Responsabilidade das redes sociais ou irresponsabilidade?
Há que se regulamentar melhor o marco civil da internet, rumo a uma efetiva democracia digital e sempre em respeito aos direitos fundamentais.
quarta-feira, 4 de junho de 2025
Atualizado às 09:58
O Congresso Nacional editou a lei 12.965/14 - marco civil da internet - regulando as atividades desenvolvidas no ambiente da rede mundial de computadores, vale dizer, estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
Mas não basta!
Há que se regulamentar melhor o marco civil da internet, rumo à uma efetiva democracia digital e sempre em respeito aos direitos fundamentais.
Não podemos ser tratados como simples usuários de internet! Mas como cidadãos!
O grande poder das big techs
O Estado nacional não consegue controlar o território digital. As big techs (grandes tecnologias) resistem às tentativas de regulação.
É uma questão de soberania digital.
Google, Meta (Facebook, WhatsApp, Instagram), Amazon, Microsoft e Apple formam um oligopólio, isto é, poucas empresas controlam o mundo virtual e das nuvens.
De outro modo, conta-se nos dedos, as corporações que dominam o lucrativo mercado e detém o controle das informações pessoais de bilhões de pessoas. Tudo isso, por óbvio, coloca em risco a privacidade do cidadão.
Por sinal, a Google tem praticamente o monopólio nas buscas na internet, não é?
Uma coisa: Essas empresas têm um valor de mercado em aproximadamente US$ 13,9 trilhões. É seis vezes maior do que o PIB do Brasil: US$ 2,31 trilhões.
Não se trata de ser contra a revolução tecnológica. Não é isso. Mas, que o interesse da sociedade seja respeitado.
É fundamental garantirmos o direito à integridade e à privacidade dos dados que circulam na internet e a sua credibilidade.
Chega de fake news!
É necessário, sim, que a sociedade controle o mundo virtual para o bem-estar de todos. Caso contrário, seremos governados pelas big techs; se já não estamos...
STF volta a discutir a responsabilidade das redes
A propósito, o plenário do STF volta a discutir a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet. Vejamos:
"Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário".
Já disseram que "tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado".
O fato é que os populistas digitais extremistas divulgam, nas redes, discursos de ódio, a fim de manipular a população, e fazendo, por exemplo, defesa de golpe de Estado, trazendo desinformação e colocando em risco à democracia e, utilizam indiscriminadamente fake news.
Além do que, propagam pedofilia, exploração sexual infantil, incitam à violência, usam perfil falso e utilizam robôs a fim de cometerem crimes de calúnia, difamação e injúria, tudo à custa da democracia e sob o pretexto da liberdade de expressão.
Está conforme os direitos fundamentais divulgar na internet, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio ou à automutilação, tráfico de pessoas, atos de terrorismo?
Está no campo da liberdade de expressão?
A resposta é simples: não, não e não! Vale lembrar que nenhum direito é absoluto. Nenhum direito fundamental pode ser usado como escudo para a prática de atos ilícitos.
Não se pode jamais alegar liberdade de manifestação do pensamento para propagar ideias racistas, nazistas ou discriminatórias, conforme reiterada jurisprudência do STF.
Logo, deve sim, haver uma resistência por parte do Estado nacional, com uma legislação adequada e de maior controle por parte da sociedade em face às big techs.
União Europeia e regulamentação das plataformas digitais
Por falar nisso, a União Europeia, em 2022, aprovou o DSA - Digital Services Act que estabelece regras bem claras para plataformas digitais, redes sociais, busca e publicidade, com objetivo de dar proteção aos direitos fundamentais dos usuários e consumidores.
E mais: obrigando que as plataformas digitais tenham moderadores e monitorem conteúdos ilegais removendo as publicações assim que forem notificadas extrajudicialmente.
Onde mora o perigo no art.19?
Pois é. O provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências.
Muito bacana! Contém ironia...
E a proteção dos direitos fundamentais? Será a proteção das agressões? Será a proteção das fake news?
Um ponto: Se após ordem judicial o provedor tomar as providências ele não responde por nenhum ilícito?
Por que essa blindagem? Lembrei da frase: o rei não erra. Ora, o rei não se responsabiliza?
As big techs não erram?
Aliás, vale lembrar que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento a liberdade de expressão, mas também o respeito aos direitos fundamentais e a defesa do consumidor, prevendo, inclusive, a aplicação das normas consumeristas nas relações travadas na internet:
"Art. 7º- O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet."
Pergunta: por que, então, o provedor de aplicações de internet não pode responder objetivamente, aliás, como a maioria das empresas, mesmo que após decisão judicial tenha tomado as devidas providências?
Ou seja, o provedor só vai arcar com o bônus, isto é, o lucro de bilhões e não com o ônus do risco do empreendimento?
É isso? Está certo?
Por que, também, não responsabilizar objetivamente o provedor, se foi notificado extrajudicialmente e não tomou providências em relação a atos ilícitos?
Há, sim, um dever da empresa, inclusive ético, de fiscalizar o conteúdo publicado na internet e, claro, retirá-lo do ar, sem intervenção do judiciário, quando ofensivo.
Mas eu e você, leitor, e as pedras da rua sabemos da morosidade da Justiça.
Por isso, é fundamental o provedor, também, ser responsabilizado quando notificado extrajudicial e não remover o conteúdo ilícito.
Em consequência, as empresas devem manter um canal de comunicação transparente e bem ágil, para os usuários, imediatamente, notificarem condutas ilícitas.
Democracia digital
A lei 12.965/14 tem como princípios:
- A proteção da privacidade
- Proteção dos dados pessoais, na forma da lei
- Garantia da neutralidade de rede
E tudo um faz-de-conta!
Há privacidade, proteção de dados pessoais e neutralidade de rede?
Em seu livro " A Era do capitalismo de vigilância", Shoshana Zuboff, professora emérita de Harvard, adverte que: os cidadãos são constantemente vigiados o que possibilita a informação de dados sobre o comportamento das pessoas, com objetivo de exercer controle sobre elas.
Shoshana Zuboff1 faz a reflexão em seu livro:
"O capitalismo de vigilância não é um acidente de tecnólogos fanáticos, e sim um capitalismo nefasto que aprendeu a explorar com astúcia suas condições históricas para garantir e defender seu sucesso"
Há total desrespeito à privacidade e sem nenhum tipo de contrapartida, onde quem ganha com isso são as grandes corporações. Tudo em prol do capitalismo de vigilância e da maximização dos lucros.
Conclusão
Uma palavra final: Há que se regulamentar melhor o marco civil da internet, rumo a uma efetiva democracia digital e sempre em respeito aos direitos fundamentais.
Há urgência nessa discussão por parte de todos! Convidamos à ação os usuários e consumidores.
O poder das corporações não é apenas econômico, mas social e político. Há o controle de todo mundo na internet. Elas impõem suas infraestruturas tecnológicas: nuvens, redes e algoritmos.
Daí a observação de Shoshana Zuboff2:
"O capitalismo de vigilância age por meio de assimetrias nunca antes vistas referentes ao conhecimento e ao poder que dele resulta.
Ele sabe tudo sobre nós, ao passo que suas operações são programadas para não serem conhecidas por nós.
Elas acumulam vastos domínios de um conhecimento novo proveniente de nós, mas que não é para nós"
Além do que, é infantilismo achar que há neutralidade das redes. A tecnologia não é neutra. O objetivo é acumular e visar ao lucro.
O provedor tem que ser, sim, responsabilizado objetivamente! Por que essa blindagem?
Quem arca com o bônus, isto é, o lucro de bilhões, tem que arcar com o ônus.
É o risco do empreendimento!
Inclusive, o provedor, se foi notificado extrajudicialmente, e não tomou providências em relação a atos ilícitos, deve responder objetivamente.
É imprescindível garantir o direito à integridade e à privacidade dos dados que circulam na internet e a sua credibilidade.
Responsabilidade das redes sociais ou irresponsabilidade?
É necessário que a sociedade controle o mundo virtual para o bem comum de todos.
O Estado nacional não consegue controlar o território digital. As big techs resistem às tentativas de regulação. É uma questão de soberania digital.
Responsabilidade das redes sociais ou irresponsabilidade?
Com a palavra o STF.
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1-ZUBOFF, Shoshana- A Era do Capitalismo de Vigilância- A luta por um futuro humano na nova fronteira de poder, pg. 29, 2021, Editora Intrínseca.
2-ZUBOFF, Shoshana- A Era do Capitalismo de Vigilância- A luta por um futuro humano na nova fronteira de poder, pg. 22, 2021, Editora Intrínseca.