STF derruba leis municipais que proíbem linguagem neutra em escolas
Maioria acompanhou voto do relator, ministro André Mendonça, segundo o qual a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação é privativa da União.
Da Redação
domingo, 27 de abril de 2025
Atualizado às 09:56
Em julgamentos encerrados na última quinta-feira, 24, por meio do plenário virtual, o STF invalidou leis municipais que impedem o uso de linguagem neutra nas escolas.
Os ministros analisaram três ações sobre o mesmo tema, ADPF 1.164, ADPF 1.158 e ADPF 1.162, todas contra leis municipais de São Gonçalo/RJ, Muriaé/MG e RS, respectivamente. Em todas, o ministro André Mendonça votou pelo reconhecimento da inconstitucionalidade.
O ministro não discutiu o uso da linguagem neutra, mas apenas apontou que a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação, e até mesmo sobre língua portuguesa, é privativa da União, não podendo a restrição constar em norma municipal.
Ele sugeriu a fixação da seguinte tese:
"É formalmente inconstitucional norma estadual ou municipal que disponha sobre a língua portuguesa, por violação à competência legislativa da União."
Os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e a ministra Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator.
Pedido
As normas impugnadas determinam que o ensino deve se restringir à norma culta da língua portuguesa, seguindo o VOLP - Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e o Acordo Ortográfico. Além disso, impõem sanções às instituições e profissionais que descumprirem a regra, incluindo advertência, multa e, no caso das escolas públicas, até exoneração de professores.
As autoras das ações, entidades da sociedade civil, associações de defesa da comunidade LGBTI+ e de famílias homotransafetivas, apontam a inconstitucionalidade formal, visto que as normas invadiriam a competência privativa da União.
Além disso, sustentam que as leis municipais violam diversos direitos fundamentais garantidos pela CF, como liberdade de expressão, liberdade de cátedra no ambiente educacional, e direito à igualdade e não discriminação de pessoas não-binárias, bem como contraria compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como o Protocolo de San Salvador.
Voto do relator
Relator das ações, André Mendonça afirmou que as normas violam a Constituição ao invadir competência legislativa exclusiva da União sobre diretrizes e bases da educação nacional.
No voto, o ministro reconheceu a legitimidade das entidades para apresentar a ação e afastou a alegação da AGU de que a matéria deveria ser julgada inicialmente pelos TJs, visto que entendeu haver repercussão nacional.
No caso do segundo processo, ADPF 1.158, Mendonça não conheceu a parte da norma de Muriaé que trata de concursos públicos, por entender que a petição inicial não apresentou fundamentação específica. No que concerne ao ensino, votou igualmente pela inconstitucionalidade.
Quanto às leis, entendeu que tratam de conteúdo programático e diretrizes de ensino, temas que, segundo a Constituição, devem ser regulados exclusivamente pela União. Citando o artigo 22, inciso XXIV, Mendonça afirmou que municípios não podem legislar sobre currículos, metodologias ou formas de exercício da atividade docente.
Ao analisar o conteúdo das normas, ele destacou que a proibição da linguagem neutra e a previsão de sanções a professores e escolas configuram uma tentativa de legislar sobre tema de interesse nacional - o ensino da língua portuguesa - que está submetido a regras gerais já fixadas em lei federal e na Base Nacional Comum Curricular.
- Leia a íntegra do voto na primeira e na segunda ação.
Divergência
O ministro Cristiano Zanin, divergiu parcialmente do relator, ministro André Mendonça. Ele acompanhou sobre o não conhecimento de trechos que dispõem sobre concursos e comunicações externas da Administração Pública.
Também acompanhou sobre a inconstitucionalidade formal da norma no trecho em que invade competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.
Mas, para Zanin, não há inconstitucionalidade no trecho das leis que reafirmam o ensino da norma culta da língua portuguesa, conforme diretrizes nacionais já previstas na legislação Federal. Segundo Zanin, esses dispositivos apenas reforçam o que já está estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação e não configuram inovação normativa nem invasão de competência da União.
O entendimento foi acompanhado pelo ministro Nunes Maques.
Leia a íntegra do voto de Zanin.