Entenda divergências no STF no julgamento da "nova" lei de improbidade
Ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes discordam quanto à validade de dispositivos da lei de 2021.
Da Redação
quinta-feira, 24 de abril de 2025
Atualizado às 19:23
Durante o julgamento da constitucionalidade de dispositivos da chamada "nova" lei de improbidade administrativa (lei 14.230/21), nesta quinta-feira, 24, no STF, ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes apresentaram votos com importantes divergências.
Embora ambos tenham reafirmado o compromisso com os princípios constitucionais no enfrentamento à corrupção e tenham votado pela parcial procedência da ação, suas interpretações quanto ao papel do Judiciário e aos limites da atuação do legislador foram claramente distintas.
Cada ministro adotou uma abordagem própria sobre como equilibrar a efetividade
Nesse contexto, divergiram quanto à validade de diversos dispositivos da nova legislação.
Confira, a seguir, os principais pontos de dissenso entre os dois votos:
Divergência interpretativa e exclusão da improbidade (art. 1º, §8º)
Ministro Alexandre de Moraes considera inconstitucional o dispositivo que afasta a configuração de improbidade nos casos de divergência interpretativa da norma jurídica.
Para o relator, a previsão compromete a segurança jurídica e esvazia o conceito de dolo - único admitido para caracterizar improbidade após a reforma legal. Moraes alerta que, sob o pretexto da divergência interpretativa, condutas dolosas poderiam ser justificadas e não responsabilizadas, o que abriria margem à impunidade.
Ministro Gilmar Mendes, em sentido oposto, entende pela validade da norma como instrumento necessário de proteção à boa-fé dos agentes públicos.
Em sua visão, a responsabilização por improbidade em contextos de incerteza jurídica afronta o princípio do devido processo e desconsidera os riscos normativos enfrentados diariamente por gestores públicos.
Perda da função pública
Para Moraes, o agente público condenado por improbidade deve ser afastado de todos os cargos públicos que ocupe, não apenas daquele diretamente relacionado ao ato improbo. Ele entende que a manutenção do vínculo funcional comprometeria a integridade institucional e minaria a confiança da sociedade na administração pública.
Gilmar Mendes defende que a perda de cargo deve se restringir à função vinculada ao ato ímprobo.
Em sua argumentação, a sanção generalizada viola o princípio da proporcionalidade, pois impõe uma penalidade desmedida mesmo a vínculos funcionais sem qualquer relação com a conduta sancionada.
Suspensão de direitos políticos e detração de pena (art. 12, §10)
Ministro Alexandre de Moraes se opõe à aplicação da detração no tempo de suspensão dos direitos políticos, por entender que tal medida colide com a lei da ficha limpa.
Segundo o relator, permitir a contagem retroativa do tempo de pena poderia enfraquecer o afastamento de condenados de cargos eletivos, esvaziando os efeitos práticos da inelegibilidade.
Gilmar Mendes, por sua vez, defende a constitucionalidade da detração como forma de calibrar a pena de suspensão.
Para o decano da Corte, a regra assegura equilíbrio entre punição e razoabilidade, desde que não interfira na competência da Justiça Eleitoral para aplicar a inelegibilidade prevista em lei específica.
Participação do Tribunal de Contas nos acordos de não persecução civil
Moraes considera inconstitucional a exigência de manifestação prévia do Tribunal de Contas no cálculo de danos em acordos de não persecução civil.
Para o relator, essa obrigatoriedade compromete a independência funcional do MP, enfraquecendo sua capacidade de negociar acordos eficazes para a reparação do dano.
Em contraponto, Gilmar Mendes vê na atuação do TCU um importante reforço técnico.
Segundo o ministro, a exigência não subordina o MP, mas oferece parâmetros técnicos que podem beneficiar todas as partes envolvidas no acordo e garantir maior segurança jurídica às decisões.
Sanção de proibição de contratar com o poder público (art. 12, §4º)
Ministro Alexandre de Moraes entende que a limitação da proibição de contratar apenas ao ente lesado é inconstitucional.
Para S. Exa., a norma cria um desequilíbrio injustificável, pois permite que empresas sancionadas por improbidade continuem firmando contratos com outras esferas da administração pública, enfraquecendo a eficácia da punição.
Gilmar Mendes, por sua vez, defende a constitucionalidade da regra, desde que a extensão da sanção a outros entes seja justificada e aplicada de forma excepcional.
Segundo o ministro, essa interpretação evita efeitos colaterais desproporcionais, especialmente em empresas que prestam serviços públicos essenciais.
Salvaguardas processuais e tipificação dos atos de improbidade (art. 17, §§ 10-C a 10-F)
Moraes considera inconstitucionais os dispositivos que engessam a atuação do magistrado ao prever regras muito restritivas para a tipificação dos atos de improbidade.
Para o relator, tais limitações comprometem o papel do juiz de aplicar o Direito conforme o caso concreto. No § 10-C, votou por afastar apenas o trecho que proíbe a requalificação da capitulação legal. No § 10-F, defende interpretação conforme para assegurar ampla defesa.
Ministro Gilmar, ao contrário, entende que os dispositivos são constitucionais e funcionam como garantias processuais.
Para S. Exa., essas exigências fortalecem o contraditório, a ampla defesa e evitam surpresas processuais, assegurando a imparcialidade e estabilidade das decisões judiciais.
Prescrição e contagem de prazos (art. 23, §5º)
Moraes vê inconstitucionalidade na retomada do prazo prescricional "pela metade" após interrupção. Em sua avaliação, essa regra é irracional e pode beneficiar indevidamente o agente, permitindo que, quanto mais clara a culpa, mais rápido o processo prescreva.
Ministro Gilmar Mendes defende a constitucionalidade do dispositivo. Argumenta que ele encontra paralelo em outras normas do ordenamento jurídico, como o decreto 20.910/32, e se alinha ao princípio da duração razoável do processo, evitando litígios intermináveis.
Convergências
Apesar das divergências centrais, os ministros convergem em pontos essenciais.
Ambos reconhecem a importância da manutenção da sanção de perda da função pública, ainda que por fundamentos diversos, como mecanismo indispensável à proteção da moralidade administrativa.
Além disso, enfatizam que o combate à improbidade deve respeitar os princípios constitucionais, assegurando que a repressão aos atos ímprobos não ultrapasse os limites do devido processo legal, nem comprometa o equilíbrio do sistema de garantias.
No tocante à responsabilização de partidos políticos e suas fundações (art. 23-C), Moraes votou pela inconstitucionalidade parcial do dispositivo, por entender que a exclusão dessas entidades da incidência da LIA viola os princípios da igualdade, razoabilidade e republicanismo - sobretudo diante do volume significativo de recursos públicos a elas destinados.
Por isso, propôs interpretação conforme à Constituição, de modo a permitir que fundações e partidos possam ser responsabilizados tanto com base na legislação eleitoral quanto na lei de improbidade administrativa.
Gilmar Mendes também votou pela interpretação conforme. O decano reconhece que essas entidades devem responder por atos de improbidade envolvendo recursos públicos, desde que respeitado o princípio do ne bis in idem e os limites constitucionais do processo sancionador, a fim de evitar dupla punição pelos mesmos fatos.