Em 2025 precisamos falar da inconstitucionalidade da prisão temporária
Este texto aborda a prisão temporária, seus requisitos, aplicação e inconstitucionalidade, com foco nas divergências nas ADIs 4109 e 3360 no STF.
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Atualizado às 10:22
O Brasil vive uma incerteza no Direito Processual Penal, atualmente, temos decisões diárias de violações aos princípios constitucionais que regem a liberdade como regra no âmbito da matéria criminal.
Contudo, nada se compara ao período mais sombrio que o nosso país já passou, a ditadura militar, nessa época existia a famosa "prisão para averiguação", sendo, uma forma de detenção policial onde restringia a liberdade do indivíduo com a finalidade de coletar informações.
Esse modelo de prisão ficou bastante conhecido antes da Constituição de 1988, por ser uma prática comum entre os militares, um cidadão que sofreu com esse instrumento -reconhecido hoje em dia por conta do seu filme que ganhou o Oscar- foi o deputado Rubens Paiva1.
Ocorre que, apesar da nossa Constituição de 1988 buscar proteger garantias e preceitos fundamentais, o resquício do autoritarismo permaneceu, apenas mudando de nome, sendo agora chamado de: prisão temporária.
Todos sabemos que o art. 5°, LVII, da CRFB/19882 estabelece a liberdade como regra, sendo então, a prisão uma exceção, devendo ser fundamentada quando decretada, porém, nenhum direito é absoluto, nesse caso, a liberdade se torna relativa quando estabelecemos as prisões cautelares. As cautelares estão previstas como forma de exceção ao princípio da presunção de inocência, sendo elas: flagrante, preventiva e temporária.
A prisão temporária, conforme exposto acima, surgiu para vedar a prisão para averiguação, a primeira celeuma dessa matéria se encontra na sua origem, tendo em vista que ela foi criada através de medida provisória 111, de 24/11/1989.
Aqui temos uma inconstitucionalidade, destaco a divergência doutrinária sobre a origem dessa mácula, autores como Paulo Rangel afirmam que o vício seria formal, pois o executivo criou uma lei que versa sobre Processo Penal, violando o exposto no art. 22, I, da CRFB/19883.
Outros autores, como Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, afirmam que a inconstitucionalidade seria material, destacando que tal medida provisória estaria dissociada do fator relevância e urgência.4
Entendo que tal instrumento seria passível de uma inconstitucionalidade formal orgânica, aquela que ocorre quando a norma é criada por órgão incompetente para legislar sobre a matéria. Destaco que lei 7.960/1989 substituiu a medida provisória 111/1989.
Outro ponto que devemos destacar é a cristalina violação ao princípio da presunção de inocência, Paulo Rangel afirma que:
"A prisão temporária também é inconstitucional por uma razão muito simples: no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente é o autor do delito. Trata-se de medida de construção da liberdade do suspeito que, não havendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inquérito policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados."5 (Rangel, 2002, p. 555)
Ou seja, na prática, a prisão para averiguação, resquício da ditadura, ainda não acabou, o nosso CPP adotou uma violação de liberdade por incompetência do Estado em investigar, destaco que se existissem elementos de autoria e materialidade suficientes o Ministério Público ofereceria a denúncia, junto com o requerimento de uma prisão preventiva.
Ainda há quem diga que o nosso CPP seja extremamente garantista...
Apontada sua inconstitucionalidade, afirmo que o presente tema já foi matéria no STF, em ADI 4109 e 3360, prevalecendo o voto do ministro Edson Fachin onde entendeu pela constitucionalidade da prisão temporária, para os ministros o tema não violaria a presunção de inocência por se tratar de uma cautelar, devendo ser fundamentada em elementos concretos e utilizada de forma excepcional.6
O STF definiu que, para aplicar tal medida, devem estar presentes, de forma cumulativa, cinco requisitos, sendo eles:
1) For imprescindível para as investigações do inquérito policial, constatada a partir de elementos concretos, e não meras conjecturas, vedada a sua utilização como prisão para averiguações, em violação ao direito à não autoincriminação, ou quando fundada no mero fato de o representado não ter residência fixa;
2) Houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes descritos no art. 1°, inciso III, da lei 7.960/1989, vedada a analogia ou a interpretação extensiva do rol previsto;
3) For justificada em fatos novos ou contemporâneos;
4) For adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado;
5) Não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas, previstas nos arts. 319 e 320 do CPP.
Dessa forma, a Corte acabou com as divergências doutrinárias quanto a cumulatividade de incisos da lei, alguns doutrinadores que defendiam que a temporária somente era cabível quando tivéssemos o inciso III com a soma do I ou II; outros doutrinadores defendiam a existência da temporária somente com todos os incisos conjugados cumulativamente, e por assim em diante. (Alencar e Távora, 2019, p. 994)7
Tratando tecnicamente sobre a temporária, assim como as outras cautelares, deve haver os requisitos de: periculum libertatis e o fumus commissi delicti. Necessitando ser decretada por autoridade judiciaria com representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, não podendo ser de ofício pelo juiz.
Quando estamos tratando de prisão temporária estamos, necessariamente, na fase de inquérito policial, isso porque, se estivermos no curso da instrução processual, com ação penal vigorando, será o caso de prisão preventiva.
Além disso, sobre prazo, a prisão temporária tem definido em lei, sendo essa sua principal diferença das outras cautelares, o tempo estabelecido é de 5 (cinco) dias para crimes comuns e 30 dias para crimes hediondos, ambos prorrogáveis, por igual período.
A lei afirma, em seu § 7°, que decorrido o prazo o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade8, existe uma divergência sobre a questão do alvará de soltura, juristas entendem não haver necessidade da expedição da ordem de liberdade, devendo o preso ser solto imediatamente.
Na prática, percebemos que a prisão temporária não tem muita aplicabilidade, em razão de sua inconstitucionalidade e pelo prazo definido, percebemos que o instituto da prisão preventiva tem melhor serventia no cotidiano.
Finalizo reafirmando que, apesar de não haver eficácia prática, a prisão temporária é válida, prevista em lei, e pode ser utilizada, todavia, é composta por uma flagrante inconstitucionalidade, violando qualquer Estado Democrático de Direito que busca proteger, ao mínimo, as liberdades individuais.
Sendo um resquício autoritário dos tempos sombrios que o Brasil viveu, tal instituto deveria ter sido declarado inconstitucional pela Suprema Corte, quando se teve a oportunidade, entretanto, os julgadores, à época, preferiram dificultar sua aplicabilidade e acabar com a divergência doutrinaria dos requisitos para decretação.
Tempos depois do julgamento no STF, percebo que alguns operadores do Direito, se utilizam do instituto com fundamento nessas decisões, porém, precisamos sempre reafirmar que a liberdade é a regra e o individuo jamais deveria ser preso com a finalidade de buscar indícios em uma investigação, o Estado, detentor do jus puniendi, deve melhorar seu poder de polícia ao invés de prender alguém buscando justificativa para tal violação.
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1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Rubens_Paiva?utm_source=chatgpt.com
2 LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
3 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal 6ª edição revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Lúmen Juris. 2002, p. 554
4 ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 14. ed. Salvador. Juspodivm, 2019, p. 994.
5 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal 6ª edição revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Lúmen Juris. 2002, p. 555
6 https://www.migalhas.com.br/quentes/359652/stf-fixa-criterios-mais-rigidos-para-decretacao-da-prisao-temporaria
7 ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 14. ed. Salvador. Juspodivm, 2019, p. 994.
8 § 7º Decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal 6ª edição revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Lúmen Juris. 2002, p. 555
https://www.migalhas.com.br/quentes/359652/stf-fixa-criterios-mais-rigidos-para-decretacao-da-prisao-temporaria
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 14. ed. Salvador. Juspodivm, 2019, p. 994.


