A batalha de um divórcio bilionário: Um acordo de £135 milhões
quarta-feira, 27 de agosto de 2025
Atualizado em 26 de agosto de 2025 08:30
O universo de litigation finance costuma ser associado a disputas corporativas, arbitragens internacionais ou ações coletivas de grandes proporções. Ultimamente, entretanto, temos sido chamados para atuar em casos de família em que, com a ajuda de fundos de litígios, temos conseguido alcançar resultados importantes para herdeiros e cônjuges. Por isso, resolvi escrever neste artigo sobre um caso bem emblemáticos dos últimos anos com origem em um litígio familiar: o divórcio de Farkhad Akhmedov, bilionário russo, de sua ex-esposa, Tatiana Akhmedova.
Tatiana Akhmedova e Farkhad Akhmedov se conheceram em 1989, casaram-se e, quatro anos depois, mudaram-se para Londres. Ele consolidou sua fortuna no setor de petróleo e gás da Rússia, alcançando um enorme salto patrimonial em 2012, quando vendeu sua participação em uma empresa produtora de gás, por cerca de US$ 1,375 bilhão. Ela, por sua vez, dedicou-se à família, sendo descrita como uma mãe presente, que cuidava dos filhos do casal e até mesmo do filho que Akhmedov tinha de seu primeiro casamento.
O marco temporal da separação se tornou um ponto de intensa disputa. Tatiana sustentava que o casamento terminou em outubro de 2013, quando ingressou com a petição de divórcio em Londres, e que, apesar de uma tentativa de reconciliação no final de 2014, a união não foi restabelecida. Já Akhmedov insistia que a separação havia ocorrido muito antes, em 1999 ou, no máximo, em 2004, em Moscou. A diferença era crucial, pois impactava diretamente na análise dos bens partilháveis. A High Court inglesa acabou acolhendo a versão de Tatiana, reconhecendo a validade de seu pedido e reforçando a jurisdição britânica sobre a divisão de patrimônio.
Em 2016, Akhmedov foi condenado a transferir para Tatiana 41% de sua fortuna, equivalentes a aproximadamente 450 milhões de euros (cerca de US$ 600 milhões). Tratava-se de uma das maiores sentenças de divórcio da história do Reino Unido. Contudo, como ocorre em muitas situações como estas, ter a sentença não significava ter o dinheiro. O enforcement dessa decisão enfrentava obstáculos gigantescos: grande parte dos ativos estava espalhada em diferentes jurisdições, muitas vezes em estruturas offshore opacas; o principal ativo, o superiate Luna, estava blindado em cadeias societárias complexas; e o bilionário mobilizou exércitos de advogados e usou sofisticadas estruturas de proteção patrimonial para resistir ao pagamento.
Nesse cenário, um dos maiores fundos de investimento em litígios teve um papel crucial: estruturou o financiamento da execução e transformou um processo de enforcement quase impossível em um dos maiores sucessos financeiros já reportados. O fundo firmou um acordo de financiamento com Tatiana Akhmedova, assumindo os custos da batalha judicial em troca de uma fatia dos valores recuperados. Segundo informações divulgadas ao mercado, o fundo investiu cerca de US$ 20 milhões na disputa. A lógica do contrato seguiu o padrão de litigation finance: financiamento integral da execução, incluindo advogados em múltiplas jurisdições, custas e investigações patrimoniais; uma estratégia global de enforcement, com medidas no Reino Unido, Dubai, Ilhas Marshall e outros centros financeiros; e risco compartilhado - se nada fosse recuperado, o fundo perderia integralmente seu investimento.
O caso virou um verdadeiro thriller jurídico-financeiro. A peça central foi o iate Luna, um dos maiores do mundo, originalmente construído para o magnata Roman Abramovich e depois adquirido por Akhmedov. Avaliado em mais de US$ 300 milhões, o iate tornou-se símbolo da batalha judicial. Formalmente, porém, não estava em nome de Farkhad Akhmedov: era registrado em favor de uma sociedade sediada em Liechtenstein e vinculado a uma cadeia de holdings e trusts em jurisdições como as Ilhas Marshall e o Chipre.
A estratégia era clara: criar uma barreira formal entre o magnata e o bem, de modo a alegar que a embarcação não poderia ser alcançada pela execução da sentença de divórcio. Essa engenharia societária foi apontada pela própria Corte de Apelação inglesa como um mero "artifício" para evitar o cumprimento da decisão.
Os advogados da ex-esposa, financiados pelo fundo de litígio, iniciaram um trabalho meticuloso de rastreio patrimonial, que envolveu registros navais internacionais e monitoramento físico da embarcação. Descobriram que o Luna fazia rotas entre o Mediterrâneo e o Golfo Pérsico, até que, em 2018, a embarcação foi localizada ancorada no Porto Rashid, em Dubai. Esse dado foi crucial: abriu a possibilidade de buscar medidas de enforcement em uma jurisdição onde o iate estava fisicamente presente, ainda que registrado em nome de terceiros.
Com base nessas informações, os advogados ingressaram nos Emirados Árabes Unidos com pedido de bloqueio judicial do bem, apresentando provas de que a estrutura societária era apenas de fachada e que Akhmedov continuava sendo o beneficiário real da embarcação. O tribunal de Dubai deferiu a ordem de apreensão, e o Luna foi formalmente arrestado. A cena da apreensão de um superiate de luxo em um porto internacional ganhou as manchetes e se tornou símbolo da disputa, demonstrando como a combinação de investigação, estratégia jurídica transnacional e financiamento especializado pode derrubar até as blindagens patrimoniais mais sofisticadas.
O litígio tomou contornos ainda mais intensos quando ficou claro que o filho do casal, Temur Akhmedov, atuava como peça-chave na ocultação dos ativos do pai. Jovem banqueiro em Londres, Temur teria ajudado a movimentar valores significativos, orientando transferências, fornecendo instruções a gestores de investimentos e colaborando para manter os recursos fora do alcance da mãe.
As investigações revelaram que Temur não apenas tinha conhecimento da sentença que condenava o pai, como atuava deliberadamente para frustrar o seu cumprimento. E-mails, mensagens e registros bancários mostraram que ele participou ativamente de operações destinadas a dificultar o rastreamento de patrimônio. A acusação era de que ele ajudava a movimentar quantias por meio de estruturas offshore e de contas em diferentes jurisdições, num esforço coordenado para manter a fortuna do pai blindada.
A juíza Gwynneth Knowles, da Family Division da High Court, não deixou dúvidas ao julgar a conduta do herdeiro. Em 2020, afirmou que este foi um caso de "the most serious abuse, where the son acted dishonestly in order to frustrate the enforcement of his mother's judgment" ([2018] EWHC 3286 (Fam)). Em outras palavras, reconheceu-se que o filho usou de má-fé e participou ativamente de um esquema fraudulento para impedir que a mãe recebesse o que lhe era devido.
Essa constatação foi crucial: ao identificar que não apenas o bilionário, mas também membros da família colaboravam na blindagem patrimonial, o tribunal pôde adotar medidas mais severas. O envolvimento de Temur escancarou a dimensão familiar e intergeracional da fraude, mostrando como até herdeiros podem ser mobilizados em estratégias de resistência ao cumprimento de sentenças. Esse detalhe deu ao caso ainda mais repercussão, pois raramente se vê um filho atuando judicialmente contra a própria mãe em defesa de um esquema de ocultação de ativos.
O rastreamento dos ativos não se limitou ao superiate Luna. Desde o início, a estratégia foi mapear globalmente toda a fortuna de Farkhad Akhmedov, espalhada em diferentes continentes e camadas societárias. O fundo financiador contratou especialistas em asset tracing que passaram a cruzar dados de registros públicos, documentos de embarcações, cadastros imobiliários e informações bancárias, numa verdadeira investigação forense internacional.
Foram identificados imóveis de alto padrão em Londres e em outros países da Europa, propriedades registradas em nome de holdings estrangeiras e estruturas fiduciárias (fundos e trusts). O trabalho incluiu verificar cadastros de land registry, examinar vínculos de empresas em paraísos fiscais e rastrear fluxos financeiros compatíveis com aquisição de imóveis de luxo. Além disso, vieram à tona coleções de arte e objetos de valor expressivo, também utilizados como forma de deslocar riqueza para ativos móveis e mais difíceis de rastrear.
A obra de arte mais midiática vinculada ao caso foi a pintura Untitled (Yellow and Blue) de Mark Rothko, que se tornou um símbolo não apenas da enorme fortuna em disputa, mas também das estratégias sofisticadas para ocultar patrimônio. Essa obra foi vendida, em 2015, por cerca de US$ 46,5 milhões, em leilão da Sotheby's. No âmbito do divórcio, ela estava inserida em uma coleção estimada em US$ 145,2 milhões, que incluía também obras de Andy Warhol, Damien Hirst e Peter Doig. Em decisão judicial de 2016, o tribunal ordenou que essa coleção - especialmente valiosa - fosse identificada e considerada parte do patrimônio a ser executado. A relevância de Untitled (Yellow and Blue) vai além do valor monetário. Ela simboliza o uso de arte contemporânea como meio de deslocar riqueza em estruturas offshore e freeports, dificultando o acesso judicial. O destaque midiático da obra reforça como ativos culturais podem ser tão estratégicos quanto imóveis ou iates de luxo em litígios de alta complexidade.
Assim, o rastreamento não foi apenas a "caça de um iate", mas a desmontagem paciente de uma rede global de estruturas offshore, bens imóveis, obras de arte e contas bancárias. A cada camada revelada, ficava mais evidente a intenção de esconder a fortuna, o que levou a Corte de Apelação a concluir que "as estruturas societárias elaboradas eram, na realidade, nada mais do que um artifício por meio do qual o Sr. Akhmedov buscava se evadir do cumprimento da sentença contra si" ([2020] EWCA Civ 408).
Após anos de litígios e negociações, em 2021 as partes chegaram a um acordo de aproximadamente £135 milhões (cerca de US$ 180 milhões). Para o fundo de investimento, o caso foi um golpe de mestre: de um investimento de cerca de US$ 20 milhões, recebeu aproximadamente US$ 103 milhões, alcançando um lucro superior a US$ 70 milhões. O episódio foi reportado como um dos maiores retornos da história do setor.
O caso Akhmedov v. Akhmedova traz aprendizados valiosos. Execuções complexas são oportunidades de financiamento - mesmo fora do direito empresarial, litígios com grandes fortunas e forte resistência no cumprimento da sentença podem ser viabilizados por litigation finance. O enforcement internacional exige mais do que capital - a rede global de advogados e investigadores é tão relevante quanto o financiamento em si. E retornos extraordinários são possíveis - ao assumir riscos em disputas de difícil execução, financiadores podem capturar resultados fora da curva, como ocorreu neste caso.
O divórcio bilionário de Farkhad Akhmedov mostrou que o litigation finance pode atuar como catalisador de justiça mesmo em litígios familiares, transformando uma sentença de difícil execução em valor efetivamente recuperado. E, no centro dessa batalha, um superiate de luxo se tornou símbolo de algo maior: o poder de alinhar capital, estratégia e enforcement para destravar valor em contextos extremos de special situations.