Febre "bebê reborn": Advogada analisa responsabilidade de empregadores
Especialista explica por que vínculos afetivos não convencionais não geram direitos trabalhistas, mas exigem respeito no ambiente corporativo.
Da Redação
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Atualizado às 17:47
Um caso inusitado levado à Justiça do Trabalho acendeu debates sobre os limites da legislação trabalhista e o impacto de novos fenômenos sociais no ambiente jurídico.
A ação, proposta por uma recepcionista que pleiteava licença-maternidade e salário-família por exercer papel materno em relação a um boneco reborn, gerou discussões acaloradas nas redes sociais.
A advogada Érika de Mello, Head de Relações Trabalhistas do escritório PG Advogados, destaca que o caso traz duas abordagens distintas: a jurídica e a social.
A advogada explica que, juridicamente, o boneco hiper-realista reborn está enquadrado no CC (art. 82) como um bem móvel, independentemente do vínculo emocional que o proprietário com ele estabeleça. A legislação que trata da licença-maternidade prevê a concessão do direito à empregada após o parto, após aborto espontâneo, bem como à pessoa (independentemente do gênero) adotante ou que obtiver a guarda judicial de criança para fins de adoção.
"O objetivo da legislação é muito claro no sentido de assegurar os cuidados essenciais e a fase de estabelecimento e estabilização inicial do vínculo que se forma nessa nova relação biológica ou afetiva envolvendo um ser humano total ou parcialmente dependente de outro ser humano."
A especialista lembra que, embora o afeto e a parentalidade socioafetiva sejam reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, eles pressupõem reciprocidade e envolvem seres humanos, o que não se aplica ao vínculo com um objeto inanimado. "Seria o mesmo que reconhecermos a parentalidade daqueles que se intitulam mãe e pai de planta. São fenômenos afetivos, mas não equiparáveis à parentalidade nos termos da legislação vigente."
"Assim, não existe respaldo jurídico para a concessão da licença-maternidade nesse cenário."
Ambiente de trabalho saudável
Por outro lado, a advogada ressalta que o segundo aspecto do caso não deve ser ignorado: o tratamento dispensado à funcionária no ambiente de trabalho. "Independentemente da plausibilidade jurídica do pedido, a empresa tem o dever de acolher e tratar com respeito qualquer demanda apresentada. Ridicularizar ou permitir a exposição de um empregado que demonstra vulnerabilidade emocional pode configurar assédio e ensejar indenização por danos morais", alerta.
Segundo Érika, o episódio serve de alerta às empresas: "por mais que situações como essa pareçam absurdas à primeira vista, é necessário cuidado e sensibilidade para evitar desdobramentos jurídicos mais graves, como ações indenizatórias que podem trazer prejuízos não apenas financeiros, mas também reputacionais".
"A judicialização de um pedido de licença-maternidade fundamentado em vínculo emocional com um boneco reborn, ainda que juridicamente inviável, evidencia a urgência de abordagens humanizadas nas relações de trabalho, e nos convida a refletir sobre saúde mental, diversidade afetiva e responsabilidade social corporativa."
Relembre o caso
A ação que deu origem ao debate foi ajuizada por uma recepcionista contra uma empresa de investimentos imobiliários. A funcionária alegava exercer papel materno com dedicação afetiva a sua filha reborn, e requereu à empresa o afastamento previsto em lei com recebimento do salário-família. O pedido foi negado pela empresa.
A trabalhadora afirmou ter sido alvo de zombarias e comentários depreciativos no ambiente de trabalho, o que teria abalado sua saúde emocional e motivado o pedido de rescisão indireta do contrato, além de indenização por danos morais.
A ação foi protocolada na 16ª vara do Trabalho de Salvador/BA. Contudo, diante da repercussão do caso e das reações provocadas, a recepcionista optou por desistir do processo, o que foi aceito pelo juízo.
- Processo: 0000457-47.2025.5.05.0016