STF: Ministros divergem e Fachin suspende análise de artigos da LIA
Até o pedido de vista, votaram os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
Da Redação
quinta-feira, 24 de abril de 2025
Atualizado em 25 de abril de 2025 07:03
O STF suspendeu, nesta quinta-feira, 24, julgamento que analisa a validade de dispositivos da lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92), alterados pela lei 14.230/21. A suspensão ocorreu após o ministro Edson Fachin pedir vista dos autos.
O caso havia sido retomado, na sessão, com apresentação do voto-vista do ministro Gilmar Mendes. Em sua manifestação, o decano da Corte divergiu em vários pontos do relator, ministro Alexandre de Moraes.
Enquanto Moraes adota uma postura voltada à preservação da eficácia da norma e do papel do MP, Gilmar Mendes destaca a importância de garantir segurança jurídica e respeitar a autonomia do legislador.
Voto-vista
Ao apresentar o voto, ministro Gilmar Mendes propôs leitura mais contida das nulidades e defendeu a preservação da norma sempre que possível - seja por meio de reduções de texto ou da chamada interpretação conforme à Constituição.
O ministro contextualizou a lei 14.230/21 como fruto de um processo de amadurecimento institucional. Para S. Exa., a norma representa uma tentativa legítima de aprimorar o combate à corrupção, afastando práticas anteriores marcadas por conceitos vagos e interpretações abusivas, que resultaram na "banalização do conceito de improbidade administrativa".
Gilmar exemplificou o uso desproporcional da antiga lei 8.429/92, citando casos de ações baseadas em meras infrações formais, sem dolo, que atingiram desde pequenos gestores municipais até figuras da alta cúpula, como Fernando Haddad.
Reconhecendo os avanços da nova legislação, Gilmar Mendes ressaltou a importância de preservar grande parte de seus dispositivos. Entre os trechos considerados constitucionais, destacou:
- Art. 1º, §8º - Protege a boa-fé do agente público em caso de divergência jurisprudencial;
- Art. 12, §10 - Estabelece o tempo de cumprimento da pena, sem criar novas hipóteses de inelegibilidade;
- Art. 17-B, §3º - Define a oitiva do Tribunal de Contas como instrumento técnico de apoio, sem comprometer a autonomia do Ministério Público;
- Art. 12, §1º - Valida a vinculação da perda da função pública ao cargo ocupado, estendendo-a também a casos de prejuízo ao erário.
Absolvição criminal e improbidade
No que se refere ao art. 21, §4º, que trata da repercussão da absolvição criminal em ações de improbidade, Gilmar Mendes defendeu a inconstitucionalidade parcial do dispositivo.
Propôs uma interpretação conforme para excluir do alcance da norma a hipótese do inciso III do art. 386 do CPP - quando "não constituir o fato infração penal".
Segundo o ministro, embora o direito administrativo sancionador tenha natureza própria, ele se insere no sistema penal em sentido amplo. Assim, princípios como o ne bis in idem devem ser observados, ainda que a absolvição por atipicidade não impeça a responsabilização administrativa.
Gestão de recursos públicos por partidos políticos
Ao analisar o art. 23-C, Gilmar Mendes reconheceu que a responsabilização exclusiva de partidos políticos pela lei específica carece de regulamentação.
Por isso, defendeu interpretação conforme que permita aplicar a lei de improbidade também a partidos e fundações partidárias quando houver manejo de recursos públicos, desde que respeitado o princípio do non bis in idem.
Abrangência da sanção de proibição de contratar
Quanto ao art. 12, §4º, o ministro considerou constitucional a regra que admite, de forma excepcional e justificada, a extensão da sanção de proibição de contratar com o poder público a outros entes federativos.
Para Gilmar, trata-se de medida proporcional, que busca evitar prejuízos a serviços essenciais prestados por pessoas jurídicas.
Salvaguardas processuais e dever de tipificação
Com relação aos dispositivos do art. 17, §§ 10-C, 10-D e 10-F, que tratam da organização processual e da tipificação dos atos de improbidade, Gilmar Mendes divergiu do entendimento do relator, que aponta inconstitucionalidade.
Para o decano, as normas não restringem a atuação do Judiciário, mas reforçam garantias como o contraditório, a ampla defesa e a imparcialidade. Assim, exigências como a descrição precisa do tipo de improbidade e a vedação à requalificação dos fatos funcionam como legítimas salvaguardas e não comprometem a independência judicial.
Contagem do prazo prescricional
Por fim, Gilmar Mendes avaliou o art. 23, §5º, que prevê a retomada do prazo prescricional pela metade após interrupção.
Divergindo do relator, considerou o dispositivo constitucional, por estar dentro da margem de conformação do legislador. Segundo ele, embora distinto do regime do CC, o modelo encontra amparo em normas como o decreto 20.910/32 e visa assegurar a razoável duração do processo.
Veja um resumo do voto:
Voto do relator
Em maio de 2024, o relator, ministro Alexandre de Moraes votou pela inconstitucionalidade da exclusão de partidos políticos e fundações das sanções da lei, entendendo que isso afronta os princípios da igualdade, razoabilidade e republicanismo. Propôs interpretação conforme, permitindo que essas entidades sejam responsabilizadas tanto pela lei das eleições quanto pela de improbidade.
Sobre o art. 12, reconheceu que os incisos se alinham à jurisprudência ao permitir gradação das sanções. Contudo, declarou inconstitucional o §4º, que limitava a proibição de contratar ao ente público lesado - medida que, em sua visão, enfraquece a proteção do erário.
Quanto aos §§ 10-C a 10-F do art. 17, criticou o suposto engessamento da atuação judicial, especialmente no que diz respeito à requalificação de atos e nulidades por falta de provas especificadas. Declarou nulidade parcial do §10-C e interpretação conforme ao §10-F, condicionando a nulidade à ausência de ampla defesa.
Diferentemente de Gilmar, rejeitou o §5º do art. 23, argumentando que permitir a contagem pela metade após a interrupção comprometeria a eficácia das sanções.
Apoiou ainda a validação do novo texto do art. 11, por entender que sua taxatividade fortalece a segurança jurídica e contribui para a defesa dos acusados, afastando subjetivismos.
Veja um resumo do posicionamento de Moraes:
Caso
Trata-se de ADIn, com pedido de medida cautelar, proposta pela CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público contra 36 artigos da norma que alterou a lei de improbidade administrativa. São eles:
- Ausência de responsabilização por culpa;
- Exclusão de ilicitude em razão de divergência interpretativa de jurisprudência não pacificada;
- Perda da função pública limitada à ocupada no momento do crime;
- Detração do tempo de suspensão dos direitos políticos;
- Exigência de oitiva do Tribunal de Contas antes de valorar dano a ser ressarcido em proposta de ANPP - acordo de não persecução penal;
- Impedimento da continuidade de ações de improbidade se houver absolvição criminal sobre os fatos;
- Termo inicial do prazo prescricional na data do fato, ou da cessação da permanência, com previsão de prescrição intercorrente e novas causas interruptivas;
- Imunidade conferida a partidos políticos e suas fundações à improbidade;
- Taxatividade das hipóteses de improbidade;
- Suspensão de prazos mínimos e modificação de prazos máximos das sanções e vedação à execução provisória;
- Restrição à requalificação de fatos pelo juiz.
Processo: ADIn 7.236