Quando a falência gera valor: Como um litígio de US$ 213 milhões virou ativo estratégico
terça-feira, 22 de julho de 2025
Atualizado às 12:54
Em um ambiente de falência, ativos com aparência de valor muitas vezes escondem armadilhas: são créditos ilíquidos, litígios longos e de resultado incerto. Mas também ali podem surgir oportunidades. É o que revela o caso da MagCorp - Magnesium Corporation of America, cujo processo de falência nos Estados Unidos se transformou, ao longo de mais de uma década, em um exemplo de como ativos judiciais podem ser monetizados, estruturados e, sobretudo, convertidos em benefício coletivo - mesmo antes do trânsito em julgado.
A MagCorp era uma das maiores produtoras de magnésio do país, controlada pela holding Renco Group, do bilionário Ira Rennert. Por meio de subsidiárias - Renco Metals e US Magnesium -, o grupo exercia controle operacional e financeiro sobre a companhia, que acumulava passivos ambientais significativos e problemas operacionais no final dos anos 1990.
A falência foi decretada em 2001. Nomeado como trustee, Lee Buchwald iniciou uma investigação sobre transferências de recursos feitas pela empresa à sua controladora entre 1995 e 1998. A principal alegação era de que a MagCorp teria realizado pagamentos de mais de US$ 100 milhões em dividendos à Renco Metals, com base em demonstrações contábeis que não refletiam os passivos ocultos - em especial os ambientais.
A massa falida sustentou que os dividendos foram pagos quando a empresa já caminhava para a insolvência e que os valores foram direcionados, em parte, à construção de uma mansão de 43 mil pés quadrados (quase 4.000m²), no coração dos Hamptons. O imóvel, avaliado em cerca de US$ 110 milhões, contava com 29 quartos, 39 banheiros, três piscinas e uma sala de cinema privativa. A opulência extravagante foi interpretada pelo júri como evidência concreta do esvaziamento patrimonial da MagCorp, em prejuízo de seus credores. O episódio deu contornos simbólicos à causa: enquanto a empresa afundava, seu controlador erguia o que viria a ser chamada pela imprensa de "a maior residência particular dos Estados Unidos".
A sentença, proferida em 2015, foi incisiva. O júri avaliou que, embora os dividendos tivessem aparência legal, a realidade financeira da empresa os tornava "transações fraudulentas e prejudiciais aos credores": "Os réus tinham conhecimento dos passivos significativos e crescentes da MagCorp, mas escolheram priorizar seu próprio benefício em detrimento da solvência da companhia" - U.S. District Court, SDNY, 2015.
Assim, o júri concluiu que houve violação do fiduciary duty, abuso do direito de controle e uso indevido da estrutura societária para esvaziar o patrimônio da empresa.
A Renco Group, por sua vez, sustentou que:
- Os dividendos foram legítimos e baseados em lucros registrados;
- A falência resultou de circunstâncias externas, como a queda nos preços do magnésio e a concorrência internacional;
- A acusação teria se apoiado em uma narrativa emocional e enviesada, centrada na figura de Rennert e em sua mansão.
Na apelação, os réus alegaram que a sentença foi excessiva, desconsiderou a estrutura empresarial legítima e atribuiu responsabilidade pessoal a Rennert sem evidências diretas de sua atuação dolosa: "A corte substituiu a lógica contábil pela retórica da indignação moral", sustentaram os advogados da Renco no recurso ao Second Circuit.
Em 2017, a Corte de Apelações confirmou integralmente a sentença de primeira instância. Rejeitou os argumentos centrais da defesa e validou as conclusões do júri quanto à fraude: "A evidência mostra que os dividendos foram pagos com conhecimento dos passivos ocultos e com desprezo deliberado pelas consequências sobre os credores" - Second Circuit, 2017.
A corte ainda reforçou que Rennert exercia controle relevante e ativo sobre a holding, e que não poderia se blindar por meio de estruturações societárias em cadeia: "Where a parent corporation so dominates its subsidiaries that the distinction is only formal, liability may attach to the controlling entity".
Durante a apelação, sem liquidez para sustentar a massa falida e diante de uma sentença potencialmente valiosa, o trustee recorreu ao § 363 do Bankruptcy Code para leiloar parte do resultado do litígio. O ativo vendido foi o direito de receber os primeiros US$ 50 milhões da sentença, caso confirmada.
O vencedor do leilão foi a Gerchen Keller Capital, que pagou US$ 26,2 milhões à vista. A estrutura era non-recourse: o fundo perderia tudo caso a sentença fosse revertida. A corte aprovou a transação, classificando-a como "consistente com os deveres fiduciários do trustee e benéfica à massa": "This structure presents no risk to the Estate, and provides substantial value in the face of ongoing litigation uncertainty".
A operação permitiu o pagamento de credores e despesas administrativas - blindando a gestão e convertendo um ativo contingente em caixa efetivo, sem renunciar à titularidade da causa.
O caso MagCorp exemplifica a transformação do litígio de um passivo problemático em ativo estratégico, com gestão sofisticada e retorno coletivo. Também reafirma que a aparência de legalidade em atos societários não basta para blindar controladores, quando há evidências de que se beneficiaram às custas da solvência da empresa.
Em termos de retorno para o fundo, a operação foi efetivamente rentável. O fundo pagou em setembro de 2016 o valor US$ 26,2 milhões para adquirir uma participação de US$ 50 milhões no julgamento de US$ 213 milhões contra a Renco Group. A participação foi adquirida apenas seis meses antes da decisão final do tribunal. Como resultado, a empresa quase dobrou o dinheiro investido no período curto de 6 meses.
Na falência, é raro haver recursos suficientes para levar adiante ações judiciais contra réus com grande capacidade financeira. A estrutura jurídica da venda dos direitos creditórios decorrentes de disputas abriu precedente importante na prática de falências nos EUA, e serve como referência para experiências futuras no Brasil, onde o financiamento de litígios pode se tornar uma ferramenta muito importante em processos falimentares.