O que hoje diria Henry Kissinger sobre o conflito Israel - Irã?
terça-feira, 17 de junho de 2025
Atualizado em 16 de junho de 2025 14:55
Henry Kissinger foi dos mais fascinantes analistas da diplomacia mundial. Desde quando eu era estudante universitário, aos 17 anos, nos idos dos 1980s, vi a esquerda brasileira atacá-lo e a direita reverenciá-lo com algumas reservas - em tempos de ditadura o debate é sempre pobre. Celso Amorim, quem pontifica na política externa do atual governo, define Kissinger como "um virtuose da diplomacia de poder, cujo legado exige ser lido com prudência e senso crítico".
De minha parte, resolvi me tornar um leitor da obra de Kissinger e tentar entender o seu pensamento como uma tentativa bem-sucedida para padronizar e orientar as chancelarias mundiais. Já escrevi esparsamente sobre ele e estava a consolidar seus pensamentos para escrever um pequeno ensaio a partir de dois de seus livros relevantes e publicados no Brasil: Diplomacy (1994) e Leadership (2022). Esses dois livros juntamente com World Order (2014), a meu ver, representam a essência do pensamento de Kissinger. Daí a escolha desses livros para a construção desse pequeno ensaio, agora à luz de uma incerta e trágica guerra entre Israel e Irã. Creio que pode servir à reflexão daqueles que almejam entender a atual crise sob o olhar de Henry Kissinger e, quiçá, para além dele.
Aqui se discute o atual confronto estratégico entre Israel e Irã, interpretando suas raízes históricas, motivações ideológicas, dinâmicas de poder e cenários de futuro. Argumenta-se, de forma imaginativa e, portanto, especulativa, a partir de cenários esparsos que coletei no mercado financeiro desde o início da guerra. Possivelmente, Kissinger interpretaria essa crise como um dilema clássico entre a busca de segurança existencial e a lógica de equilíbrio de poder, em que a diplomacia só adquire eficácia quando vinculada a uma credível correlação de forças - as quais aparentemente não existem por ora. O texto analisa também como a personalização do poder em ambos os lados tende a agravar ciclos de escalada e sugere trajetórias de contenção que resgatam a tradição de "concertos" regionais defendida por Kissinger em seus dois livros que são a base para essas reflexões.
Introdução
"A paz não é um estado natural; é o produto de uma engenharia política constante." - Henry Kissinger, Diplomacy, cap. 1.
Em meio à sucessão vertiginosa de ataques preventivos, retaliações calibradas e declarações maximalistas, a disputa entre Israel e Irã emergiu como a encruzilhada geopolítica mais inflamável, a meu ver, do século XXI - mais que a Guerra Russa-Ucraniana. Há quem descreva o teatro do Oriente Médio como um labirinto de ressentimentos históricos, sectarismos religiosos e ambições imperiais (desde a antiguidade) sobreposto a reservas energéticas vitais, especialmente para os países centrais do capitalismo atual. No entanto, se convocássemos Henry Kissinger a interpretar essa "tempestade perfeita", sua reflexão provavelmente partiria de um ponto mais austero e menos passional: a dialética perene entre território, poder e legitimidade - dialética essa que governa o comportamento dos Estados desde Vestfália em 1648, mas que assume contornos dramáticos quando a percepção de sobrevivência física se projeta sobre a realidade central de cada nação. Em outras palavras, é a vitalidade (desejo de sobreviver) que se sobrepõe às outras realidades nacionais.
Kissinger nunca tratou o Oriente Médio como um mero tabuleiro de rivalidades locais. Em Diplomacy, ele observa que as guerras árabe-israelenses não nasceram somente da colisão entre movimento sionista e nacionalismo panárabe, mas foram catalisadores da reconfiguração de todo o sistema internacional pós-1945. Em Leadership, ao examinar o papel da primeira-ministra Golda Meir (que governou Israel de março de 1969 a junho de 1974), Kissinger retrata Israel como um "Estado-ideia" cujo impulso vital provém de uma memória coletiva de vulnerabilidade existencial. Se tal vulnerabilidade, surgida sobretudo após o Holocausto durante o nazismo, explica a predisposição israelense ao uso precoce da força, o Irã contemporâneo enquanto herdeiro de uma civilização imperial milenar e de uma revolução teocrática (relativamente recente, 1979) se proclamou porta-voz dos oprimidos islâmicos. De fato, encontra no desafio ao statu quo regional dentre os islamitas uma legitimidade identitária. Portanto, temos um encontro, digamos, ideológico entre vulneráveis (judeus) e identificados pela religião (iranianos).
A presente reflexão, que se pretende ensaística e, portanto, sem o rigor frio da monografia científica, organiza-se em sete movimentos: (I) o paradigma realista kissingeriano; (II) a memória longa da rivalidade Israel-Irã; (III) as lições sobre dissuasão e equilíbrio de poder; (IV) a dimensão da liderança e a psicologia dos estadistas; (V) as causas próximas da crise atual; (VI) cenários prospectivos imaginados; e (VII) sugestões de mediação à luz de uma diplomacia de "concertos" regionais. Cada seção vertebra argumentos teóricos com observações sobre eventos, de modo a honrar a exigência kissingeriana de ancorar as ideias na materialidade da história com a explícita recusa do uso do idealismo (e.g. de Woodrow Wilson em Versalhes após a Primeira Guerra Mundial) como meio de operar a diplomacia.
I. O paradigma realista de Kissinger
Henry Kissinger consolidou, ao longo de seis décadas de atuação acadêmica e, digamos, "prática", um arcabouço teórico que pode ser condensado em três axiomas: (1) a primazia do poder sobre a "moralidade declarada", na linha de Hans Morgenthau1; (2) a necessidade de ordens internacionais que reflitam uma distribuição de forças aceitável pelos principais atores, decorrência direta do primeiro axioma; e (3) a centralidade da diplomacia como técnica de gerenciamento de conflitos, desde que respaldada por credibilidade militar, uma combinação dos dois primeiros axiomas. Em Diplomacy, ele relembra que os acordos que encerraram a Guerra dos Trinta Anos não brotaram de súbitos arroubos de conciliação religiosa, mas da exaustão material das principais potências europeias. Transposto para o Levante2, esse raciocínio implica reconhecer que Israel e Irã só aceitarão compromissos duradouros se a correlação de forças tornar a guerra mais custosa do que a acomodação. No contexto atual, sobre esse prisma, a chance de o conflito militar ser prolongado é significativa.
Do ponto de vista kissingeriano, a proliferação do poder nuclear representa a falência de qualquer pretensão de monopólio estratégico. Os tratados de não proliferação são instrumentos úteis, mas carecem de mecanismos coercitivos robustos. Assim, quando uma potência regional ameaça romper o "conforto" da assimetria nuclear - como claramente o Irã de hoje -, as demais potências reagem instintivamente. Israel, cujo arsenal nunca foi oficialmente admitido, opera dentro do que Kissinger chamaria de "ambiguidade dissuasória", calculada para dissuadir sem provocar corridas armamentistas explícitas. A entrada do Irã nesse jogo inaugura, porém, uma simetria potencial que mina a sensação israelense de excepcionalidade e, por extensão, sua tolerância a riscos.
Kissinger insistiria que a questão fundamental não é simplesmente impedir que Teerã obtenha a bomba, mas redesenhar um equilíbrio regional que torne a posse - real ou percebida - desse artefato menos relevante para o cálculo de segurança. "A diplomacia eficaz", escreve ele, "não elimina o poder militar; ela o integra num arranjo em que o uso da força se torna desnecessário". Isso implica envolver potências externas - Estados Unidos, União Europeia, China e Rússia - em garantias recíprocas que enxertem custos inaceitáveis em qualquer aventura revisionista.
II. A memória longa da rivalidade Israel-Irã
Se a narrativa contemporânea costuma situar o antagonismo entre Jerusalém e Teerã na revolução islâmica de 1979, Kissinger lembraria que as alianças e hostilidades no Oriente Médio raramente obedecem a linhas estáticas. Nos anos 1950 e 1960, Israel e o Irã xá-pahlavista3 cooperavam tacitamente contra o pan-arabismo nasserista. Esse dado histórico reforça a máxima de Kissinger: "Não existem amizades ou inimizades permanentes, apenas interesses permanentes.
A ruptura ideológica veio com o aiatolá Khomeini, que transformou a eliminação de Israel em dogma revolucionário. Contudo, a lógica de sobrevivência estatal não se submete integralmente à retórica: durante a guerra Irã-Iraque, Teerã aceitou receber armas de Israel (vejam só!), revelando o quanto a realpolitik permanece latente, mesmo sob véus teológicos xiitas. Kissinger veria nesse vaivém a prova de que "as identidades coletivas são moldáveis quando confrontadas com a necessidade bruta".
Nas últimas duas décadas, a rivalidade endureceu à medida que o Irã expandiu sua constelação de proxies de apoio - Hezbollah, Houthis, milícias xiitas iraquianas - e desenvolveu um programa balístico avançado. Para Kissinger, esse cenário se assemelharia ao Bismarck no período pós-unificação alemã, quando a construção de sistemas de aliança visava cercar adversários e criar profundidade estratégica.
III. Dissuasão, equilíbrio de poder e o limiar nuclear
O modelo clássico de dissuasão - amadurecido no laboratório de crises da Guerra Fria - pressupõe clareza de comunicação, proporcionalidade de meios e previsibilidade de consequências. Kissinger recorda que a própria doutrina da destruição mutuamente assegurada4 foi menos um dogma estratégico que uma tentativa de "domesticar" o instinto bélico dentro de margens racionais. No Oriente Médio, porém, dissuasão assume contornos opacos: Israel mantém sua ambiguidade estratégica; o Irã cultiva uma retórica de negação. Assim, as potências externas (sobretudo os EUA) projetam garantias contraditórias, principalmente agora com Donald Trump no poder quando tornou as políticas dos EUA voláteis e contraditórias.
Nesse cenário, o limiar nuclear é tanto tangível - centrífugas que giram em Natanz, ogivas supostamente estocadas em Dimona - quanto psicológico, pois depende da percepção de que a retaliação será certa e intolerável. Kissinger advertiria que a dissuasão falha não apenas quando o agressor duvida da capacidade do oponente, mas quando subestima sua disposição política de agir. O recente ataque israelense de abril de 2025, supostamente sem aviso a Washington, foi lido em Teerã como prova de disposição; ao mesmo tempo, a ausência de resposta imediata dos EUA reforça o cálculo iraniano de que a aliança transatlântica hesita em comprometer-se num conflito aberto. Será assim dessa feita? Uma pergunta central, cuja resposta não pode ser aquilatada senão pelos fatos.
Outro fator crítico é o tempo de decisão. Em Leadership, Kissinger descreve a crise dos mísseis de Cuba como um duelo de relógios entre Kennedy e Khrushchev: quem se sentir acuado pelo relógio é mais propenso a blefar ou a reagir exageradamente. No binômio Israel-Irã, os relógios marcam ritmos diferentes: para Jerusalém, cada centrífuga extra reduz a janela de prevenção; para Teerã, cada dia sem sanções adicionais aumenta a tolerância internacional. Daí a lógica de "escalar para desescalar": ataques cirúrgicos israelenses pretendem impor urgência a um Irã que prefere a dilatação. Resta saber se a destruição já causada mudou a equação militar do conflito, sobretudo em função do amplo domínio aéreo de Israel sobre o Irã.
Kissinger insistiria em três imperativos para restaurar um equilíbrio estável:
- Credibilidade multilateral: Israel e Irã só moderarão suas apostas se Washington, Bruxelas, Moscou e Pequim projetarem sinais coerentes. A cacofonia diplomática dissolve a ameaça e estimula aventuras.
- Limites claros à proliferação balística: Enquanto a atenção global foca nas centrífugas, o Irã teria ampliado a base "convencional" de suas armas.
- Reduzir o alcance e a precisão de mísseis que podem saturar a Cúpula de Ferro. Kissinger veria nisso um retorno ao dilema da paridade convencional5 que precedeu a Primeira Guerra Mundial.
- Linhas diretas de crise: A hotline Moscou-Washington6 amparou o mundo em 1973; um canal Teerã-Tel Aviv, mesmo que mediado por terceiros, poderia cumprir papel análogo? Provável?
IV. A dimensão da liderança e a psicologia dos estadistas
"A História," observa Kissinger, "é escrita pelas decisões de indivíduos que interpretam circunstâncias incontornáveis" (Leadership, p.?12). Nesse prisma, o confronto atual é, também, o encontro de duas biografias políticas: Benjamin Netanyahu, herdeiro de um revisionismo sionista impregnado de visão hobbesiana do sistema internacional, e Ali Khamenei, guardião de uma revolução que substituiu o Xá e o Ocidente por umidade ideológica7, capaz de irrigar causas periféricas.
1. Netanyahu: O estrategista da margem estreita
Netanyahu internalizou a ideia de que Israel vive "num bairro ruim" onde a hipérbole precede a catástrofe. Inspirado, talvez, na firmeza que Kissinger admirava em Golda Meir, ele entende força como idioma nativo do Oriente Médio. Em Leadership, Kissinger descreve Meir como "pedra viva contra a qual quebras a onda". Netanyahu cultiva a mesma rocha, mas polida por anos de marketing global.
No entanto, o Bibi-ismo enfrenta contradições kissingerianas: ao ampliar assentamentos judaicos em terras palestinas e neutralizar vozes moderadas daquele povo, ele dilui a possibilidade de uma coalizão sunita contra o Irã - peça que Kissinger descreveria como essencial à diplomacia de sobreposição (criar alianças cruzadas para impedir hegemonias). Além disso, a fragmentação institucional interna - governo de coligação volátil, protestos contra a reforma judicial - reduz a coerência da ameaça israelense. Vale lembrar que cerca de 50% da opinião pública é contra a essência das políticas de Netanyahu a ponto de ele ter se sustentado no governo por apenas um voto no escrutínio de apoio no Parlamento.
2. Khamenei: O sacerdote do trono revolucionário
Ali Khamenei, por sua vez, opera em quadro paradoxal: deve preservar a chama anti-imperialista sem arrastar o país a um suicídio nuclear. Em Leadership, Kissinger analisa de Gaulle para mostrar como a busca de grandeza nacional pode mascarar fragilidades socioeconômica. O iraniano atua no mesmo palco: usa o projeto atômico para galvanizar orgulho persa-xiita, enquanto crises cambiais e protestos internos de intelectuais e mulheres corroem a legitimidade, interna e externa.
A relação Khamenei com a Guarda Revolucionária reproduz, em chave teocrática, a simbiose de Bismarck com o exército prussiano - síntese que Kissinger reputa perigosa porque militares tendem a visões lineares de escalada. Se o cálculo for capturado pelos Guardas Revolucionários, a racionalidade dos custos políticos (lógica diplomática) pode ceder a lógica de martírio (lógica teocrática).
V. Causas próximas da crise atual
Embora as raízes se estendam por décadas, a fagulha que incendeia 2024-25 tem data e hora. Enumeremos os fatores, em cadência que Kissinger chamaria de causalidade cumulativa:
- Fracasso do JCPOA 2.08: As negociações em Mascate (Omã), herdadas do processo de Viena, colapsaram após a eleição presidencial norte-americana de 2024 e a consequente ambiguidade de Washington. Kissinger consideraria o hiato diplomático um convite à ação preventiva. Aqui, diante da situação atual, foi profético.
- Escalada proxy (dos apoiadores externos): Os ataques Houthi a petroleiros no Mar Vermelho e foguetes do Hezbollah ao norte de Israel configuram, sob a ótica kissingeriana, tentativa iraniana de testar limites sem expor capital político interno.
- Crise de legitimidade interna em Teerã: Protestos de segmentos sociais, quedas de renda e racionamentos energéticos pressionam o regime. Kissinger lembra que líderes encurralados buscam vitórias externas para recompor coesão. É o caso de ambos os líderes do conflito.
Transição política em Washington: A chegada de uma administração focada em rivalidade sino-americana e aos contenciosos comerciais (o "jogo das tarifas") relegou o Oriente Médio a prioridade secundária. Tal vácuo estratégico, adverte Kissinger, complica qualquer sistema de equilíbrio, pois atores locais tentam preencher a lacuna.
VI. Ecos históricos do atual conflito: Suez (1956), Yom Kippur (1973) e a Guerra Irã-Iraque (1980-1988)
1. Suez (1956)
Kissinger descreve Suez como "a revanche dos impotentes"-França e Reino Unido tentando frear o crepúsculo imperial. O colapso diplomático, precipitado pela pressão de Eisenhower, prova que nenhuma intervenção regional prospera sem consentimento da superpotência do momento. Israel, embora vitoriosa no campo tático, aprendeu a lição da dependência estratégica; o Irã, ao observar essa derrota neocolonial, moldou sua doutrina de resistência.
2. Guerra do Yom Kippur (1973)
Aqui, Kissinger foi ator e cronista. Sua shuttle diplomacy não só encerrou as hostilidades, como produziu uma pax que durou quase meio século. A lição central: linhas de cessar-fogo definidas sobre o terreno, não à mesa, reduzem ambiguidades. Ao revisar a guerra do Yom Kippur, Kissinger insistiria que qualquer acordo Israel-Irã precisa fixar corredores de exclusão bem delimitados, sob vigilância cartelizada das grandes potências. Interessante notar que em Diplomacy, Kissinger faz poucos comentários, nenhum digno de nota, sobre a Guerra dos Seis Dias (5-10/6/1967) na qual não atuou como parte do establishment norte-americano.
3. Guerra Irã-Iraque 1980-88
Oito anos de carnificina demonstraram a resiliência persa diante de isolamento, mas também o limite do fervor revolucionário. Kissinger, cético sobre exportação de ideologias, cita Clausewitz: "Até a fé mais ardente se rende à fricção" Para Israel, o paralelo é sombrio: um Irã disposto a suportar custos estratégicos altíssimos não pode ser dissuadido apenas por bombardeios pontuais.
VII. A dimensão econômica e energética do conflito
Não há concepção de poder no Oriente Médio que se divorcie da gramática do petróleo. Kissinger, que em 1973 orquestrou a ponte aérea para Israel enquanto os preços do barril quadruplicavam, aprendeu que a política energética é o leito de Procusto9 da diplomacia global. Hoje, os oleodutos que serpenteiam por Ceyhan, Haifa e Fujairah são vasos comunicantes de estabilidade: um impacto em Ormuz, por menor que seja, reverbera em Roterdã, Cingapura e Houston e no Pré-Sal.
Na lógica dos mercados, risco é preço; assim, a simples possibilidade de uma retaliação iraniana aos terminais de Abqaiq ou de ataques israelenses ao corredor de Suez aumenta o prêmio de seguro marítimo e manipula a curva forward do Brent (e sequencialmente, das bolsas e dos juros). Kissinger recordaria que a arma do petróleo não está apenas na interrupção física, mas no sinal de que tal interrupção é politicamente concebível. Daí sua insistência na criação de reservas estratégicas de petróleo - aos olhos dele, amortecedores que compram tempo para a diplomacia.
Paradoxalmente, a transição energética amplifica a volatilidade: quanto maior a pressão por descarbonização, maior é a inelasticidade de curto e médio prazo da oferta fóssil remanescente. Kissinger, realista, diria que a transição só atenua conflitos quando a dependência residual de combustíveis fósseis atinge patamar marginal; até lá, o monopólio geográfico de reservas persiste como fonte de poder coercitivo.
VIII. Direito internacional, legitimidade e a arte do precedente
Em seus memorandos da era Nixon, Kissinger tratava o direito internacional como "aspiração codificada"-uma moldura útil, mas incapaz de conter Estados que percebem ameaças existenciais10. Com tal lente, o recente ataque israelense às instalações nucleares iranianas seria julgado pelo critério da necessidade suprema. A Carta da ONU, na visão kissingeriana, não prevê uma cláusula de suicídio. Portanto, a autodefesa ante um perigoso vácuo de confiança tende a gozar de legitimidade presumida11.
Sob o ângulo inverso, o Irã invocaria o art. 5112 para justificar contra-ataques. Kissinger, porém, veria na proliferação de casus belli um sinal de bancarrota normativa! De Gaulle, recorda ele, debochava de "le juridisme anglo-saxon"; Kissinger não tanto debocha, mas alerta que, numa comunidade anárquica (como em Aron), regras só vigem quando há vontade coletiva de enforcement.
A solução, portanto, não está em redigir novos códigos, e sim em restaurar consenso mínimo sobre linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas. Kissinger sugeriria um Consenso de Viena II, analogia ao Congresso de Viena de 1815 que proibiu as guerras de reconquista napoleônicas. Nesse cenário, qualquer ataque a instalações nucleares - de parte a parte - seria considerado ameaça à paz global, acionando sanções automáticas e intervenção diplomática compulsória do Conselho de Segurança. Improvável, por ora, claramente.
IX. Cenários prospectivos
Kissinger não fazia previsões (ao contrário dos analistas do mercado financeiro)13, mas avaliava plausibilidades à luz de estrutura e liderança. Três roteiros podem ser delineados (com previsões encontradas no mercado financeiro internacional e de notícias constantes na mídia):
Cenário 1 - Contenção aperfeiçoada
Ataques israelenses permanecem cirúrgicos, retaliados por ações limitadas iranianas. Potências externas apadrinham cessar-fogo tácito. O limiar nuclear não é cruzado, mas enriquecimento continua. Preço do Brent estabiliza nos US$?75. Kissinger chamaria esse arranjo de "paz imperfeita sustentada pela fadiga".
Cenário 2 - Conflito regional em larga escala
Falha de cálculo ou míssil errante destrói infraestrutura crítica israelense; resposta massiva arrasa instalações iranianas. Aliados do Irã abrem um multiple front, EUA intervêm militarmente. Brent cruza US$?100; rotas de Suez e Ormuz colapsam. Para Kissinger, tal espiral replicaria agosto de 1914: combinatória de alianças automáticas e tempo de mobilização curto.
Cenário 3 - Acordo de segurança multilateral
Mediados por União Europeia e China, Israel aceita limitação a operações de grande escala; Irã congela enriquecimento a 60?%. Criam-se "zonas tampão" monitoradas por satélite e drones ONU. Kissinger veria eco do Acordo de Helsinki: reconhecimento mútuo de fronteiras mais compromisso de não-agressão.
Interessante notar que dificilmente esse conflito regional possa mudar, mesmo que minimamente, a correlação das forças dominantes no mundo. A maior ausência da presença (militar e diplomática) dos EUA na região pode estimular Israel a conseguir barganhas regionais maiores em relação aos outros países árabes, sobretudo a Arábia Saudita com quem negocia há algum tempo o seu reconhecimento enquanto Estado. Outro importante teórico da diplomacia moderna, George Kennan, ensina que a "contenção inteligente depende de paciência histórica". Ninguém pode acusar Israel de não haver cultivado essa paciência.
X. Caminhos de mediação: Em direção a um "concerto" do Oriente Médio
Kissinger concebia concertos como arranjos em que rivais aceitavam corresponsabilidade pela ordem (modelo pós-Napoleônico do Congresso de Viena em 1815). Para transplantar a lógica ao Oriente Médio, cinco passos podem ser imaginados, a partir dos dados presentes nas análises:
- Inclusão das potências externas balizadoras: EUA e Rússia compartilham interesse em prevenir armas nucleares adicionais; China precisa de fluxo energético estável.
- Garantias negativas de segurança: Declarações públicas de que nenhuma potência buscará mudança de regime no oponente-a condição que Kissinger viu como "gatilho para distensão" EUA-URSS.
- Institucionalização do controle de crise: Uma task-force permanente com generais e diplomatas de ambas as nações, espelhando o "Grupo Consultivo".
- Pacote econômico vinculado: Suspensão faseada de sanções a Teerã em troca de inspeções intrusivas; fundo de reconstrução para Gaza em que Israel tenha assento, criando interdependência.
- Arquitetura energética comum: Oleodutos alternativos via Arábia Saudita e Jordânia diluiriam poder de coação sobre Ormuz, reduzindo prêmio de risco.
Kissinger avaliaria que somente quando atores percebem ganhos relacionais superiores às vitórias absolutas a lógica de "soma zeros" se dissolve.
XI. Guerra de narrativas e a batalha pelos imaginários coletivos
Kissinger, embora menos afeito a crítica aos juristas internacionais, compreendia o poder da narrativa quando entrevistava Zhou Enlai sobre a rebelião Taiping14: "O mito mobiliza mais que a aritmética" (em suas "anotações privadas", Pequim, 1971). No conflito Israel-Irã, as redes sociais tecem uma tapeçaria global de indignações alternadas: em Teerã mártires de Alá são invocados; em Tel Aviv o antissemitismo é sempre identificado como fundamento de agressões.
Em tempos de força das redes sociais e de fake news, Kissinger veria nisso uma variável estratégica nova: um demos planetário que pressiona governos a respostas emotivas, diminuindo a margem de manobra da diplomacia secreta que ele tanto prezava. O vazamento de mapas de alvos, antes confinados a pastas "eyes only", força lideranças a manter coerência entre discurso e ação - o que pode converter recuos táticos em derrotas políticas irreparáveis. Para o Irã, inferior militarmente, isso pode ser crucial nesse momento e Israel tem isso em mente.
XII. Recomendações Políticas Imaginadas à Luz de Kissinger
- Triangular a Diplomacia: e.g. resgatar um Marco Madrid15 com EUA, UE e GCC - Conselho de Cooperação do Golfo como fiadores. Kissinger diria que crises insolúveis bilateralmente exigem poliedros diplomáticos.
- Desarmar a Retórica: Imposição de moratória retórica monitorada - discurso oficial que pregue aniquilação do inimigo aciona penalidade econômica. Lembra o Acordo de Potsdam sobre propaganda anti-aliados.
- Ventilação Humanitária Cruzada: Atuação de organizações não-governamentais de humanitárias. Kissinger julgaria esse tipo de atuação como "microdétente".
- Mecanismo de consulta militar instantânea: Linhas diretas entre chefes do Estado-Maior, obrigando notificação prévia de movimentos significativos.
- Sequenciamento de concessões: e.g. Israel congela novos assentamentos; Irã aceita protocolo adicional da AIEA; etapas vinculadas a verificação. Aqui Trump seja a grande dificuldade.
XIII. Por fim: Sobre a "fragilidade das permanências"
Se tomarmos com rigor a advertência de Heráclito "ninguém entra duas vezes no mesmo rio" - a crise Israel - Irã não se repetirá nunca, mas rimará eternamente com outras tempestades humanas. Kissinger, quem atravessou os riscos de guilhotinas ideológicas da Europa Central até os tapetes silenciosos (e estranhos) de Pequim, lembraria que a essência da política externa reside em traduzir insegurança em ordem, sem anestesiar o trágico da condição humana. Esse pragmatismo é essencial ser entendido na leitura do pensamento de Kissinger, como apontado anteriormente.
Kissinger detectou na arte diplomática a junção paradoxal de cálculo frio e intuição moral. Confrontados a um Irã nuclear nascente e a um Israel que se recusa a negociar a sua segurança, estadistas não podem escolher entre o mal total e o bem absoluto-devem operar na zona cinzenta onde a sobrevivência vale qualquer renúncia à pureza doutrinária. Ensina Kissinger:
"O estadista é condenado a negociar com o diabo, mas deve fazê-lo de modo que o inferno permaneça fora de seu território." - Palestra em Harvard, 1982.
Kissinger tenderia a prever um "conflito episódico", porém prolongado no tempo, mais parecido com uma série de rounds intermitentes do que com uma guerra contínua. Três razões explicariam sua expectativa:
- Disparidade de objetivos - Israel pretende atingir as capacidades nucleares específicas do inimigo. O Irã, por sua vez, procura estender o processo de assimilação tecnológica para atingir seus objetivos de domínio regional. Essa assimetria gera ciclos de ação-reação sem ponto final claro.
- Ausência de colapso decisivo - Nenhum lado pode impor rendição total sem custos intoleráveis. Logo, cada "vitória" militar resta parcial e revogável.
- Pressões internas compensatórias - Tanto em Teerã quanto em Jerusalém, líderes recorrem a confrontos limitados para reforçar coesão doméstica, reproduzindo incentivos à periodicidade da crise. No Irã, o regime autoritário tem a chance de se firmar diante de seus opositores por meio da guerra e em Israel, a guerra é o fator fundamental a sustentar Netanyahu dada a coesão que produz.
Para Kissinger, portanto, a guerra Israel-Irã dificilmente se encerraria num único armistício. Em vez disso, degeneraria em conflito crônico de intensidade variável, administrado por dissuasão e diplomacia de crise, até que uma nova arquitetura regional altere o cálculo de custos. Trump. nesse sentido, deve ser decisivo, muito embora os sinais que emite não garantem segurança razoável sobre como administrará seu próprio papel.
No contexto desse ensaio, a expressão "fragilidades permanentes" aponta que o Oriente Médio vive de armistícios provisórios: a cada década imaginamos haver uma configuração definitiva (pós-1948, pós-1967, pós-1979, pós-2003, etc.), apenas para descobrir, na crise seguinte, que aquela permanência era frágil. Logo, as "fragilidades de permanência" sintetiza a máxima: quanto mais algo parece assentado, mais precisamos examinar as forças que o podem desmontar.
Se é verdade que a História não termina, como pregou outro pensador contemporâneo, também é verdade que ela não perdoa distrações. Kissinger, voz agora ausente, deixa um eco: trabalhem sem ilusão, mas sem desespero. Entre a espada de Davi e o orgulho persa há um espaço estreito onde a diplomacia pode ainda respirar. Se algum país apostar no colapso inevitável pode descobrir, tarde demais, que a catástrofe não tem preferências, apenas consome sangue e destruição material, afora o exemplo perante uma humanidade atordoada.
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1 Morgenthau, em Politics Among Nations (1948), formulou seis "princípios do realismo político" que sublinham a busca de poder como motor da política internacional e a distinção entre moral privada e responsabilidade de Estado. Essas ideias antecipam o argumento de Kissinger em Diplomacy (1994), segundo o qual a ordem depende de um equilíbrio de poder aceitável para as principais potências. Ambos rejeitam a crença liberal de que normas ou instituições, por si só, garantem paz duradoura.
2 Especificamente, Kissinger se refere à faixa do leste do Mediterrâneo que inclui, em geral, Síria, Líbano, Jordânia, Israel/Palestina, Chipre e, às vezes, o sul da Turquia. Não é exatamente o Oriente Médio atual que inclui o Levante mais a Península Arábica, Iraque, Irã, Egito (às vezes o Norte da África), os Estados do Golfo, e por vezes a Turquia ou o Afeganistão (mais recentemente).
3 Mohammad Reza Pahlavi - conhecido como xá Reza Pahlavi ou "xá do Irã" - reinou de 16 de setembro de 1941 (data da abdicação forçada de seu pai, Reza Shah) até 11 de fevereiro de 1979, quando a monarquia foi abolida pela Revolução Islâmica. Ele deixou o país em 16 de janeiro de 1979; contudo, só foi deposto formalmente quando o regime revolucionário proclamou a República Islâmica, encerrando seu domínio de pouco mais de 37 anos.
4 Em inglês Mutually Assured Destruction (MAD) - é a doutrina estratégica elaborada na Guerra Fria para caracterizar um equilíbrio do poder nuclear em que dois adversários (EUA e URSS) possuíssem arsenais suficientes para aniquilar um ao outro mesmo depois de sofrerem um primeiro ataque. A lógica baseia-se em três premissas:
1. Capacidade de segundo ataque: Cada lado mantém ogivas e vetores (submarinos, silos dispersos, bombardeiros) capazes de sobreviver a um golpe inicial e revidar com força devastadora.
2. Vulnerabilidade recíproca: Como nenhuma defesa antimíssil pode garantir proteção total, qualquer agressor estaria assinando a própria sentença de morte. O custo da agressão é, portanto, irredutivelmente maior que qualquer ganho possível.
3. Racionalidade mínima dos decisores: Pressupõe-se que líderes, sabendo da retaliação certa, evitarão iniciar hostilidades de grande escala. O medo da destruição total funciona como freio último. (N.A.).
5 As potências (Alemanha, Rússia Imperial, França, Reino Unido, Império Austro-Húngaro e Itália) de então buscavam equivalência de forças convencionais, mas acabaram encurtando os tempos de mobilização e tornando o ataque preventivo mais tentador. (N.A.).
6 A chamada linha vermelha (hotline) entre Washington e Moscou entrou efetivamente em operação em 30 de agosto de 1963, poucos meses após a Crise dos Mísseis de Cuba. (N.A.)
7 O termo "umidade ideológica" foi popularizado por Václav Havel (1936-2011), quem se tornou posteriormente o último presidente da República da então Tchecoslováquia, no ensaio O Poder dos Sem-Poder (1978). Ele recorre à metáfora de uma umidade pegajosa que se infiltra por todas as frestas para descrever a atmosfera saturada pelo discurso oficial nos regimes comunistas: uma condensação ideológica que envolve as pessoas de modo tão onipresente e morno que elas acabam respirando conformismo sem percebê-lo. Em síntese, a expressão designa o grau de penetração e de naturalização da propaganda estatal na vida cotidiana, abafando pensamento crítico e iniciativa individual. (N.A.)
8 JPOA 2.0 é a sigla em inglês para Joint Plan of Action, versão 2.0 - literalmente, "Plano de Ação Conjunto, segunda versão". O primeiro Joint Plan of Action foi o acordo provisório firmado em novembro de 2013 entre o Irã e o grupo P5+1 (EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha). Ele congelava partes do programa nuclear iraniano em troca de alívio limitado de sanções, servindo de ponte para negociações mais abrangentes. Esse acordo-ponte desembocou no Joint Comprehensive Plan of Action, assinado em julho de 2015, que estabeleceu limites mais detalhados e verificáveis ao enriquecimento iraniano. Por isso costuma-se falar de JCPOA quando se trata do "acordo nuclear" pleno. JPOA 2.0". A expressão é usada informalmente para designar uma tentativa de atualizar o esquema. de 2013. (N.A.).
9 Leito de Procusto é uma metáfora oriunda da mitologia grega. Procusto (ou Procrustes) era um salteador que oferecia hospedagem aos viajantes e os obrigava a deitar-se em uma cama de ferro; caso o hóspede fosse maior que o leito, suas pernas eram amputadas; se fosse menor, era esticado à força.
No discurso contemporâneo, a expressão designa qualquer sistema, regra ou modelo que impõe ajustes artificiais e violentos à realidade para fazê-la caber num padrão predefinido. Usada em política, economia ou teoria social, denunciar um "leito de Procusto" equivale a criticar moldes rígidos que sacrificam nuances em nome de uma pretensa uniformidade (N.A.).
10 Aqui vale mencionar Raymond Aron (1905-1983): m Paix et guerre entre les nations (1962; trad. br. Paz e guerra entre as nações), Aron parte da premissa realista de que o sistema internacional é anárquico, mas sustenta que as normas jurídicas cumprem um papel heurístico e diplomático: elas fornecem um vocabulário comum para que potências negociem e sinalizem intenções, mesmo sem um soberano mundial que as faça cumprir. (N.A.).
11 Aqui temos o conceito da "legitimidade presumida" aplicada usualmente a determinado tratado, instituição ou prática e que é a priori considerado válido e vinculante, salvo prova em contrário. A presunção desloca o ônus da demonstração: quem contesta a norma é que deve justificar sua inaplicabilidade. Kissinger desloca, por seu turno, essa lógica de Direito Internacional para a sua visão realista: a realidade de um vácuo de confiança legitima a autodefesa (N.A.).
12 Artigo 51 da Carta das Nações Unidas (redação oficial em português): "Nada na presente Carta prejudica o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa deverão ser imediatamente comunicadas ao Conselho de Segurança e não deverão, em nenhum caso, afetar a autoridade e a responsabilidade que o Conselho de Segurança possui, em virtude da presente Carta, de tomar, a qualquer momento, as medidas que julgue necessárias para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais."
13 A título de curiosidade, apesar de não haver um único "placar" universal, desde a década de 2000 a comunidade de forecasting convergiu para métricas estatísticas bastante claras - e há dados empíricos que mostram quão bem (ou mal) analistas costumam se sair. Philip Tetlock (2005) - em Expert Political Judgment, analisou 28 mil previsões de 284 especialistas ao longo de 20 anos e concluiu que os acertos são muito perto de "chimpanzé atirando dardos". A IARPA, a sigla para Intelligence Advanced Research Projects Activity, a agência de pesquisa avançada da Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos (criada em 2006), mostra que especialistas tradicionais tendem a ficar pouco acima do acaso, enquanto superforecasters bem treinados alcançam 40-60 % mais precisão (N.A.).
14 A Rebelião Taiping (1850-1864) foi uma gigantesca guerra civil na China imperial que opôs o movimento religioso-militar liderado por Hong Xiuquan - autoproclamado "irmão mais novo de Jesus Cristo" e "rei celestial" (Taiping Tianwang) - contra a dinastia Qing (governo manchu) (N.A.).
15 "Marco Madrid" (ou Madrid framework) é um atalho para referir-se ao arranjo diplomático inaugurado na Conferência de Madri de 1991, convocada por Estados Unidos e União Soviética logo após a Guerra do Golfo. O encontro reuniu, pela primeira vez numa mesma mesa, Israel, uma delegação palestina e os principais vizinhos árabes (Síria, Jordânia, Líbano) sob duas trilhas paralelas: (1) Negociações bilaterais Israel-Palestinos e Israel-Estados árabes, focadas em questões territoriais e de segurança. (2) Fórum multilateral com potências externas e doadores (EUA, Comunidade Europeia, países do Golfo, Japão etc.) dedicado a temas regionais - água, refugiados, segurança, desenvolvimento econômico. Esse "marco" tornou-se referência para qualquer formato triangular/multilateral que combine: Fiadores externos capazes de oferecer incentivos e garantias; partes regionais diretamente envolvidas e comitês temáticos que tratam de problemas técnicos enquanto a agenda política avança. (N.A.).
Quando, portanto, o texto fala em "resgatar um marco Madrid", propõe reviver essa lógica: abrir negociações Israel-Irã (ou Israel-potências ligadas ao Irã) dentro de um esquema avalizado por EUA, UE e países árabes do Golfo, com subfóruns econômicos e de segurança que mantenham todas as frentes em movimento e permitam trocas graduais de concessões. (N.A.).