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Sucessão empresarial x desconsideração da personalidade jurídica

Conceitos próximos, naturezas distintas.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Atualizado às 10:57

No universo jurídico empresarial, é comum a confusão entre os institutos da sucessão empresarial, e desconsideração da personalidade jurídica, que, embora possam produzir efeitos semelhantes, qual seja: a responsabilização de terceiros por dívidas, possuem fundamentos jurídicos, requisitos e consequências completamente distintos.

Conhecer as particularidades de cada figura é essencial para uma aplicação adequada do Direito e para garantir a segurança jurídica nas execuções e cobranças judiciais.

A sucessão empresarial ocorre quando há a efetiva continuidade da atividade econômica, ainda que a empresa sucedida deixe de existir formalmente ou mude sua roupagem societária. Nela, a responsabilidade do sucessor decorre da transferência da unidade produtiva, e não da prática de fraude ou confusão patrimonial. O fundamento legal está no art. 1.146 do CC:

Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

A nova empresa assume o passivo da anterior quando absorve clientela, ativos, empregados, ponto comercial ou até mesmo o "know-how" da empresa sucedida. Nesses casos, a responsabilidade do sucessor é objetiva, dispensando demonstração de dolo ou fraude.

Por outro lado, a desconsideração da personalidade jurídica tem como escopo alcançar o patrimônio pessoal dos sócios ou terceiros envolvidos quando houver abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, nos termos do art. 50 do CC, com a redação dada pela lei da liberdade econômica (lei 13.874/19). Trata-se de medida excepcional, que exige a instauração de incidente próprio, cujo legisladores entenderam por dar a importância necessária de um capítulo inteiro (arts. 133 a 137 do CPC), visando assegurar o contraditório e a ampla defesa:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

Diferentemente da sucessão, a responsabilização no incidente de desconsideração da personalidade jurídica é subjetiva, exigindo prova concreta da conduta abusiva. A simples inexistência de bens da empresa, a relação de parentesco entre sócios de empresas distintas ou a semelhança entre nomes fantasia não são suficientes, por si só, para autorizar o afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

A confusão entre os institutos, infelizmente comum na prática forense, pode gerar graves vícios procedimentais e prejuízos à parte envolvida. A depender da fundamentação utilizada, pode-se desviar do rito correto, o que compromete não apenas o contraditório, mas também a solidez da decisão judicial.

É justamente nessa fronteira tênue entre aparência e essência que o direito demanda atenção redobrada: sucessão e desconsideração não se presumem, provam-se. E quando bem distinguidos, permitem que a justiça alcance seus fins sem atropelar garantias.

Alonso Santos Alvares

VIP Alonso Santos Alvares

O advogado é sócio da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

Raiane Aguiar

Raiane Aguiar

Advogada pós-graduada em Direito Civil, Empresarial, Penal e Processual Penal. Atuação com ênfase no Direito Imobiliário, do Consumidor e Execuções em geral.

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