernos.

Em 1890, 77% da população acima de dez anos não lia sequer os letreiros das boticas. Trinta anos depois, 60% continuavam na mesma penúria literária. John Dewey, pedagogo americano, avisara: "Se ensinarmos hoje como ensinamos ontem, roubamos o amanhã das crianças." O Brasil respondeu com um bocejo coronelista e incentivou as futuras gerações a colecionar títulos. de eleitor "cabrestado". Liceus elegantes brotaram nas capitais para formar oratória em latim; já a plebe rural continuou a soletrar miséria, sem direito a concordância - nem social, nem verbal.

Os efeitos desse descaso foram tão previsíveis quanto um capítulo de folhetim: sem capital humano, importamos máquinas e engenheiros, vendendo a ilusão de industrialização autóctone. Maria Montessori insistia que a primeira tarefa da educação é "agitar a vida". No café paulista, quem agitava era a enxada, não o quadro-negro.

Vargas, em 1930, ergueu o Ministério da Educação e Saúde com promessas de integração nacional - mas, ironia das ironias, celebrou o trabalhador ordeiro sem se preocupar se ele sabia assinar o próprio nome. O analfabetismo beirava 56%. No Brasil varguista, o tempo era o do apito da fábrica e da "palmatória".

Chega a Segunda Guerra, ruge-se sobre reconstrução e modernidade. Em 1950, apenas 36% das crianças iam à escola, caindo a 18% no campo - estatísticas que fariam blush até em barão do café. Anísio Teixeira falava em escola integral; Gabriela Mistral, que "ensinar é tocar a vida para sempre"; Brasília preferiu tocar sanfona orçamentária. A LDB de 1961 repassou responsabilidades e lavou as mãos - tudo muito cristão, diria Pilatos, se este tivesse feito concurso para fiscal de ensino.

Veio 1964 - o país entrou em regime de tutoria militar. O MOBRAL foi vendido como "milagre" de alfabetização adulta, mas produziu mais estatísticas de abandono do que leitores de carteirinha. Ivan Illich, crítico austríaco da sociedade industrial e polímata sacou: "A escola tornou-se o anúncio público de que ainda não encontramos forma melhor de aprender." Por aqui, encontramos forma melhor de esquecer: Paulo Freire, que o bolsonarismo quis fazer de espantalho, lembrava que "quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor"; os generais acharam prudente suprimir o verbo sonhar.

Eis, então, o "milagre econômico": crescemos 11% ao ano (número que eleva a moral, não a moralidade). Cada ano de estudo valia 7% de salário extra, mas 40% da força de trabalho urbana mal concluíra quatro séries.

A redemocratização quis pagar a conta: a Constituição de 1988 declarou educação "direito público subjetivo" - um palavrão jurídico que cabe em tese, mas não em classe sem teto. O Fundef inflou matrículas; qualidade permaneceu minguada.

Chega o século XXI com seu arsenal de rankings. PISA, TIMSS, IDEB - e o Brasil colecionando posições pouco honrosas, qual aluno que vive na secretaria. Com senso prático, fugimos da tabuada. A tecnologia surge como salvadora - mas escolas rurais seguem literalmente apagadas pelo blecaute. Em 2020, a COVID-19 fechou os portões: 40% dos lares pobres sem internet descobriram que "ensino remoto" era só figura de retórica. Freire repetia: "Educação muda pessoas"; faltou combinar o Wi-Fi.

Nesse teatro, a desigualdade virou roteiro de tragédia grega travestida de novela das 9. A elite bilíngue debate meritocracia enquanto a periferia disputa vaga em corredor de cursinho. A educação como "substituição de mente vazia por aberta" foi trocada pelas redes sociais, porque nelas cabem mais fake news por pixel.

Conclusão? Piaget prescreveu: "Educação deve formar homens aptos a pensar por si mesmos." Continuamos, no entanto, a terceirizar pensamento para influencers. Humanizar a escola requer menos discurso e mais giz (ou fibra óptica na atualidade). Mas o Congresso, zeloso, prefere canalizar bilhões para emendas, onde a pedagogia é de aproximação com bases eleitorais e não com as carteiras escolares.

Negligenciar a educação é nosso esporte nacional; mantê-la em coma pode ser nosso troféu de consolação. Se a democracia quer futuro, terá de passar no vestibular do próprio passado - e com nota alta. Porque, como insistia Susan Sontag, a cultura existe para inquietar. Hora de transformar inquietação em lição de casa - antes que o silêncio e a burrice virem disciplinas obrigatórias.