STF julga aumento de pena em crime contra honra de funcionário público
Segundo o PP, pena maior confere proteção excessiva aos agentes públicos e viola princípios democráticos.
Da Redação
quarta-feira, 7 de maio de 2025
Atualizado às 19:54
Nesta quarta-feira, 7, STF retomou, em sessão plenária, a análise da constitucionalidade de dispositivo do CP que prevê o aumento de pena para crimes contra a honra quando praticados contra funcionários públicos em razão do exercício de suas funções.
A análise foi interrompida devido ao adiantado da hora e será retomada nesta quinta-feira, 8.
Até o momento, votaram o relator, ministro Luís Roberto Barroso, que entendeu ser inconstitucional a majoração da pena, exceto nos casos de calúnia. O voto foi acompanhado pelo ministro André Mendonça.
Ministro Flávio Dino divergiu, defendendo a validade da elevação da pena. O entendimento foi seguido pelos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
Confira o placar até agora:
Entenda o caso
A ação foi proposta pelo PP - Partido Progressista, que questiona a validade do inciso II do art. 141 do CP, o qual estabelece o acréscimo de um terço na pena nesses casos.
A norma foi alterada em 2021 pela lei 14.197, que ampliou o âmbito de proteção dos funcionários públicos para incluir os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do STF como potenciais vítimas das ofensas.
O partido argumenta que o dispositivo fere princípios constitucionais, como o pluralismo político, a igualdade e a livre manifestação do pensamento.
Segundo a legenda, a norma confere proteção excessiva à honra de agentes públicos em comparação com os demais cidadãos, o que atentaria contra o Estado Democrático de Direito.
Além disso, sustenta que a previsão de uma pena mais severa para quem critica funcionários públicos configura intimidação ao direito de crítica.
O Congresso Nacional, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República manifestaram-se pela improcedência da ação.
Voto do relator
O relator, ministro Luís Roberto Barroso votou pela inconstitucionalidade parcial do art. 141, II, do CP, limitando o agravamento da pena exclusivamente ao crime de calúnia.
Segundo o ministro, a discussão constitucional não gira em torno da validade dos tipos penais em si, mas da legitimidade do aumento da pena pelo simples fato de a vítima exercer função pública.
Ressaltou que os agentes públicos, por estarem sujeitos ao escrutínio da sociedade, devem tolerar um maior nível de exposição e crítica, inclusive aquelas "ácidas" e eventualmente ofensivas. Para o presidente do Supremo, ampliar a pena nesses casos pode representar uma ameaça à liberdade de expressão e ao debate democrático.
"Funcionários públicos devem tolerar um maior nível de exposição, escrutínio social e críticas, ainda que injustas", disse.
Destacou ainda que, no caso da calúnia - que envolve a falsa imputação de um crime -, o agravamento pode ser justificado, pois o risco à integridade da atuação institucional do agente público é mais concreto.
A exceção, explicou, se justifica também pelo fato de que o tipo penal admite a exceção da verdade, o que reduz o risco de criminalização de críticas legítimas.
Nos casos de difamação e injúria, o ministro entende que não há justificativa constitucional suficiente para o agravamento da pena.
Segundo Barroso, esses crimes, por tratarem de fatos ofensivos ou juízos de valor, não são capazes de comprometer substancialmente o desempenho da função pública. Além disso, as definições desses tipos penais são mais abertas, o que aumenta o risco de restrição indevida à liberdade de expressão.
"A maior indeterminação dos elementos desses crimes eleva o potencial de restrição indevida ao debate democrático", pontuou.
O ministro entendeu que a honra de agentes públicos não deve ter mais proteção que a de cidadãos comuns.
Barroso ainda destacou a distinção com o julgamento da ADPF 496, em que foi relator e defendeu a constitucionalidade do crime de desacato. No entanto, explicou que naquele caso se discutia a eliminação do tipo penal, enquanto agora se trata apenas da impossibilidade de aplicar um agravante em certas hipóteses.
Ao final do voto, o ministro propôs a seguinte tese de julgamento:
"A causa de aumento de pena do inciso II do art. 141 do Código Penal aplica-se exclusivamente ao crime de calúnia."
Com isso, Barroso votou pela inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do dispositivo, afastando a aplicação nos crimes de difamação e injúria.
Veja trechos do voto do relator:
Ministro André Mendonça acompanhou o relator. Embora reconheça a legitimidade do legislador em criar distinções no Direito Penal - especialmente quando o agente público é o autor do crime - Mendonça ponderou que, no caso de injúria e difamação contra servidores, o acréscimo de pena fere o equilíbrio necessário com a liberdade de expressão.
O ministro destacou que o Código Penal já prevê agravantes quando o autor é agente público, como em crimes de tortura ou relacionados ao tráfico de drogas, sob a justificativa de que o Estado espera desses servidores um comportamento ético exemplar, dada a confiança social investida neles.
No entanto, Mendonça sustentou que a mesma lógica não se aplica com a mesma intensidade quando o agente público é a vítima, especialmente em casos de ofensas genéricas, ainda que duras. "Chamar um servidor de louco ou incompetente pode ser injusto, mas não justifica uma pena maior só por ele ser servidor", afirmou.
Confira:
Proteção ao serviço público
Ministro Flávio Dino divergiu do relator e votou favoravelmente à constitucionalidade do aumento de pena (majorante) para crimes contra a honra cometidos contra funcionários públicos em razão do cargo que ocupam, desde que configurada a injúria.
Para S. Exa., a imunidade funcional e a liberdade de expressão não podem se converter em escudo para a prática de crimes. Dino destacou que críticas, mesmo duras e injustas, devem ser toleradas por agentes públicos, mas com a ressalva de que não se ultrapassem os limites penais.
Em sua manifestação, o ministro citou que há respaldo constitucional para a diferenciação legal, dado que os servidores públicos estão submetidos a um regime jurídico próprio e excepcional, o que, segundo Dino, legitima a discricionariedade do legislador ao prever agravantes específicas.
"Se dissessemos que não há base constitucional, estaríamos negando a existência de um regime próprio dos servidores públicos", afirmou, mencionando ainda recentes alterações legislativas que aumentam penas para crimes contra agentes do sistema de Justiça e Segurança Pública.
Dino chamou atenção para o impacto social de se eliminar esse agravante.
Segundo o ministro, ao permitir que condutas ofensivas contra servidores passem impunes sob o pretexto de liberdade de expressão, pode-se institucionalizar o "vale-tudo", comprometendo não a honra pessoal do servidor, mas a dignidade da função pública que representa.
"Não estamos tratando de ministros do Supremo, estamos tratando de funcionários públicos em geral", frisou, lembrando exemplos como médicos de hospitais públicos e agentes de trânsito.
O ministro concluiu que o agravante em debate não representa violação à liberdade de expressão, mas sim uma proteção necessária ao serviço público.
Para Dino, eliminar essa possibilidade seria "expungir uma opção legislativa legítima, sem base dogmática e sem necessidade prática".
S. Exa. reforçou que críticas continuam permitidas, mas que não se deve tolerar a invasão da seara penal quando se extrapolam os limites do debate democrático.
Veja trecho do voto:
Ministro Cristiano Zanin acompanhou a divergência e votou pela constitucionalidade do agravamento de pena. Para Zanin, a causa de aumento não configura privilégio ao agente público, mas sim um mecanismo de proteção institucional à dignidade do serviço público, diferenciado do indivíduo que o exerce.
O ministro defendeu que o direito à crítica é essencial, mas deve ser distinguido de ofensas criminosas, especialmente quando dirigidas a agentes públicos por razões ligadas à sua atuação. "Não vejo inconstitucionalidade nessa norma. Ela visa proteger o exercício da função pública, como expressamente dispõe o dispositivo impugnado", argumentou. Para S. Exa., a crítica - mesmo dura - deve ser preservada, mas sem ultrapassar os limites impostos pela lei penal.
Assista:
Gravidade extrema
Ao acompanhar o voto do ministro Flávio Dino, ministro Alexandre de Moraes afirmou que consideraria extremamente grave se alguém o chamasse de ladrão.
Moraes criticou a banalização dos delitos contra a honra e o uso distorcido da liberdade de expressão como escudo para agressões. Ainda, destacou que a impunidade estimula novos ataques, sobretudo nas redes sociais e até no Congresso Nacional.
Para o ministro, é preciso distinguir crítica legítima de comportamento criminoso e garantir a proteção da honra de agentes públicos, alvos frequentes de ofensas.
Confira:
- Processo: ADPF 338