STJ julga caso de mãe que fugiu da Irlanda com filhas após suspeitar de abuso
Corte anulou ordem que promoveu o retorno das crianças à Irlanda. Agora, ministros analisarão recurso apresentado pela AGU.
Da Redação
segunda-feira, 12 de maio de 2025
Atualizado em 22 de maio de 2025 14:49
Nesta terça-feira, 13, dois dias após o Dia das Mães, a 1ª turma do STJ deve julgar embargos de declaração apresentados pela AGU - Advocacia-Geral da União, no processo que envolve a brasileira Raquel Cantarelli, acusada de "sequestro internacional" ao retornar ao Brasil com suas duas filhas em 2019. Ela afirma ter fugido da Irlanda para protegê-las de abusos cometidos pelo ex-marido.
Raquel vivia na Irlanda com o marido e as filhas menores de idade.
Segundo o processo, após notar comportamentos indicativos de abuso sexual contra a filha mais velha, então com dois anos, ela procurou autoridades locais - mas as investigações foram arquivadas sem apuração adequada.
Raquel relatou ter sido impedida de sair do país, sofrendo cerceamento de liberdade.
Com apoio da Embaixada do Brasil e da PF, ela conseguiu retornar ao país com as crianças, em uma ação descrita nos autos como "operação de resgate".
Convenção de Haia
Com base na Convenção de Haia de 1980, o pai ajuizou ação no Brasil, com o apoio da União, para exigir o retorno das menores, alegando subtração ilícita.
Em 1ª instância, a Justiça negou o pedido, reconhecendo a exceção do art. 13, "b" - risco grave à integridade física e psíquica das crianças.
Contudo, o TRF da 2ª região reformou a decisão e determinou o retorno imediato das meninas à Irlanda.
Em 14/6/23, as menores foram retiradas compulsoriamente da casa da mãe e entregues ao pai.
Desde então, Raquel está há quase dois anos sem qualquer contato com as filhas.
Vitória no STJ
O caso chegou ao STJ por meio de recursos do MPF e da DPU.
Em 17/12/2024, após devolução de pedido de vista da ministra Regina Helena Costa, a 1ª turma decidiu, por maioria, restabelecer a sentença de improcedência do pedido do genitor, reconhecendo risco concreto à integridade das crianças e determinando o retorno das meninas ao Brasil.
O relator, ministro Gurgel de Faria, afirmou que não se tratava de condenar o genitor, mas de preservar o melhor interesse das crianças. Para o ministro, os elementos constantes dos autos - como laudos da perícia social, relatos consulares e manifestações do MPF - sinalizavam risco real.
Destacam-se os seguintes dados citados no voto:
- Obtenção de medida protetiva por Raquel ainda em 2019, contra o pai das crianças;
- Comportamentos sugestivos de abuso relatados pela mãe e observados em vídeo periciado;
- Laudo psicológico apontando que o retorno "traria traumas e danos", devido ao tempo decorrido e à ruptura abrupta dos vínculos com a mãe;
- Ausência de conclusão judicial sobre os abusos, devido à tenra idade das crianças, o que, segundo o relator, exigia postura prudente e protetiva.
A decisão criticou duramente a omissão das autoridades, que não implementaram medidas mínimas para preservar o contato com a mãe.
"A Justiça sequer se preocupou com a necessidade de implementar medidas junto às autoridades irlandesas para que as crianças tivessem, pelo menos, acesso por videochamada."
Após a decisão da Corte, a AGU interpôs embargos de declaração, que serão analisados na sessão desta terça-feira, 13.
- Processo: AREsp 2.525.844
Veja o acórdão.
"Confio que o STJ fará Justiça"
Às vésperas do julgamento, Raquel manifestou a expectativa diante da decisão do STJ. Ela afirmou que o resultado do julgamento pode não apenas mudar o destino de sua família, mas também impactar centenas de outras crianças brasileiras que enfrentam situações de risco e violência.
A mãe criticou a postura da AGU, destacando a contradição entre o compromisso público da instituição de não recorrer em casos com provas de violência e sua atuação no processo que envolve suas filhas.
Para ela, recorrer contra uma decisão que reconhece a gravidade do caso representa não só um retrocesso jurídico, mas também uma forma de violência institucional contra famílias que lutam por proteção.
Apesar da aflição, Raquel demonstrou confiança na Justiça e reiterou que a luta não é contra a Convenção de Haia, mas por sua aplicação com humanidade e respeito aos direitos fundamentais.
Ela reforçou que o julgamento é uma oportunidade para o Brasil reafirmar o compromisso com a proteção da infância e com a dignidade das mulheres que denunciam a violência.
Assista:
No STF
Na esteira do caso de Raquel, o tema do sequestro internacional e da proteção contra a violência doméstica ganhou espaço também no STF.
Na sessão plenária de 6/2/25, o Supremo começou a julgar a ADIn 7.686, proposta pelo PSOL, que questiona a obrigatoriedade de retorno da criança ao país de origem nos casos em que há fundadas suspeitas de violência doméstica, mesmo quando a criança não é vítima direta.
A relatoria é do ministro Luís Roberto Barroso, que também relata a ADIn 4.245, com temática semelhante.
Após a leitura do relatório, foram apresentadas sustentações orais e manifestações de amici curiae. O julgamento foi suspenso para análise dos argumentos.
Em sua fala, a deputada Luciene Cavalcante defendeu a aplicação da Convenção conforme os princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, prioridade absoluta da criança e proteção à mulher.
Já o advogado-geral da União, Rodrigo Carmona, alertou que uma interpretação isolada pelo Brasil pode comprometer a reciprocidade entre os países signatários da Convenção, dificultando a repatriação de crianças brasileiras no futuro. Ele reconheceu que há precedentes internacionais que admitem a violência doméstica como fator impeditivo ao retorno, mas advertiu que a mera suspeita sem prova efetiva poderia fragilizar o sistema.